terça-feira, 29 de abril de 2025


Argumentando por Intuição.   

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Por: Vincent Cheung. Traduzido e adaptado por: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C. Ph.D. Th.D. 

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Gregory E. Ganssle recentemente publicou um livro intitulado “Pensando sobre Deus” [1]. Em um determinado capítulo, ele explica o que é liberdade e determinismo, e conclui afirmando que ele favorece o “livre-arbítrio libertário”. Observemos, como ele argumenta:

“Agora, por que você deveria concordar comigo a respeito   da liberdade humana? Deixe-me dar a você duas razões. Primeiro. parece estranho tornar alguém moralmente responsável por uma ação se esta ação não depende dele. Se o determinismo é verdade, então nenhuma ação depende de quem a pratica. Pelo menos nenhuma ação depende de alguém que a realize em um nível alto o bastante, para razoavelmente, tornarmos essa pessoa responsável. Ainda assim, nós consideramos cada pessoa moralmente responsável. A melhor explicação é que algumas ações dependem de nós e somos responsáveis por elas.”

“Segundo. O “livre-arbítrio libertário” fará mais sentido em nossas decisões. Frequentemente nos encontramos debatendo entre alternativas, e estamos convencidos de que nossa decisão tem um real efeito no que virá. A decisão que nós tomamos, após deliberarmos, parece depender de nós. Se a liberdade não é do tipo “libertária”, então a deliberação não faz muito sentido. Portanto, a “liberdade libertariana” é o melhor conceito de liberdade e liberdade compatibilista não é liberdade, no final das contas.” [2]

Isto é terrível, terrível! Eu me sinto imundo só por digitar. Existem inúmeras afirmações falsas e falácias nestes dois parágrafos [3], porém primeiramente focarei nas palavras que são relevantes ao nosso assunto, que é intuição.

Note as palavras que coloquei em itálico acima. Se fôssemos debater a questões da liberdade humana, ou do Calvinismo vs. Arminianismo, Ganssle viria até mim com “parece estranho”, “estamos convencidos” e “parece”? Eu poderia apenas dizer prontamente que “parece certo”, “eu não estou convencido” e “não parece”! Bem, ele está convencido das premissas que parecem a ele verdadeiras, mas eu posso simplesmente estar convencido do oposto.

Se você juntar “parece que” como uma parte essencial de seu argumento (ao contrário de uma parte não-essencial de sua apresentação, por exemplo, uma mera ilustração), você saiu da realidade de uma argumentação estritamente racional. Além disso, perdeu o direito de prevenir que seu oponente use exatamente o mesmo tipo de argumento, e a ele “parecerá que” você está errado.

Quando vamos à discussão Calvinismo VS. Arminianismo, você pode ouvir algo como “Se Deus é absolutamente soberano, então ele controla mesmo nossas decisões, e neste sentido não temos liberdade ou livre-arbítrio, mas nós sentimos (nós estamos convencidos, nós percebemos, nós achamos, parece que, etc.) que temos liberdade ou livre-arbítrio em nossas atividades diárias; portanto, o Calvinismo deve estar errado”. Minha resposta é que eu sinto ou imagino, ou me parece, que esta pessoa é uma idiota; portanto, ela é idiota. [4]

Se ela discordar de minha intuição, então por que eu tenho de concordar com a dela? Se ela me disser que eu realmente não acho ou intuo que ela é uma idiota, então posso dizer de prontidão que ela realmente não sente ou intui a liberdade. Isto é, se ela pode afirmar saber o que realmente se passa em minha mente, então eu posso afirmar prontamente saber o que realmente acontece na mente dela.

Ganssle afirma saber o que todos nós pensamos. Entre outras coisas, ele alega que:

1. Intuitivamente afirmo que “parece estranho tornar alguém moralmente responsável por uma ação se esta ação não depende dele.”

2. Eu estou “convencido de que nossa decisão tem um real efeito no que virá”.

3. A decisão que tomo, após deliberar, “parece depender” de mim.

Entretanto, a não ser que ele construa suas afirmações sob uma fundação objetiva e infalível, se ele pode alegar saber o que intuitivamente eu afirmo em minha mente, por que eu não posso também alegar saber o que ele intuitivamente afirma em sua mente? Assim, eu afirmo que “nós estamos convencidos” de que ele está errado, e que ele “parece” bastante confuso e arbitrário. A não ser que pare de argumentar pela intuição, como ele faz, é impossível que ele consistentemente rebata minhas alegações.

Assim, tudo se ajunta em pura subjetividade sem sentido. Quando se debate com arminianos, ou quando se lê sua literatura, você notará que muitos baseiam suas premissas cruciais na intuição, e frequentemente apenas na intuição. O padrão de argumentação de Ganssle é muito comum a eles – eles simplesmente assumem que suas premissas necessárias são verdadeiras porque para eles elas parecem ser verdadeiras. Eles dizem que estão convencidos de que essas premissas são verdadeiras (frequentemente, eles dizem que todos nós estamos convencidos), e então prosseguem nesta base.

Uma dessas premissas é que nos parece que todos temos “livre-arbítrio”; outra é que pareceria injusto fazer alguém que não tem livre-arbítrio moralmente devedor. Pelo menos nesses exemplos, seu padrão definitivo de verdade e moralidade não é a revelação de Deus, mas a própria intuição. Seus “parece que” parecem inquestionáveis a eles.

Entretanto, todos os “parece que” poderiam estar errados. Parafraseando Clark, talvez pensemos que temos livre-arbítrio não porque sabemos de algo (que nós temos livre-arbítrio), mas porque não sabemos de algo (que realmente não temos livre-arbítrio) [5]. Talvez algumas pessoas intuitivamente pensem que certas coisas são verdadeiras porque elas são ignorantes. Lutero coloca isso de forma mais forte, ao dizer que nós pensamos que temos livre-arbítrio porque estamos sendo enganados por Satanás [6]. Neste caso, o debate não pode ser estabelecido pela intuição apenas.

Muitos ateus argumentam desta forma também. Por exemplo, uma vez que rejeitam a revelação, eles não podem apelar para um fundamento na ética. Então, quando se voltam para a experiência, aqueles que são menos estúpidos percebem que não podem derivar nada da intuição. Portanto, alguns se voltam para intuição, e alegam que eles conhecem certos princípios éticos. Mas com os problemas já citados (a intuição é 100% subjetiva, não-universal, falível e etc...), por que devemos obedecer a intuição?

É algo muito infeliz, e, infelizmente; muitos escritores reformados/calvinistas também apelem para a intuição a fim de construir seus argumentos e sistemas. Quando fazem isto, normalmente é porque eles estão tentando alegar algumas ideias e premissas do mesmo tipo que os arminianos e os ateus afirmam, como conceitos anti-bíblicos de liberdade e justiça. Mas, uma vez que essas premissas falsas não podem ser derivadas da revelação bíblica e, uma vez que eles não podem derivar de nada da sensação, eles se refugiam na intuição.

Entretanto, como mostramos, isto seria enveredarem-se em subjetivismo nefasto, irrelevante e intelectualmente desonesto. Quando escritores reformados/calvinista fazem isto, eles são inconsistentes com sua teologia bíblica e racional.

Um exemplo é William G.T. Shedd. Apesar de ele ser altamente recomendado, por ser um dos menos empíricos entre os teólogos, ele falha em depender somente da revelação divina. Pelo contrário, apelos à intuição invadem sua Teologia Dogmática, e ele faz isto para estabelecer premissas e princípios que, na verdade, somente arminianos deveriam afirmar, e que somente arminianos precisam, como uma   versão do livre-arbítrio, e uma base anti-bíblica para a responsabilidade moral.

Como cristãos reformados/calvinistas – como cristãos cuja visão de Deus, homem e salvação são verdadeiramente bíblicas – não devemos e nem precisamos apelar para experiência ou intuição, o que nos levará apenas ao cepticismo irracional e auto-contraditório. Pelo contrário, devemos nos apegar à revelação escrita de Deus, que vêm somente do Logos, a Razão de Deus, a única que pode nos salvar e àqueles que nos ouvem.

Originalmente, planejei tratar somente dos problemas em basear os argumentos na intuição. A citação de Ganssle nos providenciou um bom exemplo. Entretanto, eu também trarei alguns pontos que não estão diretamente conectados com a intuição, mas são sempre problemáticos. Seria instrutivo discuti-los também. Primeiramente, vamos voltar nossa atenção às seguintes afirmações, já citadas no início:

Se o determinismo é verdade, então nenhuma ação depende de quem a pratica. Pelo menos nenhuma ação depende de alguém em um nível alto o bastante para tornar alguém responsável. Ainda assim, nós consideramos cada pessoa moralmente responsável. A melhor explicação é que algumas ações dependem de nós e somos responsáveis por elas. [7]

Primeiro, vamos entender que Ganssle não está tentando construir uma explicação detalhada para sua posição em seu livro; isto representa somente um resumo de suas razões para sua posição sobre a liberdade. Entretanto, isto não nos proíbe de criticar o que ele escreveu, uma vez que ele nos dá informações suficientes para nos dizer que tipo de argumento ele considera com um suporte válido e racional para sua posição.

A não ser que ele mude completamente a direção de toda a sua exposição, então, mesmo que fossem dados tempo e espaço para elaborar, ele ainda argumentaria sobre esse assunto usando o mesmo tipo de argumentos. Isto é, mesmo se dados, tempo e espaço, ele nos daria somente uma versão mais detalhada do seu pensamento falacioso.[8]

Com o objetivo de tratar este ponto com algum detalhe, lidaremos com cada uma das afirmações individualmente.

“Se o determinismo é verdade, então nenhuma ação depende de quem a pratica”. 

Esta afirmação é tão ambígua, que é difícil saber o que fazer com ela. Em particular, a expressão crucial “depende de” é indefinida. [9] Dependendo do que ela significa, a expressão pode referir-se a uma liberdade volitiva relativa a outras criaturas ou uma liberdade volitiva relativa ao próprio Deus, que é a liberdade absoluta.

Parece que a linguagem e o contexto pedem a segunda interpretação. A ação de alguém depender dela mesma está contrastada com “determinismo”. O contexto do livro sugere que o “determinismo” aqui está incluso, se não restrito, ao determinismo divino, ou a ideia de que é Deus quem determina todas as coisas, incluindo todas as decisões humanas. Isto é, se uma ação “depende” de alguém, então ela não é determinada por Deus.

Mas, se uma ação não é determinada por Deus, então Ganssle não mais está falando sobre o Deus da Bíblia. Neste ponto, eu devo indicar a você meus trabalhos anteriores para detalhadas explanações sobre a soberania divina [10]. Em qualquer caso, a expressão “depende” permanece ambígua.

“Pelo menos nenhuma ação depende de alguém que a realize em um nível alto o bastante, para razoavelmente, tornarmos essa pessoa responsável”.

Agora as coisas realmente ficam estranhas. Ele diz que a “dependência” deve ser alta o bastante para ser “razoável” afim de tornar alguém “responsável”. Claro, minha primeira reação é POR QUE? Mesmo se nós pudéssemos entender sua afirmação, não temos nenhuma razão para crer nisso. Mas como veremos, não é tão fácil assim entender a afirmação.

Antes mesmo que saibamos o que ele quer dizer com “depende”, agora ele sugere que existem níveis de “dependência”. Então, de acordo com ele, uma ação deve “depender” de uma pessoa num grau maior ou menor; mas como ele sabe disso, não é explicado.

Então, ele diz que a “dependência” deve alcançar um certo grau que seja “alto o bastante” para “razoavelmente” tornar alguém “responsável”. Porém, mesmo se nós ultrapassássemos a sugestão de que existem níveis de “dependência”, quão alto é “alto o bastante”, e como ele sabe?

Além disso, se a “dependência” deve ser alta o bastante para ser razoável, o que ele quer dizer por “razoável”? Por “razoável”, ele quer dizer algo que é validamente dedutível de premissas verdadeiras, ou ele quer dizer alguma coisa como “moralmente aceitável”? Se ele quer dizer algo como a última opção, então o que ele queria dizer com “aceitável”? “Aceitável” a quem? Como ele sabe?

Ou somos completamente injustos por suspeitar que por “razoável”, ele está mais uma vez apelando para algum padrão intuitivo que não pode projetar objetivamente e sustentar fora de sua própria mente, e assim, nesse caso sua intuição mais uma vez tomaria o lugar de Deus?

Então, porque esta “dependência” deveria alcançar um certo grau para ser “alta o bastante”, a fim de considerar “razoável” tornar alguém responsável? Isto continua sem resposta.

Além disso, o que ele quer dizer com “responsável”? Eu nem tentarei adivinhar.

Agora, já que ele contrasta a “dependência” de uma ação contra “determinismo” [11], e uma vez que “dependência” pode ser de um nível menor ou maior, segue-se que o “determinismo” também pode estar em níveis – isto é, não é absoluto, mas relativo [12].

Mas isto coloca Deus, que é o sujeito do “determinismo”, em uma posição semelhante com as criaturas, que são os objetos do “determinismo”. Isto é, algumas coisas “dependem” (são determinadas) por Deus, mas algumas coisas não o são. Ele talvez seja mais poderoso do que nós, assim, existem mais coisas que “dependem” dEle do que “dependem” de nós, mas permanece que, quando se trata de “dependência” e determinismo, Deus difere de nós apenas em níveis, e não em tipo.

Assim, novamente, perdemos o Deus da Bíblia. Em contraste, a posição bíblica é que nós somos “moralmente responsáveis” no sentido de que nós somos devedores morais a Deus; isto é, Deus nos julgará. Nossas crenças e ações terão consequências porque Deus causará estas consequências.

Mais ainda, é “razoável” que Deus nos faça moralmente responsáveis no sentido de que é logicamente válido e moralmente aceitável para Ele fazer. É logicamente válido porque esta é a conclusão deduzida de Sua própria vontade e decreto, e é moralmente aceitável porque Deus é o padrão moral único e definitivo, e Ele aceita Sua própria decisão de fazer Suas criaturas moralmente responsáveis.

Nesta discussão, a questão da liberdade humana nem mesmo entra em debate [13]. É completamente consistente com o determinismo divino absoluto, em que Deus controla todas as coisas, incluindo todo pensamento e decisão humana.

“Ainda assim, nós consideramos cada pessoa moralmente responsável”.

Para entender esta afirmação, e perceber o que está tão errado a respeito disso, nós devemos lê-la no contexto do parágrafo. Aqui está ele novamente:

Se o determinismo é verdade, então nenhuma ação depende de quem a pratica. Pelo menos nenhuma ação depende de alguém que a realize em um nível alto o bastante, para razoavelmente, tornarmos essa pessoa responsável. Ainda assim, nós consideramos cada pessoa moralmente responsável. A melhor explicação é que algumas ações dependem de nós e somos responsáveis por elas.

Para simplificar o argumento, podemos parafrasear como se segue: “Se o determinismo é verdade, então nós não somos moralmente responsáveis. Mas nós consideramos cada pessoa responsável. Portanto, o determinismo é falso”. Mesmo presumindo que concordamos que “consideramos cada pessoa moralmente responsável”, Ganssle não diz nada para estabelecer que isto realmente é a coisa certa a se fazer. Só porque nós fazemos alguma coisa, não significa necessariamente que é a coisa certa a fazer. Talvez nós estejamos errados em considerar cada pessoa moralmente responsável.

Note que o argumento deveria apresentar que o determinismo é falso, e não meramente fazer sentido sobre considerar cada pessoa moralmente responsável. Isto é, a função do argumento não é apenas explicar algo que fazemos, menos ainda se isto é certo ou errado. Pelo contrário, o argumento pretende refutar o determinismo, e para fazer isto, depende da premissa que “nós consideramos cada pessoa moralmente responsável”, e assume que isto é a coisa certa a se fazer (ou que esta premissa deveria ser considerada como algo constante).

Da maneira como é apresentado, o melhor que este argumento pode fazer é explicar porque Ganssle gostaria que o determinismo fosse falso! Ele quer que o determinismo seja falso porque quer explicar o porquê consideramos os outros moralmente responsáveis. Em outras palavras, de acordo com este argumento, com o objetivo de justificar o que fazemos (quer esteja certo ou não), devemos rejeitar o determinismo (seja o determinismo realmente verdade ou não). O argumento é puramente pragmático, não racional.

Além de falhar em estabelecer que devemos considerar cada um moralmente responsável em primeiro lugar, nós já mostramos que Ganssle também falha em estabelecer a premissa anterior, especialmente aquela que afirma que, se uma ação não depende de nós, então não somos moralmente responsáveis por ela. Portanto, o que ele pretende que seja uma explanação racional para afirmar o “livre-arbítrio libertariano”, torna-se uma bagunça incompreensível.

Em contraste, a posição bíblia é que Deus revelou Suas leis morais a nós, e Ele declarou que nós somos devedores de acordo com estas leis. Assim, Ele também estabeleceu relações e instituições humanas que, por meio delas, podemos responsabilizar os outros, de uma forma relativa e temporária, para manter a paz, a ordem e a justiça na sociedade humana – até que a absoluta e perfeita prestação de contas possa ser dada a Deus, quando Ele julgar a humanidade. Ao invés de basear nossos argumentos na intuição ou mesmo na prática (como Ganssle faz), nossa base para a responsabilidade moral é a revelação divina.

“A melhor explicação é que algumas ações dependem de nós e somos responsáveis por elas”.

O que eu disse acima já cobre esta última afirmação. Aqui, eu tratarei o argumento de um ângulo um pouco diferente. Agora, o argumento está dizendo:

1. Se o determinismo é verdadeiro, então nós não somos moralmente responsáveis. [14]

2. Mas nós consideramos cada pessoa moralmente responsável.

3. Portanto, o determinismo é falso.

O problema é que a conclusão não é uma inferência necessariamente proveniente das premissas. Mesmo se nós usarmos as mesmas premissas, poderíamos chegar a uma conclusão muito diferente:

1. Se o determinismo é verdade, então nós não somos moralmente responsáveis.[15]

2. Mas nós consideramos cada pessoa moralmente responsável.

3. Portanto, estamos errados em considerar cada pessoa moralmente responsável.

A versão de Ganssle dos argumentos recusa abrir mão da prática de considerar cada pessoa moralmente responsável, enquanto a outra versão recusa abrir mão do determinismo. As duas versões do argumento são falaciosas, uma vez que as conclusões não se derivam de premissas por inferência necessária. Mais ainda, Ganssle não oferece uma justificativa para a primeira premissa, e esta é uma premissa que eu rejeito.

Terminamos de examinar o parágrafo, mas ainda não acabamos com Ganssle, já que ele agora diz:

“Segundo. O livre-arbítrio libertariano fará mais sentido em nossas decisões. Frequentemente nos encontramos debatendo entre alternativas, e estamos convencidos de que nossa decisão tem um real efeito no que virá. A decisão que nós tomamos, após deliberarmos, parece depender de nós. Se a liberdade não é do tipo libertariana, então a deliberação não faz muito sentido. Portanto, a liberdade libertariana é o melhor conceito de liberdade e liberdade compatibilista não é liberdade, no final das contas.” [16]

Nós já dissecamos tanto sua forma de pensar que, agora, já devemos ser capazes de ver o que está errado com as afirmações acima sem muita ajuda. Então, iremos brevemente resumir os problemas sem entrar em detalhes. Notemos que o parágrafo inteiro tenta novamente fazer sentido sobre o que supostamente fazemos, sem justificar que deveríamos fazer isso. Ele diz “estamos convencidos” de que nossas decisões têm um efeito real no que virá. Mas, quem é ele para falar por todos nós? Na verdade, eu não estou convencido desta afirmação, afinal.

De qualquer forma, mesmo se todos nós estivéssemos convencidos de sua afirmação, a questão permanece “mas é verdadeiro?”. Da maneira como é apresentada, a base de sua premissa é mera intuição subjetiva, ou mesmo a opinião popular. Adicionando-se o fato de que temos o termo ambíguo “efeito real”, toda a afirmação é ininteligível.

Então, ele diz: “A decisão que nós tomamos, após deliberarmos, parece depender de nós.” Novamente, ele descansa sua premissa apenas na intuição. Só porque alguma coisa parece uma forma certa, isto não significa que ela seja realmente verdadeira. Mas nós já discutimos a falácia de se apelar para a intuição, então vamos continuar.

Sua conclusão é que: “se a liberdade não é do tipo libertariana, então a deliberação não faz muito sentido.” Bem, então, pior para a deliberação! O argumento pretende estabelecer o livre-arbítrio libertariano, e para fazer isso, ele afirma apenas que o livre-arbítrio libertariano fará a deliberação ter sentido. Mas o argumento falha porque, primeiro, falha em estabelecer que somente o livre-arbítrio libertariano fará sentido para a deliberação; segundo, ele falha em estabelecer que deveríamos fazer sentido na deliberação; terceiro, falha em estabelecer que a deliberação faz sentido como um todo.

Ele afirma que “a liberdade libertariana é o melhor conceito de liberdade”, porém, não importa se isto é verdadeiro ou não a esta altura, pois ele falha em definir a liberdade libertariana ou, desta forma, qualquer tipo de liberdade.

No entanto, eu talvez concorde com ele em alguma coisa, afinal, pois ele termina o parágrafo dizendo: “liberdade compatibilista não é liberdade, no final das contas.” Agora, como ele explica anteriormente no capítulo, por “liberdade compatibilista”, ele quer dizer “determinada, mas livre” [17]. Ele afirma que este é um conceito popular de liberdade, mas um ao qual ele se opõe. Aqui ele adiciona que “no fim, não é liberdade”. [18]

Mas parece para ele que a única opção restante para se aceitar é a liberdade libertariana; entretanto, isto não é verdade. O que aconteceria se negássemos as liberdades libertariana e compatibilista, e afirmássemos um determinismo divino absoluto e incompreensível?

Eu entendo que muitos escritores reformados/calvinistas objetariam a isto; eles se sentem compelidos a afirmar a liberdade compatibilista. Isto acontece em parte porque eles assumem que o homem tenha algum tipo de liberdade a fim de se justificar ele ser responsabilizado. Mas isso é apenas uma suposição, impossível de provar, e contraditória com a Escritura.

É claro, devemos ser cuidadosos e definir “liberdade” de uma forma acurada e relevante. Devemos pelo menos responder à questão: “liberdade do que?”. Agora, quando falamos de determinismo divino, o “determinador” é Deus. Então, neste contexto, a única coisa relevante da qual se libertar é Deus, e se somos livres de outra coisa, esta é irrelevante. Portanto, a questão se torna “O homem é livre de Deus em algum sentido?”. Uma vez que você assevera que o homem é livre de Deus em algum sentido, você perdeu o Deus da Bíblia.

Uma posição reformada/calvinista/bíblica consistente seria a seguinte: O determinismo divino absoluto é verdadeiro; portanto, o homem não tem liberdade em nada relativo a Deus – ele não é livre de Deus em qualquer sentido. Entretanto, ele ainda é moralmente responsável e devedor porque Deus o considera moralmente responsável e devedor.

Não existe qualquer razão lógica para trazer a questão da liberdade. A premissa “responsabilidade pressupõe liberdade” é completamente arbitrária, anti-bíblica e impossível de ser provada. Pelo contrário, a Escritura ensina que a responsabilidade pressupõe o julgamento divino, e julgamento divino pressupõe a decisão de Deus de julgar. Não existe nenhuma relação com a questão do homem ser livre ou não.

De fato, uma vez que a responsabilidade humana pressupõe o julgamento divino, e desde que julgamento divino pressupõe soberania divina (o direito e o poder de Deus para julgar), segue-se que a responsabilidade humana pressupõe soberania divina, e não a liberdade humana. Nós somos moralmente responsáveis precisamente porque Deus é soberano e nós não somos livres.

A questão então se torna se isto é, ou não justo – isto é, se é justo responsabilizar alguém que não é livre. Entretanto, isto é apenas a mesma questão com outras palavras. A questão da justiça parece ser relevante somente porque já trouxemos ilegítima e arbitrariamente a liberdade para a discussão. Mas nós respondemos que isto é justo porque é o que Deus decidiu fazer, e Ele é o único e definitivo padrão de justiça; portanto, isto é justo por definição.

Essa posição é bíblica e coerente, e não há nada inerentemente contraditório ou impossível sobre isto. Muitas pessoas talvez não gostem porque contradiz suas noções de liberdade, responsabilidade e justiça; no entanto, são noções pecaminosas. Ao apelar para a intuição, eles ignoram os efeitos do pecado na mente. Ao censurar-lhes por colocar sua confiança em sua própria intuição, eu não me volto para minha intuição como verdadeira; pelo contrário, eu apelo para a revelação divina somente, e se nós vamos falar de intuição, devemos observar a revelação para julgar nossa intuição.

Estamos demonstrando que a intuição não pode providenciar um fundamento confiável para nossos argumentos, citando o “livre-arbítrio” de Ganssle como exemplo. Apesar de já concluir a parte principal de nossa discussão sobre o assunto, ainda existe um tópico relacionado que precisamos tratar, a fim de evitar um mal-entendido e evitar confusão. Tenho em mente nosso conhecimento inato de Deus, e sua relação com a intuição e a revelação.

A Escritura ensina que toda pessoa tem um conhecimento inato de Deus, no sentido que ela conhece Deus e Seus atributos por instinto, ou por intuição, à parte da observação e experiência. Este conhecimento reside na mente do homem porque Deus colocou diretamente nele, como uma criatura feita à imagem divina.

Apologistas pressuposicionalistas frequentemente mencionam este fato; entretanto, quando eles fazem isto, eles não estão apelando para a intuição? Precisamos pensar nisso com cuidado.

Nós não dissemos que mesmo uma menção da intuição causaria uma falácia; pelo contrário, dissemos apenas que é falacioso apelar para a intuição como base para os argumentos, ou apelar para intuição a fim de retirar premissas de nossos argumentos. Talvez ainda haja um lugar para nosso conhecimento de Deus em um sistema coerente de teologia.

No caso do pressuposicionalismo, formulado biblicamente e racionalmente, nosso conhecimento inato de Deus não é estabelecido pela própria intuição, mas pela revelação. Não dizemos “eu tenho um conhecimento intuitivo de Deus; portanto, certamente eu tenho um conhecimento intuitivo de Deus”, e partindo disso dizemos:

“Portanto, meu conhecimento intuitivo de Deus é verdadeiro”.

Ao invés disso, dizemos: “a revelação de Deus me diz que eu tenho um conhecimento intuitivo de Deus; portanto, certamente tenho um conhecimento intuitivo de Deus”. E, “a revelação de Deus diz que meu conhecimento intuitivo de Deus é verdadeiro em si mesmo, ou até onde ele vai; portanto, meu conhecimento intuitivo de Deus é verdadeiro em si mesmo, ou até onde ele vai”.

Assim, devemos adicionar também: “a revelação de Deus me diz que nosso conhecimento intuitivo de Deus foi diminuído e distorcido pelo pecado; portanto, apesar de ser verdade que tenho um conhecimento intuitivo de Deus, e apesar deste conhecimento intuitivo de Deus ser verdade em si mesmo, esta intuição nunca é confiável como uma fonte de conhecimento ou justificativa para minhas premissas de raciocínio, porque eu não posso perceber claramente e representar acuradamente a informação contida nesta intuição. Portanto, se hei de saber alguma coisa sobre tudo isto, preciso que a revelação de Deus me conte o que este conhecimento intuitivo contém”.

Então, quando falamos sobre nosso conhecimento intuitivo de Deus, estamos falando sobre uma afirmação feita pela revelação sobre intuição. Isto não é uma afirmação da intuição sobre a intuição, e ainda menos uma afirmação feita pela intuição sobre a revelação.

Em outras palavras, quando mencionamos nosso conhecimento inato de Deus, não estamos tentando provar a revelação de Deus por nossa intuição; pelo contrário, apenas afirmamos que a revelação de Deus nos conta o que sabemos pela intuição. Novamente, este conhecimento foi diminuído e distorcido pelo pecado, mas sabemos isto somente pela revelação.

Portanto, quando falamos sobre intuição, e especialmente sobre nosso conhecimento intuitivo de Deus, é uma proposição inteiramente diferente daquela a qual estamos nos opondo. Em nenhuma instância nós fizemos a intuição como base de nossos argumentos; nós dependemos unicamente da revelação divina.

Como pressuposicionalistas bíblicos, começamos pela revelação, e dela deduzimos todas as proposições necessárias dentro da nossa cosmovisão; não há qualquer dependência da intuição. Quando mencionamos intuição, nós fazemos isto no contexto de dizer que a revelação de Deus nos diz que todas as pessoas conhecem a Deus pela intuição, e isto explica porque eles não podem desculpar-se lógica ou moralmente a si mesmos. Nós não começamos dizendo, pela intuição, que todos conhecem a Deus, e, portanto, não há desculpa para a descrença; nós começamos pela revelação, e então, com base na revelação, dizemos que todas as pessoas conhecem a Deus pela intuição e, portanto, na autoridade da revelação de Deus (e não da intuição), não há desculpas para a descrença.

Mais ainda, nossa afirmação é mais forte que apenas dizer que o conhecimento de Deus é intuitivamente inescapável; ao invés disso, nossa afirmação é que, positivamente, o conhecimento de Deus é claro e intenso, e negativamente, é logicamente inevitável e inegável.

Assim, o criticismo contra argumentos intuitivos não se aplica à apologética bíblica/Pressuposicionalista coerente. Os oponentes do Cristianismo devem, portanto, atacar diretamente a revelação.

Da mesma forma, uma vez que nossas críticas contra a intuição continuam fortes, aqueles que apelam para a intuição como base para seus argumentos, ao atacar o Cristianismo precisam provar a confiabilidade da intuição; de outra forma, eles terão de evitar isto. Em outras palavras, não somente eles devem atacar diretamente a revelação, como devem também ter alguma coisa para poder atacá-la.

Notas:

[1] - Gregory E. Ganssle, Thinking About God (InterVarsity Press, 2004).

[2] - Ibid., p. 136-137, ênfase adicionada.

[3] - Eu já escrevi sobre todas elas em meus livros e artigos. As obras relevantes incluem: Systematic Theology, Ultimate Questions, Presuppositional Confrontations, Apologetics in Conversation, Commentary on Ephesians, The Sermon on the Mount , “The Problem of Evil”, and “Professional Morons”.

[4] - Por que estou sendo duro para com este tipo de pensamento? Porque ele é um tipo de pensamento irracional, e que é freqüentemente usado para asseverar posições heréticas, tais como o livre-arbítrio libertariano.

[5] - Veja Gordon Clark, Predestination.

[6] - Veja Martin Luther, The Bondage of the Will.

[7] - Ganssle, p. 137.

[8] - Antes de colocar as seguintes críticas no “papel”, eu cuidadosamente verifiquei seu livro novamente, e prestei uma atenção especial ao capítulo no qual estas declarações aparecem. Ganssle tenta providenciar mais detalhes e argumentos nas páginas anteriores. Contudo, nada do que ele diz pode servir para se defender das críticas acima. Leitores que desejam verificar isto, podem verificar as páginas 129-137 do seu livro.

[9] - Estou ciente de que ele tenta definir (ou antes ilustrar) a expressão na página 135, mas sua expressão falha em clarificar o conceito. Na mesma página, ele admite, “Agora, “dependência” não é um conceito muito preciso.

[10] - Veja Systematic Theology, Ultimate Questions, Commentary on Ephesians, e “The Problem of Evil”. Veja também, Predestination e God and Evil de Gordon Clark.

[11] - Isto é, se algo “depende de” Deus, então não “depende de” nós.

[12] - Isto é, se algo “depende de” nós, então não “depende de” Deus. E visto que Ganssle contende que algumas ou muitas coisas são “dependentes” de nós, segue-se que algumas ou muitas coisas não são “dependentes” de Deus. Portanto, a menos que o “determinismo” seja absoluto e compreensivo, ele é apenas outra palavra para uma “dependência” similar à nossa, mesmo que seja maior em grau ou mais frequente em ocorrências.

[13] - Não há lugar lógico para a liberdade humana entrar na discussão; tem que ser arbitrariamente introduzido por força.

[14] - Lembre-se que Ganssle falha em justificar esta declaração, e não aceitamos isso. Mas isto é o que ele assevera.

[15] - Novamente, negamos isto, mas isto é o que Ganssle assevera sem justificação.

[16] - Ganssle, p. 137.

[17] - Ibid., p. 131.

[18] - Concordo com ele no sentido que eu afirmo que, se uma ação é completamente determinada por Deus, então a pessoa que realiza a ação não é, em nenhum sentido, livre de Deus. Portanto, o determinismo divino e a liberdade humana são mutuamente exclusivos. Aqueles que asseveram que estes dois são de fato compatíveis invariavelmente, definem determinismo duma maneira que Deus, na realidade, não determina todas as coisas, em cujo caso não é o determinismo sobre o qual estou falando; ou, eles esquecem que estamos considerando um tipo de liberdade com relação a Deus (ser livre de Deus), em cujo caso a liberdade é considerada irrelevante.

Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts.



“Todos, nascem arminianos, é a graça de Deus que vai tornar alguns e apenas alguns; hiper-calvinistas supralapsarianos!!!”


Atenciosamente, respeitosamente e fraternalmente:
Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C. Ph.D. Th.D.



 


O Autor do Pecado.   

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Por: Vincent Cheung. Traduzido e adaptado por: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C. Ph.D. Th.D.

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Apologética é fácil, mas ela é frequentemente dificultada por tradições anti-bíblicas e suposições irracionais.

Quando cristãos reformados são questionados sobre se Deus é o “autor do pecado”, eles são muito rápidos em dizer, “Não, Deus não é o autor do pecado”, e então eles se torcem, se viram e se contorcem no chão, tentando dar ao homem algum poder de “auto-determinação” (e.g. Hodge, Dabney, Shedd, etc.), algum tipo de liberdade que torne o homem culpado (mesmo quando não há nenhuma relação lógica, estabelecida entre liberdade e culpabilidade), e, todavia, ainda deixar Deus em seu trono de soberania, total e absoluta.

Por outro lado, quando alguns alegam que minha visão da soberania divina faz de Deus o autor do pecado, minha primeira reação tende a ser, “E daí?”. Cristãos que discordam de mim cantarolam estupidamente, “Mas ele faz de Deus o autor do pecado, ele faz de Deus o autor do pecado...”. Contudo, uma descrição não se eleva a um argumento ou objeção, e eu nunca me deparei com uma explicação nem sequer meio-decente do que há de errado em Deus ser o autor do pecado em nenhuma obra teológica ou filosófica, escrita por qualquer um, de qualquer perspectiva. Seja Deus o autor do pecado ou não, não há literalmente; nenhum problema bíblico, racional, teológico, ou mesmo lógico em relação a isto.

Para isto ser um problema, ele deve tornar algum ponto do Cristianismo falso, ou contradizer alguma passagem da Escritura. Mas se Deus é o autor do pecado, como isto faz o Cristianismo falso? Alguém deve construir um argumento mostrando isto citando premissas estabelecidas que necessariamente levem à conclusão de que o Cristianismo seria falso se Deus for o autor do pecado. Qual é este argumento? E qual passagem da Escritura ele contradiz? Você pode citar a passagem que quiser, mas você terá que mostrar que ela necessariamente se aplica à questão e que ela torna impossível Deus ser o autor do pecado. Onde está esta passagem na Escritura?

Entre as muitas respostas falaciosas está o apelo à Tiago 1:13. Usar este verso para negar que Deus é o autor do pecado é um dos maus usos da Escritura sobre os quais eu adverti no post anterior do meu blog, e em muitas outras ocasiões. Ela não é tão escandalosa como o abuso que Avanzini faz de Isaías, mas, todavia, é um mau uso do verso, e no sentido de que este mau uso é muito mais popular e influente, ele tem sido um erro muito mais danoso.

Considere o contexto. Tiago está discutindo o desenvolvimento prático da fé cristã em sua carta, e assim, ele frequentemente enfatiza a responsabilidade direta do cristão, e de uma perspectiva cristã imediata. Tiago está apontando que o cristão deve considerar e agir em suas lutas como um cristão; ele não está tratando com metafísica. Em outras palavras, ele está tratando seus assuntos do ponto de vista de um cristão com relação às suas considerações e responsabilidades imediatas, e não com relação à princípios metafísicos mais amplos.

Contudo, quando estamos discutindo a soberania divina VS. a liberdade humana, causa e efeito, etc., nós estamos tratando de fato com metafísica!!! (e aqui, podemos ser: platônicos ou aristotélicos); Certamente, as conclusões alcançadas neste nível carregam implicações necessárias para a vida prática, e o que a Bíblia ensina sobre metafísica e vida prática é completamente consistente uma com a outra; todavia, é verdade que enquanto a discussão permanecer num nível metafísico, o ponto de referência será diferente, de forma que alguém deve ser cuidadoso para não inferir invalidamente um princípio metafísico de um verso sobre instrução prática.

Com isto em mente, leia a passagem novamente. Ela não afirma ou nega que Deus seja o autor do pecado — ela não aborda o assunto de forma alguma, mas sua preocupação é completamente diferente. Ela apenas te diz que Deus não é o tentador, o que é totalmente diferente de dizer que Deus não é o autor do pecado.

Isto é, se Deus diretamente te faz pecar, isto O faz o “autor” do pecado (pelo menos no sentido que as pessoas frequentemente usam a expressão), mas o “pecador” ou “praticante-do-erro” ainda é você. Visto que o pecado é a transgressão da lei divina, para Deus ser um pecador ou praticante-do-erro neste caso, Ele deve decretar uma lei moral que proíba a Si mesmo de ser o autor do pecado, e então, quando Ele agir como o autor do pecado de qualquer jeito, Ele se torna um pecador ou praticante-do-erro.

Mas a menos que isto aconteça, Deus ser o autor do pecado não O faz um pecador ou praticante-do-erro. Os termos “autor”, “pecador”, “praticante-do-erro” e “tentador” são relativamente precisos — pelo menos precisos o suficiente para serem distinguidos uns dos outros, e o fato de Deus ser o “autor” do pecado não diz nada se Ele é também um “pecador”, “praticante-do-erro” ou um “tentador”. E alguém não ser um praticante-do-erro significa, por definição, que Ele não faz nada errado. Portanto, mesmo que Deus seja o autor do pecado, não se segue automaticamente que haja algo de errado nisso, ou que Ele seja um praticante-do-erro.

Certamente, ser “autor” do pecado implica um controle muito maior sobre o pecador e sobre o pecado do que ser um tentador. Apesar do diabo e a cobiça poderem ser o tentador, e você ser o pecador, é Deus quem diretamente e completamente controla ambos, o tentador e o pecador, e a relação entre eles. E embora Deus, literalmente; não seja Ele mesmo o tentador, Ele deliberadamente e soberanamente envia espíritos maus para tentar (1 Reis 22:19-23) e para atormentar (1 Samuel 16:14–23, 18:10, 19:9). Mas em tudo isto Deus é justo por definição.

O verso está lhe dizendo que quando você trata com a tentação, você deve tratar diretamente com a sua cobiça, e não simplesmente culpar Deus e não fazer nada depois, ou permanecer em seu pecado. Leia todo o capítulo 1 de Tiago e veja se esta não é a ênfase óbvia. Ele trata com alegria, fé, perseverança, dúvida, orgulho, desejo mau (cobiça), ira, corrupção moral e ser um praticante da Palavra. Ele está tratando com as responsabilidades diretas do cristão na vida prática, e ele faz isto as relacionando aos motivos internos e características da pessoa.

No verso 13, ele está instruindo o crente sobre como se aproximar corretamente de uma tentação: ele não está tentando explicar a metafísica por detrás disso. Ou, ele está considerando a responsabilidade do crente com respeito aos fatores interiores na santificação, e não a causa metafísica ou princípio para estes. Mas a causa metafísica ou princípio é exatamente o que estamos discutindo quando consideramos se Deus é o autor do pecado. Portanto, Tiago 1:13 não é diretamente aplicável ao nosso assunto; se alguém ainda deseja negar que Deus é o autor do pecado, ele terá que usar outro verso.

Aqueles que citam Tiago 1 para afirmar que Deus não pode ser o autor do pecado podem usar o verso 17 para reforçar o entendimento deles do verso 13; contudo, se o verso 17 for interpretado de uma forma que seja consistente com a interpretação deles do verso 13, então, isto faria com que o verso 17 contradissesse Isaías 45:7. Mas se o verso 17 for corretamente interpretado, de forma que não mais contradiga Isaías 45:7, então, ele não mais reforça a falsa interpretação deles do verso 13.

Um exame mais detalhado do verso 17 terá que esperar até outra hora, mas o que eu tenho simplesmente dito já torna a interpretação deles do verso 17 impossível, de forma que não preciso dizer mais nada para o nosso presente propósito. O ponto é que nada nesta passagem de Tiago nega (ou afirma); que Deus é o autor do pecado.

O motivo e efeito admitido da resposta reformada popular é para satisfazer os padrões humanos de justiça e retidão. Dabney, Shedd, e outros... admitem que a resposta deles tem em vista satisfazer a intuição humana!!! Não fosse o fato da soberania absoluta de Deus ser repugnante para a intuição humana pecaminosa, (principalmente para os montanistas, amiraldianos, pelagianos, gnósticos e arminianos); feita defeituosa pelos efeitos noéticos do pecado, a questão sobre o “autor do pecado” não teria nenhum ponto de entrada lógico nas discussões teológicas de forma alguma.

Em contraste, o método bíblico para este tipo de perguntas e objeções não é justificar Deus, mas, em primeiro lugar, repreender o homem por questionar e objetar.

Nossa passagem de Isaías 45 é um exemplo claro:

“Eu sou o SENHOR, e não há outro; fora de mim, não há deus...eu sou o SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas essas coisas.” (v. 5-7).

“Porventura, dirá o barro ao que o formou: Que fazes? Ou a tua obra: Não tens mãos?” (v.9).

“Ai daquele que diz ao pai: Que é o que geras? E à mulher: Que dás tu à luz?” (v. 10).

Em outras palavras; “Eu sou o único Deus. Seja na prosperidade ou desastre, Eu sou o criador de todas estas coisas — não há outro Deus para fazê-las. Você ousa me questionar sobre isto? Quem é você para objetar?”.

Note que embora este verso possa não estabelecer conclusivamente cada detalhe, diferentemente de Tiago 1:13, ele tem algo a ver com metafísica. Ele é o único Deus, e isto está inseparavelmente conectado ao fato de que é este um e único Deus quem causa “todas estas coisas”, incluindo tanto a prosperidade como o desastre.

Ele é o criador de todas elas. Isto é uma negação plena e absoluta de qualquer tipo de dualismo — não há outro poder que possa causar prosperidade ou desastre. (Alguns fazem uma distinção entre mal natural e moral, mas a Bíblia diz que Deus causa ambos. Veja meu artigo, “O Problema do Mal”).

Deus não diz, “Oh, não, Eu não sou o autor do pecado. Embora Eu seja a causa última de todas as coisas, Eu me distancio de causar diretamente o mal ao estabelecer causas secundárias e agentes livres. Assim, embora eu crie e sustente todas as coisas, os homens pecam livremente, pensando e agindo segundo as suas próprias disposições. As disposições maléficas vêm de Adão. Quanto à como Adão adquiriu suas disposições maléficas.... bem, isto simplesmente terá que permanecer um mistério metafisico para você”. Se esta é a resposta, por que não pular direito para o mistério e nos economizar algum tempo útil?

A Bíblia nunca responde este tipo de questões e objeções dessa forma. Há muitas passagens bíblicas dizendo que Deus causa todas as coisas, e a metafísica por detrás disso é explicada pela onipotência de Deus — a mesma onipotência criou tudo. Por outro lado, todas as passagens que as pessoas usam para negar que Deus é o autor do pecado ou para provar o ilógico; compatibilíssimo, são apenas descrições de eventos e motivos, sem tratar com a causa metafísica daqueles eventos e motivos.

Ao invés de dar a resposta popular, que é fraca, evasiva, incoerente, e confusa, Deus sem embaraço algum diz, “Sim, Eu faço todas as coisas. O que você vai fazer a respeito disso? Quem é você para sequer me questionar sobre isso?”. Quando chegamos na metafísica, incluindo a relação de Deus com as decisões humanas, seja para o bem ou para o mal, isto é, como a Bíblia responde.

Então, leiamos Romanos 9:19–21:

“Dir-me-ás, então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem resiste à sua vontade?”.

“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura, a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?”.

“Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?”.

Novamente, isto tem algo a ver com metafísica (determinismo, liberdade, etc.), visto que o contexto tem a ver com eleição e reprovação, e o criar do eleito e não-eleito, como o oleiro faz o vaso à partir do barro.

Paulo não diz, “Oh, não, você não entende. Embora Deus determine todas as coisas, Ele causa todas as coisas apenas te permitindo tomar decisões livremente segundo a sua própria natureza, que veio de Adão, cuja natureza misteriosamente de santa se tornou má, de forma que Deus não é o autor do pecado, e você é responsável pelas suas próprias decisões e ações”.

Pelo contrário, Paulo diz que o controle de Deus sobre os “vasos para honra” e os “vasos para desonra” é como o controle do oleiro sobre uma massa de barro. (Certamente, isto é apenas uma analogia; na realidade, o controle de Deus sobre nós é muito maior do que o controle de um oleiro sobre o seu barro, visto que o oleiro não criou o barro e seu controle sobre ele é limitado — por exemplo, ele não pode fazer com que o barro se torne ouro — mas Deus criou o próprio material com o qual Ele trabalha e Ele tem controle completo sobre ele). E assim como a massa de barro não pode questionar o oleiro, a resposta de Paulo ao objetor não é, “Mas você se tornou mal por si mesmo” ou “Mas você pratica o mal segundo a sua própria natureza”; mas, pelo contrário, ele diz, “Porventura, a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?” (afirmando assim que os réprobos são feitos réprobos por Deus e que eles não têm direito de reclamar). E Paulo não diz, “Mas Deus não é o autor do pecado”, mas, pelo contrário, ele diz, “Deus tem o direito de fazer uma pessoa justa e outra pessoa má, de salvar uma e condenar outra. Certamente ninguém pode resistir Sua vontade! Mas quem é você para replicar?”.

Esta é a atitude da Bíblia. Ela repreende o objetor e responde a objeção ao mesmo tempo. Mas a resposta não nega que Deus é a causa direta do pecado; pelo contrário, ela ousadamente diz que Deus tem o direito de fazer tudo o que Ele quer e que Ele faz tudo o que Ele quer. Ao invés de dar um passo para trás ou para o lado, ela dá um passo em direção ao objetor e dá-lhe uma bofetada seca, na cara!!!

E esta é a resposta de Deus. Ela é forte, direta, simples, coerente e irrefutável. Ela é 100% perfeita.



“Todos, nascem arminianos, é a graça de Deus que vai tornar alguns e apenas alguns; hiper-calvinistas supralapsarianos!!!”


Atenciosamente, respeitosamente e fraternalmente:
Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C. Ph.D. Th.D.



domingo, 27 de abril de 2025


O Problema do Mal.   

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Por: Vincent Cheung. Traduzido e adaptado por: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C. Ph.D. Th.D.

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Introdução:

Uma das objeções mais populares, contra o Cristianismo, é o assim chamado “problema do mal”. A objeção reivindica que, o que o Cristianismo afirma sobre Deus é logicamente irreconciliável com a existência do mal. Aqueles que fazem esta objeção reivindicam que eles sabem, com certeza, que o mal existe, e, visto que isto é incompatível com o Deus cristão, então segue-se que não há Deus, ou isto mostra, no mínimo, que o que o Cristianismo afirma sobre Deus é falso.

Usando o problema do mal, os incrédulos têm conseguido confundir muitos cristãos professos, e parece que muitos daqueles que reivindicam ser cristãos estão, eles mesmos, perturbados pela existência do mal, ou pela quantidade de mal neste mundo. Alguns crentes conseguem fornecer respostas plausíveis que não são totalmente convincentes, enquanto muitos outros simplesmente chamam a existência do mal de um mistério total. Contudo, até onde a Escritura trata do assunto, visto que algo foi revelado, os cristãos não têm o direito de chamá-lo de um mistério no sentido de algo que está oculto. Simplesmente porque não podemos entender tudo sobre a existência do mal, não significa que devemos ignorar o que a Escritura claramente revela sobre ele.

Por outro lado, as respostas meramente plausíveis são insuficientes quando a Bíblia fornece uma resposta infalível e uma defesa invencível. No que se segue, veremos que a existência do mal não apresenta nenhum desafio ao conceito cristão de Deus, ou a qualquer aspecto do Cristianismo. Na verdade, são as cosmovisões não-cristãs que não podem fazer sentido da existência do mal, se é que elas podem ter um conceito do mal.

O problema:

Os cristãos afirmam que Deus é onipotente (todo-poderoso); e sobretudo, onibenevolente (todo-amoroso). Nossos oponentes argumentam que, se Deus é todo-poderoso, então Ele possui a capacidade de acabar com o mal, e se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com o mal; [1] contudo, visto que o mal ainda existe, isto significa que Deus não existe, ou pelo menos significa que as coisas que os cristãos afirmam sobre Ele são 100% falsas. Isto é, mesmo que Deus exista, visto que o mal também existe, Ele não pode ser tanto todo-poderoso como todo-amoroso, mas os cristãos insistem que Ele é tanto todo-poderoso como todo-amoroso; portanto, o Cristianismo deve ser falso.

Aqueles que usam este argumento contra o Cristianismo podem formulá-lo de maneiras diferentes, mas, a despeito da forma precisa em que o argumento é tomado, o ponto é que os cristãos não podem afirmar todos os atributos divinos, pois assim fazer seria logicamente incompatível com o problema do mal. E se este é o caso, então, o Cristianismo é falso. Embora os cristãos tenham agonizado com este assim chamado “problema do mal” por séculos, o argumento é extremamente fácil de refutar; ele é uma das objeções mais estúpidas que já vi, e mesmo como criança eu o consideraria um argumento tolo.

Muitas pessoas têm inquietações com a existência do mal, não porque o mesmo possua qualquer desafio lógico ao Cristianismo, mas porque eles são sobrepujados pelas emoções que o assunto gera, e estas fortes emoções desqualificam efetivamente o nível mínimo de julgamento e inteligência que eles normalmente exibem.

Agora, visto que os oponentes do Cristianismo reivindicam que o problema do mal é um argumento lógico contra o Cristianismo, em resposta precisamos somente mostrar que a existência do mal não contradiz logicamente o que o Cristianismo ensina sobre Deus. Embora a Escritura também responda suficientemente aos aspectos emocionais deste assunto, não é nossa responsabilidade apresentar e defender estas respostas dentro do contexto do debate lógico. De fato, os problemas emocionais que as pessoas têm com a existência do mal e sua falta de respostas a estes problemas são totalmente consistentes com o que a Escritura ensina. Assim, nos focaremos em responder à existência do mal como um desafio lógico.

Livre-arbítrio:

Muitos cristãos favorecem a “defesa do livre-arbítrio” ao responder o problema do mal. No contexto das narrativas bíblicas, esta abordagem declara que, quando Deus criou o homem, Ele lhe concedeu o livre-arbítrio — um poder para tomar decisões independentes e sábias, ou, até mesmo se rebelar contra o seu Criador.

Certamente Deus estava ciente de que o homem pecaria, mas este foi o preço de conceder ao homem o livre-arbítrio. Ao criar o homem com o livre-arbítrio, Deus também criou o potencial para o mal, mas, até onde a defesa do livre-arbítrio vai, visto que o homem é verdadeiramente livre, a culpa da realização deste potencial para o mal pode ser lançada somente sobre o próprio homem. Aqueles que usam a defesa do livre-arbítrio adicionariam que o potencial ou até mesmo a realização do mal não é um preço tão alto para se conceder ao homem um livre-arbítrio genuíno.

Embora muitos cristãos professos usem a defesa do livre-arbítrio, e a algumas pessoas a explicação possa parecer razoável, esta é uma teodiceia irracional e anti-bíblica — ela falha em responder o problema do mal, e contradiz a Escritura. Primeiro. Esta abordagem somente posterga o tratamento do problema, visto que transforma o debate de porque o mal existe no universo de Deus para porque Deus criou um universo com o potencial para tão grande mal. Segundo. Os cristãos afirmam que Deus é onisciente, de forma que Ele não criou o universo e a humanidade apenas estando ciente de que eles tinham o potencial para se tornarem maus; antes, Ele sabia com certeza que eles se tornariam maus. Assim, seja diretamente ou indiretamente, Deus criou de fato, o mal. [2]

Nós podemos distinguir entre mal natural e mal moral — mal natural inclui desastres naturais tais como terremotos e enchentes, enquanto que o mal moral refere-se às ações ímpias que as criaturas racionais cometem. Agora, mesmo se a defesa do livre-arbítrio fornecer uma explanação satisfatória para o mal moral, ela falha em tratar adequadamente o mal natural.

Alguns cristãos podem reivindicar que é o mal moral que leva ao mal natural; contudo, somente Deus tem o poder para criar uma relação entre os dois, visto que os terremotos e as enchentes não têm relações necessárias com os assassinatos e roubos, a menos que Deus o faça — isto é, a menos que Deus decida causar terremotos e enchentes por causa dos assassinatos e roubos cometidos pelas Suas criaturas. Assim, Deus novamente parece ser a causa última do mal, seja natural ou moral.

Mesmo se o pecado de Adão tivesse trazido morte e decadência, não somente à humanidade, mas também aos animais, a Escritura insiste que nenhum pardal pode morrer aparte da vontade de Deus (Mateus 10:29). Isto é, se há qualquer relação entre o mal moral e o mal natural, a relação não é inerente (como se algo fosse inerente aparte da vontade de Deus), mas, antes, é soberanamente imposta por Deus.

Mesmo o aparentemente insignificante não pode ocorrer sem, não meramente a permissão, a vontade ativa e o decreto de Deus. Os cristãos não são deístas — nós não cremos que este universo funciona por uma série de leis naturais que são independentes de Deus. A Bíblia nos mostra que Deus está agora ativamente administrando o universo, de forma que nada pode acontecer ou continuar a existir aparte do poder ativo e do decreto soberano de Deus (Colossenses 1:17; Hebreus 1:3). Se devemos usar o termo de alguma forma, o que chamamos “leis naturais” são somente descrições de como Deus age regularmente, embora Ele não esteja, de forma alguma, obrigado a agir dessa maneira.

Os cristãos devem rejeitar a defesa do livre-arbítrio simplesmente porque a Escritura rejeita o livre-arbítrio; antes, a Escritura ensina que Deus é o único que possui livre-arbítrio. Ele diz em Isaías 46:10, “O meu conselho subsistirá, e farei toda a minha vontade”. Por outro lado, a vontade do homem é sempre escrava, ou do pecado ou da justiça: “Mas graças a Deus que, embora tendo sido escravos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E libertos do pecado, fostes feitos escravos da justiça” (Romanos 6:17-18).

O livre-arbítrio não existe — ele é um conceito assumido por muitos cristãos professos sem uma garantia bíblica. Outra suposição popular é que a capacidade moral é o pré-requisito de responsabilidade moral. Em outras palavras, a suposição é que, se uma pessoa é incapaz de obedecer às leis de Deus, então, ela não pode ser moralmente responsável de responder a estas leis, e, portanto, Deus não poderia e não os puniria por desobedecer a estas leis. Contudo, assim como a suposição de que o homem tem livre-arbítrio, esta suposição de que a responsabilidade moral pressupõe a capacidade moral é também anti-bíblica e injustificável.

Com referência aos incrédulos, Paulo escreve, “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser” (Romanos 8:7). Se é verdade que a responsabilidade moral pressupõe a capacidade moral, e Paulo declara que o pecador carece desta capacidade, então, segue-se que nenhum pecador é responsável por seus pecados. Isto é, se um pecador é apenas um pecador, se ele tem a capacidade de obedecer, mas se recusa a obedecer, e, visto que Paulo diz que o pecador realmente carece da capacidade para obedecer, então, segue-se que um pecador não é um pecador. Contudo, isto é uma contradição, e é uma contradição que a Bíblia nunca ensinará.

A Bíblia ensina que o não-cristão é um pecador, e ao mesmo tempo ensina que ele carece da capacidade para obedecer a Deus. Isto significa que o homem é moralmente responsável, mesmo se lhe falta a capacidade moral; isto é, o homem deve obedecer a Deus mesmo se ele não o pode fazer. É pecaminoso para uma pessoa o desobedecer a Deus, tenha ela ou não a capacidade para agir de outra forma. Assim, a responsabilidade moral não é baseada na capacidade moral ou no livre-arbítrio; antes, a responsabilidade moral é baseada na soberania de Deus — o homem deve obedecer aos mandamentos de Deus porque Deus diz que o homem deve obedecer, e se ele tem ou não a capacidade para obedecer, é irrelevante.

Em primeiro lugar, o livre-arbítrio é logicamente impossível. Se descrevermos o exercício do livre-arbítrio como um movimento da mente em certa direção, a questão que se levanta é: o que move a mente e por que ele move a mente para onde ela é movida? Responder que o “eu” move a mente não responde à pergunta, visto que a mente é o eu, e, portanto, a mesma pergunta permanecerá.

Por que a mente se move numa direção ao invés de outra? Se pudermos traçar a causa de seus movimentos e direção aos fatores externos à própria mente, fatores que, eles mesmos, influenciam a consciência, e dessa forma, influenciam e determinam a decisão, então, como este movimento da mente é livre? Se pudermos traçar a causa às disposições inatas de uma pessoa, então, este movimento da vontade não é livre ainda, visto que, embora estas disposições inatas influenciem decisivamente a decisão, a própria pessoa não escolheu livremente estas disposições inatas em primeiro lugar.

O mesmo problema permanece se dissermos que as decisões de uma pessoa são determinadas por uma mistura de suas disposições inatas com as influências externas. Se a mente toma decisões baseadas em fatores não escolhidos pela mente, então, estas escolhas nunca são livres no sentido em que elas são feitas aparte do controle soberano de Deus — elas não são feitas livres de Deus. A Escritura ensina que Deus não somente exerce controle imediato sobre a mente do homem, mas Deus também determina absolutamente todas as disposições inatas e os fatores externos relacionados com a vontade do homem. É Deus quem forma uma pessoa no ventre, e é Ele quem arranja as circunstâncias externas pela Sua providência.

Portanto, embora possamos afirmar que o homem tem uma vontade como uma função da mente, de forma que a mente faz escolhas, estas nunca são escolhas livres, porque tudo o que tem a ver com cada decisão foi determinado por Deus. Visto que a vontade nunca é livre, nunca deveríamos usar a teodiceia do livre-arbítrio quando tratando do problema do mal.

A soberania de Deus:

Muitos cristãos professos se sentem desconfortáveis com o ensino bíblico de que o homem não tem livre-arbítrio, visto que o mesmo parece fazer Deus “responsável” pela existência e continuação do mal. Assim, nesta seção, providenciaremos uma breve exposição do que a Escritura ensina sobre o assunto, mostrando que afirmar a Escritura é rejeitar o livre-arbítrio.

A Escritura ensina que a vontade de Deus determina todas as coisas. Nada existe ou acontece sem Deus, não meramente permitindo, mas ativamente desejando que exista ou aconteça:

Eu anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; Eu digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade (Isaías 46:10).

Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai (Mateus 10:29).

Deus controla não somente os eventos naturais, mas Ele controla também todos os assuntos e decisões humanas:

Bem-aventurado aquele a quem tu escolhes, e fazes chegar a ti, para que habite em teus átrios; nós seremos fartos da bondade da tua casa e do teu santo templo (Salmos 65:4).

O SENHOR fez tudo para seus próprios fins; sim, até o ímpio para o dia do mal (Provérbios 16:4).

O coração do homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR determina os seus passos (Provérbios 16:9).

Os passos do homem são dirigidos pelo SENHOR; como, pois, entenderá o homem o seu caminho? (Provérbios 20:24).

Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; Ele o inclina a todo o seu querer (Provérbios 21:1).

Visto que os seus dias estão determinados; tu tens decretado o número dos seus meses; e tu lhe puseste limites, e não passará além deles (Jó 14:5).

E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes? (Daniel 4:35).

Antes se despediu deles, e prometeu: Se Deus quiser, outra vez voltarei a vós. E navegou de Éfeso (Atos 18:21).

Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade (Filipenses 2:13).

Eia agora vós, que dizeis: Hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos; Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo (Tiago 4:13-15).

Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas (Apocalipse 4:11).

Se Deus realmente determina todos os eventos naturais e assuntos humanos, então, segue-se que Ele também decretou a existência do mal. Isto é o que a Bíblia explicitamente ensina:

E disse-lhe o SENHOR: Quem fez a boca do homem? ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o SENHOR? (Êxodo 4:11).

Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande? Porventura da boca do Altíssimo não sai tanto o mal como o bem? (Lamentações 3:37-38).

Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas (Isaías 45:7).

Tocar-se-á a trombeta na cidade, e o povo não estremecerá? Sucederá algum mal na cidade, sem que o SENHOR o tenha feito? (Amós 3:6).

O maior ato de maldade e injustiça moral na história humana é dito ter sido ativamente executado por Deus através dos Seus agentes secundários:

Todavia, foi da vontade do SENHOR esmagá-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará na sua mão (Isaías 53:10).

Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer (Atos 4:27-28).

Em todo caso, Deus decretou a morte de Cristo por uma boa razão, a saber, a redenção dos Seus eleitos. Da mesma forma, seu decreto para a existência do mal é para um propósito digno de Sua glória. Os eleitos e os réprobos são ambos criados para esta razão:

Direi ao norte: Dá; e ao sul: Não retenhas. Trazei meus filhos de longe e minhas filhas das extremidades da terra — a todo aquele que é chamado pelo meu nome, e que criei para minha glória, e que formei e fiz. (Isaías 43:6-7).

Nele, digo, em quem também fomos escolhidos, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade; Com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo (Efésios 1:11-12).

E eu endurecerei o coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército, e saberão os egípcios que eu sou o SENHOR... (Êxodo 14:4).

Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra... E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; Para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou (Romanos 9:17, 22-23).

Baseados agora, nas passagens acima, chegamos à seguinte conclusão: Deus controla tudo o que existe e tudo o que acontece. Não há nada que aconteça que Ele não tenha ativamente decretado — nem mesmo um simples pensamento na mente do homem. Visto que isto é verdadeiro, segue-se que Deus decretou a existência do mal; Ele não o permitiu meramente, como se algo pudesse se originar e acontecer aparte de Sua vontade e do Seu poder.

Visto que temos mostrado que nenhuma criatura pode tomar decisões completamente independentes, o mal nunca poderia ter começado sem o decreto ativo de Deus, e não poderia continuar nem por um momento aparte da vontade de Deus. Deus decretou o mal, no final das contas, para a Sua própria glória, embora não seja necessário conhecer ou declarar esta razão para defender o Cristianismo do problema do mal.

Todavia, aqueles que veem que é completamente impossível desassociar Deus da origem e continuação do mal, tentam distanciar Deus do mal dizendo que Deus meramente “permitiu” o mal, e que Ele não causou nada dele. Contudo, visto que a própria Escritura declara que Deus ativamente decretou literalmente, tudo, e que nada pode acontecer aparte da Sua soberana vontade e do Seu absoluto poder, não faz sentido dizer que Ele meramente permite algo — nada acontece por mera permissão de Deus.

Visto que “nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17:28), num nível metafísico, é absolutamente impossível fazer algo em independência de Deus. Sem Ele, uma pessoa não pode nem mesmo pensar ou se mover. Como, então, o mal pode ser tramado e cometido em total independência dEle? Como alguém pode ao menos pensar o mal, aparte da vontade e do propósito de Deus? Ao invés de tentar “proteger” Deus de algo que Ele não precisa ser protegido, deveríamos reconhecer alegremente com a Bíblia que Deus decretou ativamente o mal, e então, tratar com o assunto sobre esta base.

O censo de Israel realizado por Davi fornece um exemplo do mal decretado por Deus e realizado através dos agentes secundários:

E a ira do SENHOR se tornou a acender contra Israel; e incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, numera a Israel e a Judá (2 Samuel 24:1).

Então Satanás se levantou contra Israel, e incitou Davi a numerar Israel (1 Crônicas 21:1).

Os dois versos referem-se ao mesmo evento. Não há contradição se a visão que está aqui sendo apresentada é verdadeira. Deus decretou que Davi pecaria fazendo o censo, mas Ele fez com que Satanás realizasse a tentação como um agente secundário. [3] Mais tarde, Deus puniu Davi por cometer este pecado:

E pesou o coração de Davi, depois de haver numerado o povo; e disse Davi ao SENHOR: Muito pequei no que fiz; porém agora ó SENHOR, peço-te que perdoes a iniquidade do teu servo; porque tenho procedido mui loucamente. Levantando-se, pois, Davi pela manhã, veio a palavra do SENHOR ao profeta Gade, vidente de Davi, dizendo: Vai, e dize a Davi: Assim diz o SENHOR: Três coisas te ofereço; escolhe uma delas, para que te faça. Foi, pois, Gade a Davi, e fez-lhe saber; e disse-lhe: Queres que sete anos de fome te venham à tua terra; ou que por três meses fujas de teus inimigos, e eles te persigam; ou que por três dias haja peste na tua terra? Delibera agora, e vê que resposta hei de dar ao que me enviou. Então disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; porém caiamos nas mãos do SENHOR, porque muitas são as suas misericórdias; mas nas mãos dos homens não caia eu (2 Samuel 24:10-14).

Embora o mal do qual estamos falando seja deveras negativo, o fim último, que é a glória de Deus, é positivo. Deus é o único que possui dignidade intrínseca, e se Ele decide que a existência do mal irá servir, no final das contas, para glorificá-lo, então, o decreto é, por definição, bom e justificável. Alguém que pensa que a glória de Deus não é digna da morte e sofrimento de bilhões de pessoas tem uma opinião muito alta de si mesmo e da humanidade caída.

A dignidade de uma pessoa pode ser derivada somente do Seu criador ou lhe dada por Ele, e à luz do propósito para o qual o Criador lhe fez. Visto que Deus é o único padrão de medida, se Ele pensa que algo é justificável, então, este é, por definição, justificável. Os cristãos não deveriam ter problemas em afirmar tudo isto, e aqueles que acham difícil aceitar o que a Escritura explicitamente ensina, deveriam reconsiderar seu compromisso espiritual, para ver se eles estão verdadeiramente na fé.

Muitas pessoas contestarão o direito e a justiça de Deus em decretar a existência do mal para a Sua própria glória e propósito. Ao discutir a divina eleição, na qual Deus escolhe alguns para a salvação e condena todos os outros a perdição eterna, Paulo antecipa uma objeção similar, e escreve:

Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus réplicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? (Romanos 9:19-21).

Efetivamente, Paulo está dizendo, “Certamente o Criador tem o direito de fazer o que Ele quiser com as Suas criaturas. E, em primeiro lugar, quem é você para fazer tal objeção?” Alguns objetam que o homem é maior do que um “pedaço de barro”; eu até mesmo já vi um escritor cristão professo fazer esta fútil objeção. Primeiro. Esta é uma analogia bíblica, e um cristão verdadeiro não irá contestá-la. Mas se alguém contestá-la, então, o debate se torna sobre a infalibilidade bíblica, que deve ser resolvido primeiro, antes de se retornar a esta analogia. Visto que eu tenho estabelecido a infalibilidade bíblica em outro lugar, a negação da infalibilidade bíblica não é uma opção aqui.

Segundo. Se um homem é mais do que um pedaço de barro, então, Deus também é algo mais do que um oleiro — Ele é infinitamente maior do que um oleiro. A analogia é apropriada quando entendemo-la dizer o que ela significa, isto é, Deus como Criador tem o direito de fazer o que Ele quiser com as Suas criaturas. “Portanto, Deus tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece” (Romanos 9:18).

Para uma pessoa ter dificuldade em aceitar que Deus decretou a existência do mal implica que ele encontra algo “errado” em Deus fazer tal decreto. Contudo, qual é o padrão de certo e errado pelo qual esta pessoa julga as ações de Deus? Se há um padrão moral superior a Deus, ao qual o próprio Deus é responsável, e pelo qual o próprio Deus é julgado, então, este “Deus” não é Deus de forma alguma; antes, este padrão maior seria Deus. Contudo, o conceito cristão de Deus refere-se ao mais alto ser e padrão, assim, não há, por definição, nenhum mais alto. Em outras palavras, se há algo mais alto do que o “Deus” que uma pessoa está argumentando contra, então, esta pessoa não está realmente se referindo ao Deus cristão. Visto que este é o caso, não há padrão mais alto do que Deus, ao qual o próprio Deus seja responsável e pelo qual o próprio Deus seja julgado. Portanto, é logicamente impossível acusar Deus de fazer algo moralmente errado.

Jesus diz que somente Deus é bom (Lucas 18:19), de forma que toda “bondade” em outras coisas pode ser somente derivada. A natureza de Deus define a própria bondade, e visto que nEle “não há mudança nem sombra de variação” (Tiago 1:17), Ele é o único e constante padrão de bondade. Não importa quão moral eu seja, ninguém pode me considerar o padrão objetivo de bondade, visto que a palavra “moral” não tem sentido, a menos que seja usada com relação ao caráter de Deus. Isto é, quão “moral” uma pessoa é refere-se ao grau de conformidade de seu caráter com o caráter de Deus. Ao grau em que uma pessoa pensa e age de acordo com a natureza e os mandamentos de Deus, ele é moral. Diferentemente, não há diferença moral entre altruísmo e egoísmo; virtude e vício são conceitos sem significados; estupros e assassinatos não são crimes, mas eventos amorais; dentro deste contexto lógico.

Contudo, visto que Deus chama a Si mesmo de bom, e visto que Deus definiu a bondade para nós revelando Sua natureza e bondade, o mal é, dessa forma, definido como algo que é contrário à Sua natureza e aos Seus mandamentos. Visto que Deus é bom, e visto que Ele é a única definição de bondade, é bom também que Ele tenha decretado a existência do mal. Não há padrão de bom e mal pelo qual possamos denunciar Seu decreto como errado ou mal.

Não estamos afirmando que o mal é bom — o que seria uma contradição — mas, estamos dizendo que o decreto de Deus para a existência do mal é bom e 100% perfeito. Hebreus 6:13 diz, “Quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo”. Em outras palavras, não há ninguém a quem Deus precise prestar contas, e não há corte real a qual alguém possa arrastá-lo para lançar acusações contra Ele. Ninguém julga Deus; antes, toda pessoa é julgada por Ele. Outras passagens bíblicas relevantes incluem as seguintes:

Se quiser contender com ele, nem a uma de mil coisas lhe poderá responder. Ele é sábio de coração, e forte em poder; quem se endureceu contra ele, e teve paz? Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e o que os transtorna no seu furor. O que sacode a terra do seu lugar, e as suas colunas estremecem. O que fala ao sol, e ele não nasce, e sela as estrelas. O que sozinho estende os céus, e anda sobre os altos do mar. O que fez a Ursa, o Órion, e o Sete-estrelo, e as recamaras do sul. O que faz coisas grandes e inescrutáveis; e maravilhas sem número. Eis que ele passa por diante de mim, e não o vejo; e torna a passar perante mim, e não o sinto. Eis que arrebata a presa; quem lhe fará restituir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes? (Jó 9:3-12).

Porventura o contender contra o Todo-Poderoso é sabedoria? Quem arguir assim a Deus, responda por isso. Então Jó respondeu ao SENHOR, dizendo: Eis que sou vil; que te responderia eu? A minha mão ponho à boca. Uma vez tenho falado, e não replicarei; ou ainda duas vezes, porém não prosseguirei. Então o SENHOR respondeu a Jó de um redemoinho, dizendo: Cinge agora os teus lombos como homem; eu te perguntarei, e tu me explicarás. (Jó 40:2-8).

Ai daquele que contende com o seu Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou a tua obra: Não tens mãos? Ai daquele que diz ao pai: Que é o que geras? E à mulher: Que dás tu à luz? Assim diz o SENHOR, o Santo de Israel, aquele que o formou: Perguntai-me as coisas futuras; demandai-me acerca de meus filhos, e acerca da obra das minhas mãos (Isaías 45:9-11).

Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Romanos 11:33-36).

Visto que derivamos nosso próprio conceito e definição de bondade a partir de Deus, acusá-lo de maldade seria como dizer que o bom é mal, o que é uma contradição.

A solução:

Tendo demolido a popular, porém irracional e anti-bíblica, defesa do livre-arbítrio, examinaremos agora a resposta bíblica ao problema do mal. Repitamos primeiro o argumento dos incrédulos:

1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.

2. Se Ele é todo-poderoso, então Ele é capaz de acabar com todo mal.

3. Se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com todo mal.

4. Mas o mal ainda existe.

5. Portanto, o Deus cristão não existe. [4]

O argumento encontra um obstáculo insuperável quando chegamos na premissa (3), a saber, o não-cristão não pode encontrar uma definição de amor que sustente esta premissa sem destruir o argumento.

Isto é, por qual definição de amor sabemos que um Deus todo-amoroso desejaria destruir o mal? Ou, por qual definição de amor sabemos que um Deus todo-amoroso já teria destruído o mal? Se esta definição de amor vem de fora da Bíblia, então, por que a cosmovisão bíblica tem que respondê-la?

Formar um argumento usando uma definição não-bíblica de amor seria tornar o argumento irrelevante como um desafio ao Cristianismo. Por outro lado, se tomamos a definição de amor 100% da Bíblia, então, aquele que usa este argumento deve mostrar que a própria Bíblia define amor de uma forma que requer que um Deus todo-amoroso destrua o mal, ou já ter destruído o mal. A menos que o não-cristão possa defender com sucesso a premissa (3), o argumento do problema do mal falha antes mesmo de terminarmos de lê-lo.

Agora, se o não-cristão usa uma definição não-bíblica de amor na premissa (1), então, o argumento é uma falácia enganadora desde o início. Mas se o não-cristão usa a definição 100% bíblica de amor na premissa (1), e então substitui por uma definição não-bíblica de amor na premissa (3), então, ele comete a falácia do equívoco. Se é assim, então o máximo que seu argumento pode fazer é apontar que ele tem uma definição não-bíblica de amor, mas seria completamente irrelevante como um desafio ao Cristianismo.

Por outro lado, se ele tenta usar a definição 100% bíblica de amor, então, para seu argumento ser relevante, a própria Escritura teria que definir amor de uma maneira que requeira Deus destruir o mal, ou já ter destruído o mal. Contudo, embora a Escritura ensine que Deus é amoroso, ela também ensina que existe mal no mundo, e que este mal está, no final das contas, debaixo do controle completo e soberano de Deus. Portanto, a própria Escritura nega que haja qualquer relação entre o amor de Deus e a existência do mal.

Para o argumento do “problema do mal” permanecer, o não-cristão deve estabelecer a premissa, “O amor de Deus contradiz a existência do mal”, ou algo com este efeito. Mas a própria Escritura não afirma esta premissa, e se o não-cristão tentar argumentar esta premissa com definições de amor e mal encontradas em sua própria cosmovisão não-bíblica, então, tudo que ele consegue é mostrar que a cosmovisão bíblica é diferente da cosmovisão não-bíblica. Nós já sabemos isto, mas, o que acontece com o problema do mal? O não-cristão aponta para o ensino escriturístico sobre o amor de Deus, então, contrabandeia uma definição não-bíblica de amor que requer que Deus destrua o mal, e depois disto, estupidamente se vanglória da “contradição” que ele produziu.

Se uma pessoa quer desafiar a Bíblia ou sustentar a Bíblia por causa do que ela diz, então ela deve primeiro definir os próprios termos dela; de outra forma, ele pode somente desafiar o que a Bíblia não diz, o que faz a objeção irrelevante. O não-cristão deve demonstrar porque o amor de Deus necessariamente implica que Ele deve ou que Ele deseje destruir o mal, ou que ele necessariamente implica que Ele deveria ou que Ele desejaria ter já destruído o mal.

Responder algo como, “Porque um Deus amoroso desejaria aliviar o sofrimento”, não ajudaria em nada, visto que esta resposta apenas declara novamente a premissa em diferentes palavras, de forma que a mesma pergunta permanece. Por que um Deus amoroso deseja aliviar o sofrimento? Em primeiro lugar, como alguém define o sofrimento? Se o não-cristão não pode definir amor ou sofrimento, ou se ele não pode logicamente impor suas definições sobre o cristão, então sua premissa equivale a dizer que um Deus com um atributo indefinido X deve desejar destruir ou ter destruído um Y indefinido.

Mas se ele não pode definir nem X e nem Y, então, ele não tem premissa inteligível sobre a qual construir um argumento inteligível contra o Cristianismo. Outro tipo de resposta pode dizer, “Porque Deus queria triunfar sobre o mal”. Novamente, qual é a definição de “triunfar”? Se o próprio Deus é a causa última do mal, e se Deus exerce total e constante controle sobre ele, então, em que sentido Ele estaria “perdendo” do mal? Assim, seja o que for que um não-cristão diga, ele encontra o mesmo problema, e é impossível para ele estabelecer que o amor de Deus contradiz a existência do mal.

Antes, visto que a Bíblia ensina tanto sobre o amor de Deus como sobre a realidade do sofrimento, é legítimo concluir que, da perspectiva bíblica, o amor de Deus não implica necessariamente que Ele deva destruir o mal, ou que Ele deveria já o ter destruído. Certamente, isto não pode ser assim a partir de uma perspectiva não-bíblica, mas novamente, isto somente mostra que a cosmovisão bíblica diverge das cosmovisões não-bíblicas, o que já sabemos, e que é a razão do debate. Mas o não-cristão ainda não nos deu uma objeção real e inteligível.

Enquanto o não-cristão falhar em estabelecer a premissa (3), que o amor de Deus contradiz a existência do mal, o cristão não está sob a obrigação de tomar seriamente o problema do mal como um argumento contra o Cristianismo.

De fato, visto que o não-cristão falha em definir alguns dos termos-chave, ninguém pode logicamente sequer entender o argumento — não há argumento, e não há real objeção à resposta. Se pararmos aqui, já teremos refutado o assim chamado “problema do mal”, tendo mostrado que não há tal problema de maneira alguma. Contudo, apenas para a discussão continuar, aceitaremos a premissa por ora; isto é, por causa do argumento, assumiremos que o amor de Deus, de alguma forma, contradiz a existência do mal, enquanto guardamos em mente que isto é algo que a Escritura nunca ensina, e que os não-cristãos nunca estabeleceram de fato.

Agora, os não-cristãos argumentam que, dado a existência do mal, o Deus cristão não pode logicamente existir. Em resposta, já mostramos que o não-cristão não pode de fato, estabelecer a premissa de que um Deus todo-amoroso deve necessariamente destruir ou desejar destruir o mal. Tendo dito isto, procedemos agora para apontar que as premissas do argumento não levam necessariamente à conclusão do não-cristão em primeiro lugar; antes, muitas conclusões diferentes são possíveis:

1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.

2. Se Ele é todo-poderoso, então Ele é capaz de acabar com todo mal.

3. Se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com todo mal.

4. Mas o mal ainda existe.

5. Portanto, Deus tem um bom propósito para o mal.

1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.

2. Se Ele é todo-poderoso, então Ele é capaz de acabar com todo mal.

3. Se Ele é todo-amoroso, então Ele deseja acabar com todo mal.

4. Mas o mal ainda existe.

5. Portanto, Deus eventualmente destruirá o mal.

Sem declarar imediatamente se pensamos que os argumentos acima são validos ou inválidos, o ponto é que, num argumento válido, as premissas devem necessária e inevitavelmente conduzir à conclusão. Contudo, no argumento do problema do mal, as premissas, de forma alguma, conduz necessária e inevitavelmente à conclusão. Portanto, o argumento do problema do mal é inválido.

Ao invés de usar a realidade do mal para negar a existência de Deus, as duas versões revisadas acima chegam a duas conclusões diferentes. Novamente, eu não disse se estas duas versões revisadas são bons argumentos, e não disse que as premissas necessária e inevitavelmente levam a estas duas conclusões; antes, tudo que estou tentando mostrar é que as premissas não levam necessária e inevitavelmente à conclusão do não-cristão, e isto é suficiente para mostrar que seu argumento é inválido.

Alguns não-cristãos dizem que se os cristãos reivindicam que Deus tem um bom propósito para o mal, então os cristãos devem também declarar e defender este propósito. Contudo, os não-cristãos nunca foram capazes de mostrar o porquê os cristãos devem declarar e defender este propósito.

O debate é sobre se as premissas dadas levam, necessária e inevitavelmente, à conclusão do não-cristão. Se há ou não um bom propósito para o mal, e se os cristãos podem ou não declarar e defender este propósito, é completamente irrelevante. A Escritura deveras explica pelo menos uma parte do propósito de Deus para o mal, mas novamente, ele não é logicamente necessário ou relevante para o debate.

Há mais. Agora, o não-cristão argumenta que Deus não existe porque o mal existe, e através deste ponto já refutamos o argumento. Contudo, podemos adicionar que a existência do Deu cristão é, de fato, o pré-requisito lógico para a existência do mal. Isto é, o mal não tem sentido e é indefinido sem um padrão objetivo e absoluto de certo e errado, de bom e mal, e este padrão pode ser somente o Deus cristão.

Quando o não-cristão afirma que o mal existe, o que ele quer dizer por “mal”? Ele pode estar se referindo a avareza, ódio, assassinato, estupro, terremoto, enchentes e coisas semelhantes. Contudo, sobre que base e por qual padrão ele pode chamar estas coisas de males?

Ele chama estas coisas de males simplesmente porque ele as desaprova? Qualquer definição ou padrão de mal que ele dê sem apelar ao Deus cristão e a Escritura cristã não serão bem-sucedidos e será facilmente desmoronado.

Por exemplo, se o não-cristão reivindica que o assassinato é errado porque ele viola o direito à vida da vítima, precisamos somente perguntar porque a vítima tem algum direito à vida. Quem lhe deu este assim chamado direito? O não-cristão? Quem disse que há algo como um direito, em primeiro lugar? Os não-cristãos tentam muitos argumentos, mas todos eles têm sido expostos como tolos e injustificáveis. [5]

Por outro lado, o cristão afirma que o assassinato é errado, imoral e mal, porque Deus proíbe o assassinato: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem” (Gênesis 9:6); Deus explicitamente o desaprova quando Ele diz, “Não matarás” (Êxodo 20:13). É consistente com a cosmovisão cristã dizer que o assassinato é mal e que o assassino deve ser responsabilizado pelo acontecido, mas o não-cristão nunca pode justificar a mesma reivindicação. Ele não pode nem mesmo definir autoritariamente o assassinato. [6]

O não-cristão reivindica que o mal existe, e à partir desta base avalia o que o Cristianismo diz sobre Deus. Ele usa algo que ele reivindica ser óbvio para refutar algo que ele reivindica não ser óbvio.

Contudo, a existência do mal não é óbvia, de forma alguma, a menos que haja um padrão moral absoluto, objetivo e universal, e que conheçamos de certo modo este padrão, de forma que possamos fazer avaliações com ele. Visto que o    não-cristão falha em estabelecer tal padrão, e visto que ele falha em estabelecer como conheceremos tal padrão, suas referências ao mal são sem sentido e ininteligíveis, e seus argumentos a partir do problema do mal não têm efeito contra o Cristianismo. De fato, sobre a base de sua cosmovisão, ele nem sequer sabe o que seus próprios argumentos significam.

Se uma pessoa nega a existência de Deus, ele não tem base racional para afirmar a existência do mal; por necessidade lógica, nosso reconhecimento de Deus precede nosso reconhecimento do mal. A menos que o Deus cristão seja pressuposto de antemão, o mal continua indefinido. Quando o não-cristão argumenta contra o Cristianismo usando o problema do mal, ele se torna intelectualmente desonesto, de forma que ele sequestra o absoluto moral do Cristianismo no processo de argumentar contra o Cristianismo. Contudo, ele não pode se referir a qualquer mal natural ou moral sem implicitamente reconhecer um padrão pelo qual julga algo como mal. Se ele reconhece a existência do mal, então, ele deve primeiro reconhecer a existência de Deus, mas se ele já reconhece a existência de Deus, então, o argumento a partir do problema do mal não tem sentido.

Certamente, o não-cristão não pode se render imediatamente a este ponto; antes, ele provavelmente tentará oferecer alguma definição viável do mal para recuperar seu argumento. Eu não posso providenciar as definições possíveis que ele pode tentar propor, mas eu providenciei informação suficiente aqui, de forma que qualquer pessoa pode refutar qualquer definição não-cristã proposta. Se o cristão consistentemente demandar justificação para toda reivindicação e definição não-cristã, ele sempre frustrará de forma bem sucedida qualquer tentativa de construir um argumento contra o Cristianismo a partir da existência do mal. [7]

Alguns não-cristãos têm chegado a perceber que o argumento à partir do problema do mal não é estritamente válido, de forma que, embora eles continuem desafiando o Cristianismo baseados na existência do mal, eles têm “suavizado” sua reivindicação. Isto é, eles dizem que, embora a existência do mal não contradiga logicamente a existência de Deus, a existência do mal pelo menos provê uma forte evidência contra a existência de Deus, ou a probabilidade da existência de Deus. Assim, ao invés de chamar sua reivindicação de um caso lógico contra a existência de Deus, eles chamam-no de um caso evidencial contra a existência de Deus.[8]

Mas isto não tem sentido — é apenas um modo enganador de dizer que eles não têm, nenhum argumento. De fato, todos os problemas que eu apontei com o caso “lógico” permanecem no caso “evidencial”. O argumento ainda falha em estabelecer que o amor de Deus contradiz a existência do mal, ou que o amor de Deus requer que Ele destrua o mal, ou já ter destruído o mal. Ele ainda falha em definir os termos cruciais. O que é amor? O que é mal? De fato, o argumento levanta questões piores ao adicionar o conceito de “evidência” ao debate, visto que agora eu demando diversas coisas adicionais:

Uma definição de evidência, um padrão para determinar o que constitui evidência em favor ou contra algo, um padrão para determinar a relevância e a força de qualquer evidência alegada, e uma epistemologia para descobrir as coisas que são usadas como evidência.

Junto com o caso “evidencial”, algumas pessoas incluem a reivindicação de que há muito mal “gratuito”, e que isto é evidência contra a existência de Deus. Mas novamente, o que é evidência? E quem decide o que é “gratuito”? [9] Por qual padrão de necessidade decidimos que um evento mal é desnecessário? E desnecessário para o que? E porque ele deve ser necessário em primeiro lugar? Na cosmovisão bíblica, quando Deus faz algo, isto é justificado, por definição, simplesmente porque Ele decidiu assim fazer. Assim, o não-cristão não pode argumentar contra o Cristianismo apelando aos eventos “injustificáveis”, visto que ele deve primeiro refutar o Cristianismo antes que ele possa mostrar que estes eventos são injustificáveis.

Outras cosmovisões:

Não há razão para longas explanações ou repetições inúteis, visto que o assunto é deveras tão simples como parece ser. O argumento a partir do problema do mal, em algumas formas, é um dos argumentos mais irracionais já inventados, mas ele tem enganado e perturbado muitas pessoas por causa de seu apelo emocional. Em resposta, o cristão deve não somente neutralizar o argumento, mas ele deve tomar a posição ofensiva sobre este tópico contra o não-cristão.

Talvez porque o problema do mal seja mais frequentemente usado para desafiar o Cristianismo, muitas pessoas esquecem de considerar se as cosmovisões e religiões não-cristãs têm, adequada e coerentemente, respondido à existência do mal. Os não-cristãos fornecem uma definição autoritativa do mal?

Sua definição de mal contradiz o que eles reivindicam sobre a física (mal natural) e a psicologia (mal moral)? Eles podem explicar como e porque o mal começa e continua? Eles podem sugerir uma solução para o mal, e podem garantir que esta solução será bem sucedida? Nenhuma cosmovisão, exceto a fé cristã, pode sequer começar a responder estas questões.

Da próxima vez que um não-cristão o desafiar com o problema do mal, ao invés de ser pressionado no canto, você deve ser capaz de dar uma resposta irrefutável, e então tomar a ofensiva e virar o argumento contra o não-cristão (2 Coríntios 10:5):

“Eu sou capaz de mostrar que a existência do mal não contradiz o amor de Deus ou a existência de Deus. De fato, o próprio conceito de mal pressupõe a existência do Deus cristão. Este Deus decretou a existência do mal para Sua própria glória, e cada aspecto e ocorrência do mal está debaixo do Seu preciso controle, não há padrão mais alto do que Deus para julgar este decreto como errado. Um dia Ele banirá todos os pecadores para os tormentos sem fim no inferno, de forma que cada ocorrência de assassinato, roubo, estupro e até mesmo cada palavra que um homem tenha proferido, será julgada. Ele então punirá justamente todos pecadores que não creram em Cristo para salvação, mas Seus escolhidos certamente serão salvos.

Mas, como você trata com o mal? Dada sua cosmovisão, como você pode sequer ter um conceito significante e universal do mal? Como você explica sua origem e continuação? Você pode oferecer uma solução eficaz ou até mesmo segura para desmoronar o mal? Você pode apresentar as razões universalmente aplicáveis e obrigatórias contra tais coisas como genocídio e racismo?

Como sua cosmovisão faz demandas morais sobre alguém que não a subscreve? Dada sua cosmovisão, há justiça final e perfeita para alguém? Se não, qual é sua solução ou explanação para isso? Como você pode definir justiça em primeiro lugar? Porque uma pessoa de outra nação ou cultura deve reconhecer seus assim chamados direitos?

Se você não pode dar respostas adequadas a estas e milhares de outras perguntas sobre a base de sua cosmovisão e comprometimentos intelectuais sem auto-contradição, então, é evidente que a existência do mal significa a destruição de sua cosmovisão, enquanto que ela não coloca nenhuma ameaça contra a minha, de forma alguma. Você é um hipócrita se sequer mencionar o problema do mal como uma objeção ao 100% santo Cristianismo”.

Embora muitas pessoas gostem de desafiar os cristãos com o problema do mal, a verdade é que o Cristianismo é a única cosmovisão na qual a existência do mal não cria um problema lógico. Todavia, muitos cristãos professos são intimidados pelos argumentos não-cristãos. Isto é parcialmente porque eles não aprenderam as refutações lógicas a estes argumentos, mas também porque eles algumas vezes concordam com os não-cristãos, pelo menos no nível emocional. Mas certamente, apenas porque algo causa um distúrbio emocional em algumas pessoas, não significa que cause algum desafio à própria fé cristã.

Agora, se o não-cristão é tão perturbado sobre a existência do mal, ele pode sempre perguntar a um cristão sobre como depender de Cristo para salvação; de outra forma, ele pode se submeter a um departamento de psiquiatria ou psicologia, onde ele pode continuar miserável sob o cuidado profissional. Quanto aos cristãos, a Escritura fornece a solução: “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti” (Isaías 26:3). Salmos 73:16-17 diz, “Quando pensava em entender isto, foi para mim muito doloroso; até que entrei no santuário de Deus; então entendi eu o fim deles”. Somente aceitando a cosmovisão cristã uma pessoa pode chegar a uma posição racional sobre a existência do mal, e somente entrando no “santuário de Deus” o assunto pode parar de ser “opressivo”. Somente aqueles que são trazidos para perto de Deus podem entender suficientemente a realidade do mal e reter a estabilidade emocional. A fé cristã é verdadeira e é o único caminho para Deus e a salvação. Ela é imune aos ataques intelectuais. Ela não pode ser desafiada com sucesso, mas somente estudada e obedecida.

Notas:

1 - Às vezes o argumento inclui o fato de que os cristãos afirmam que Deus é também onisciente (conhece tudo) — se Deus conhece tudo, então, Ele sabe como destruir o mal.

2 - A doutrina do “livre-arbítrio” é anti-bíblica e herética, e alguns têm seguido a doutrina até o seu próximo passo lógico, ao dizer que se o homem é verdadeiramente livre, então Deus não pode realmente saber com certeza o que o homem fará, negando dessa forma a onisciência de Deus. Contudo, ainda assim, Deus saberia que é possível para o livre-arbítrio produzir males extremos e horrendos, de forma que o mesmo problema permanece.

3 - O próprio Satanás é uma criatura, e, portanto, não tem livre-arbítrio. Todas suas ações e decisões são controladas    por Deus.

4 - Certamente, pessoas diferentes podem apresentar formulações diferentes do problema do mal, mas minha refutação se aplicará a todas elas.

5 - Para mais informações, vejam meus escritos sobre apologéticas e éticas.

6 - Por exemplo, o não-cristão nunca justifica, ao definir o assassinato, a inclusão da matança de humanos, mas a exclusão da matança de bactérias. Certamente, alguns advogados dos direitos dos animais consideram assassinato o massacrar animais, mas não bactérias; contudo, eles nunca justificam a inclusão dos animais ou a exclusão das bactérias.

7 - O argumento se tornará, no final das contas, um amplo debate pressuposicional. Para mais informação sobre isto.

8 - Algumas pessoas usam diferentes termos para fazer esta mesma distinção.

9 - Sobre este ponto, até mesmo alguns filósofos profissionais inclinam-se a um apelo à opinião popular. Isto é, eles reivindicam que “todo mundo” sabe que certas coisas são más, e que certas coisas são males gratuitos. Em outro contexto, estes mesmos filósofos criticariam tal apelo à opinião popular para estabelecer uma premissa essencial — que eles se utilizam desta tática aqui, me mostra que eles são estúpidos e desesperados. A resposta mais óbvia é que é falacioso pensar que algo é verdadeiro apenas porque muitos ou mesmo a maioria das pessoas pensam que seja verdadeiro.

Alguns filósofos argumentam que se a maioria das pessoas pensam que há males gratuitos, então, o peso da prova cai sobre o cristão, para o mesmo mostrar que não há males gratuitos. Embora eu discorde que o peso da prova caia sobre mim simplesmente porque eu nego a opinião popular, mesmo se caísse, eu tenho mostrado que qualquer mal que Deus decrete é justificável por definição, de forma que o peso da prova retorna ao não-cristão, que deve refutar este ponto particular ou refutar o Cristianismo como um todo, e então o foco do debate se torna pressuposicional. Além do mais, mesmo que o apelo à opinião popular fosse legítimo (embora eu negue isto), eu demando provas de que realmente a opinião popular seja a de que existem males gratuitos. Como o não-cristão pode estabelecer esta reivindicação? Mesmo se ele pudesse realizar uma pesquisa empírica global, eu já refutei o empirismo em outro lugar. Se ele não pode fazer isto, então ele deve mostrar também que, desde a origem da humanidade, tem sido a opinião popular que há males gratuitos. Ele deve provar também que esta continuará a ser a opinião popular em todas as gerações futuras. Se ele falha em fazer isto, então, eu não tenho razão para aceitar sua reivindicação de que “todo mundo sabe” que existe o mal ou o mal gratuito. Ele pensa que “todo mundo sabe”, mas ele não sabe que “todo mundo sabe”; esta é sua opinião pessoal sobre a opinião popular.

Nota sobre o autor: O Rev. Prof. Dr. Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando centenas de cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts - USA.



“Todos, nascem arminianos, é a graça de Deus que vai tornar alguns e apenas alguns; hiper-calvinistas supralapsarianos!!!”


Atenciosamente, respeitosamente e fraternalmente:
Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C. Ph.D. Th.D.