sexta-feira, 12 de agosto de 2022

 

A Graça é Resistível? 

Autor: Rev. Prof. Dr. Herman Hanko. Traduzido e adaptado por: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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De um leitor: “Desejo, se possível, que você me ajude a lidar com as objeções arminianas à doutrina reformada da graça irresistível. Em um debate virtual que tive com um arminiano, ele afirmou que a graça preveniente (doutrina arminiana) é bíblica e que podemos vê-la em versículos como João 12:47: não o julgueis, porque não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo.' Com este versículo, ele conclui que a graça não é irresistível, porque senão o mundo inteiro seria salvo. Ele afirma que este texto não dá chance ao calvinista de dizer que a palavra 'mundo' significa 'mundo dos eleitos'. Por exemplo, Jesus inclui os incrédulos e os condenados na palavra 'mundo'. Ele também afirma que este texto não pode estar falando da chamada interna ou externa. O texto diz que Jesus veio para salvar o mundo. Como podemos entender este versículo à luz da doutrina reformada?”

A resposta à pergunta referente a João 12:47 envolve o significado da palavra “mundo”. É evidente a partir da argumentação na pergunta que o arminiano a quem o questionador se refere quer fazer a palavra “mundo” significar todo homem, mulher e criança que já viveu. Esta é sempre a questão chave que surge em conexão com a defesa da verdade da graça soberana de Deus contra aqueles que a negam.

Já na última parte do século XVI e no início do século XVII, os arminianos defenderam sua posição sobre o livre-arbítrio apelando para a palavra “mundo”. Inúmeras vezes na história da igreja esta questão foi discutida e aqueles da fé reformada explicaram a palavra como deveria ser explicada. Alguém poderia desejar que os arminianos que ainda trazem tais argumentos fizessem sua lição de casa pelo menos uma vez, há muitas razões pelas quais a palavra “mundo” não pode significar todos que já viveram. É verdade, como outros já disseram, que “Um Cristo para todos é um Cristo para ninguém”.

1. Se a palavra “mundo” significa todos os que já viveram, então Deus ama todos os que já viveram. Se Deus ama todos que já viveram, Cristo morreu por todos que já viveram. Se Cristo morreu por todos que já viveram, o amor de Deus não tem poder e a cruz perde sua glória redentora. Deus ama as pessoas que não são salvas e Cristo morreu pelas pessoas que não são salvas. Então o amor de Deus não vale nada e a cruz de Cristo não tem poder para salvar! logo, Deus é um fraco e Cristo é um fracassado.

2. Se o amor de Deus e a cruz de Cristo são ineficazes, então Deus não é onipotente. Ele não pode fazer o que Ele quer fazer. Já Agostinho, lá no século V, insistia que o que Deus quer fazer, Ele faz. A Igreja Católica Romana negou o ensino de Agostinho e adotou as opiniões de Pelágio, que ensinava que Deus ama todos os homens e Cristo morreu por todos os homens. Os arminianos de hoje querem a mesma doutrina pelagiana da Igreja Católica Romana? Que leiam a história da igreja e aprendam que sua doutrina veio do catolicismo romano.

3. É claro que o oponente do questionador não apenas acredita que Deus ama a todos, mas também acredita que todo homem, mulher, criança e bebê de colo recebe a graça de Deus. Ele fala da graça preveniente. A graça preveniente é uma graça dada a todos para que possam decidir se querem ou não a salvação. Mas alguns resistem a essa graça. Eles estão, no entanto, resistindo a uma miragem, pois nem todos os homens têm graça, nem mesmo a graça preveniente. Onde na Bíblia se encontra uma graça preveniente??? Aquele que ensina isso enfrenta a questão: a graça do Deus Todo-Poderoso é tão vergonhosamente fraca que não tem poder para salvar? As Escrituras nos dizem que devemos confiar em nossos problemas na graça de Deus. Deus disse a Paulo, enquanto ele lutava com o espinho em sua carne: “Minha graça te basta” (II Coríntios 12:9). Uma graça resistível é uma graça impotente.

4. Ensinar a doutrina arminiana de que a graça é resistível é ensinar que o homem tem livre arbítrio. O ensino de que o homem tem livre arbítrio é uma tentativa plana e calculada de negar a depravação total. Referir-se a Efésios 2:1 é suficiente para provar que a depravação total é uma realidade absoluta. O problema não é que as Escrituras não ensinem a depravação total; o problema é que o homem orgulhoso quer ajudar a se salvar. Ele é orgulhoso demais para se considerar o que realmente é: um pecador morto em delitos e pecados. Uma pessoa parcialmente depravada não precisa da cruz de Cristo. Paulo, em Efésios 2:1-10, insiste nisso. Se a salvação é em parte nossa obra, então podemos nos gabar do que fazemos e toda a glória não pertence a Deus.

Muitos anos atrás, quando eu dava aulas de catecismo, eu tinha uma menina na classe que veio da Igreja Católica Romana. Embora ela tenha se apegado avidamente às verdades da fé reformada, ela ainda tropeçou na soberania de Deus em toda a Sua criação e em todas as obras dos homens. Tínhamos discutido isso várias vezes, e eu havia esgotado todos os argumentos bíblicos; então, finalmente, fiz uma tentativa de persuadi-la dizendo a ela: “Se você tivesse que escolher entre um Deus soberano ou um Deus que espera por você e por todos os homens, o que você escolheria?” Ela colocou a cabeça nos braços e sentou-se em sua cadeira, o que pareceu a mim e aos outros da classe uma quantidade interminável de tempo. Estava total e completamente quieto na sala. Por fim, ela levantou a cabeça e com a luz de pura alegria em seu rosto e lágrimas escorrendo pelo rosto, ela disse: “Quero um Deus soberano!” Ela não vacilou disso por mais de cinquenta anos.

A questão não é teologia abstrata. Não preciso de um deus que não seja soberano. Não preciso de um deus que espere por mim antes de agir. Se isso fosse verdade, eu poderia adorar Buda. Eu sou um pecador irremediavelmente perdido e incapaz de fazer qualquer coisa além de odiar a Deus, desafiá-lo em Suas obras, blasfemar Seu nome ou ignorá-Lo friamente. Preciso de um Deus que possa, pelo poder divino, me conquistar e vencer todas as minhas resistências pela graça irresistível. Isso faz de mim um pecador indefeso e abominável que não faz nada por sua salvação? Sim. Mas é melhor clamar: “Deus, tenha misericórdia de mim, pecador” e ir para casa justificado (Lucas 18:13-14), do que ficar com o fariseu e se gabar em voz alta: “Senhor, agradeço-te porque não sou como outros homens são, porque eu aceitei a Cristo e assim me salvei”. Tal jactância não é o caminho para a cruz e para o céu.

Vou lidar agora, com João 12:47 e Deuteronômio 30:6 (aos quais o questionador também se refere); Nos capítulos anteriores, comecei a responder a uma pergunta que surgiu em um debate que o questionador teve com um arminiano que negava que a graça de Deus na salvação fosse irresistível. A graça, disse ele, era resistível: podia ser resistida e frequentemente é resistida. O arminiano se referiu a dois textos bíblicos para tentar embasar sua argumentação. Um deles diz: “E o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração da tua descendência, para amares o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma, para que vivas” (Dt 30:6).

O outro texto é encontrado em João 12:47: “E se alguém ouvir as minhas palavras e não crer, eu não o julgo; porque não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo”. O argumento do arminiano em relação a João 12:47 é: “A graça não é irresistível, porque senão o mundo inteiro seria salvo... Este texto é bom [isto é, prova seu ponto, ele pensa] porque não dá chance ao calvinista dizer que a palavra 'mundo' significa 'mundo dos eleitos...' O texto não pode estar falando sobre o chamado interno ou externo. O texto diz que Jesus veio para salvar o mundo”.

Volto-me primeiro para Deuteronômio 30:6. Tenho alguma dificuldade em entender como este texto derruba a verdade da graça irresistível. Parece-me que ensina exatamente o contrário. Se o soberano Senhor Deus circuncida o coração de alguém, e dá a circuncisão física como sinal e selo da circuncisão do coração, então a circuncisão é um sinal e selo do que Deus faz, não do que fazemos. Se Deus circuncida nossos corações, somos salvos.

É possível que o arminiano queira dizer que o próprio rito da circuncisão dá graça a todos os circuncidados e que, porque todos os que são circuncidados não são salvos, aqueles que não são salvos resistiram com sucesso à graça de Deus. Mas o texto não diz que todos os que são fisicamente circuncidados recebem graça. Afirma enfaticamente que a realidade de que a circuncisão é um sinal e selo, isto é, a circuncisão dos corações, resulta em salvação. A questão é que a própria circuncisão não salva; nem o texto diz algo assim. A circuncisão é apenas um sinal e um selo. A graça dada que salva, da qual a circuncisão é apenas um sinal, não é resistível. É a graça de Deus e a graça de Deus salva.

O fato é, que o rito da circuncisão, que foi substituído pelo batismo na nova aliança (Col. 2:11-13), foi realizado em todos os membros masculinos de Israel porque todos eles pertenciam à igreja do Antigo Testamento. A circuncisão era um sinal exterior da operação interior da graça. Acompanhava o evangelho pregado a Israel. E assim como o evangelho foi ouvido por todos, o sinal que acompanha o evangelho foi realizado em todos. Mas, assim como a pregação do evangelho não deu graça a todos os que o ouviram, também a circuncisão não deu graça a todos os que foram circuncidados. Nem o batismo nas águas dá graça a todos os que são batizados. Nunca devemos esquecer o que Paulo diz em Romanos 9:6: “Porque nem todos os que são de Israel são Israelitas”. O próprio Deus faz a diferença entre Israel como nação e o verdadeiro Israel de Deus. Ele faz essa distinção por eleição e reprovação soberanas. E assim, Paulo escreve: “E a todos quantos andarem segundo esta regra, paz e misericórdia sobre eles, e misericórdia, e sobre o Israel de Deus” (Gl 6:16). O Israel de Deus são os eleitos, nem todos na nação. Paulo explica em detalhes o que ele quis dizer em Romanos 9:6 em Gálatas 3. Os arminianos desejam que Romanos 9 e Gálatas 3 não estejam na Bíblia.

Em João 12:47, o arminiano me parece apoiar seu argumento na palavra “mundo”, como se essa palavra se referisse a todos os homens que já viveram, estão vivendo agora e viverão no futuro. Sinto-me um pouco envergonhado ao discutir este ponto, pois centenas de teólogos bíblicos e santos, começando com Agostinho que morreu em 430 d.C., provaram sem sombra de dúvida que a palavra “mundo” em conexão com a obra de Cristo, nunca significa que todo homem que já viveu ou viverá. A literatura é tão extensa que os livros encheriam prateleiras após prateleiras em qualquer biblioteca. Por que a verdade tem que ser repetida uma e outra vez, sem número? É óbvio que se alguém quiser fazer com que a palavra “mundo” se refira a todos os homens cabeça a cabeça, nem mesmo o anjo Gabriel poderia fazê-lo mudar de ideia. Acho que foi o batista, Charles Haddon Spurgeon, que disse que nem uma vez em todas as Escrituras a palavra “mundo” significa todo homem, cabeça por cabeça. Lembro-me de um notável teólogo da tradição presbiteriana que falava sobre a verdade de que Cristo morreu apenas pelos eleitos. Ele se sentou enquanto as pessoas preparavam as perguntas. Como era de se esperar, um jovem, recém-formado, disse: “Sim, mas doutor, e João 3:16?” O teólogo quase explodiu de sua cadeira e correu para o púlpito. Com uma voz palpavelmente enojada, ele disse: “Todo homem? O mundo é constituído, como diz o texto, de crentes! Leia, jovem. Os crentes constituem o mundo!” Com isso, ele se virou e se sentou. Se a graça é resistível, então Cristo morreu em vão. A morte de Cristo na cruz pagou por todos os pecados daqueles por quem Ele morreu. O sacrifício perfeito de Cristo rendeu plena salvação para aqueles por quem Ele morreu. Alguém se atreve a dizer que Cristo morreu por alguém que vai para o inferno? Parece-me que isso se aproxima muito da blasfêmia. Cristo morreu pelo verdadeiro mundo dos eleitos. Os eleitos são, de acordo com passagens como Efésios 2:20-22, o templo de Deus edificado sobre Cristo, a Pedra Angular.

Os réprobos são os andaimes necessários para a construção do edifício, mas que são demolidos quando o edifício está concluído. Os eleitos são os grãos de milho e não a raiz, o talo, a borla, as cascas ou a espiga. Todos são necessários para o milho crescer e amadurecer, mas são inúteis quando o milho é colhido e comido. A igreja é o verdadeiro mundo de Deus redimido em Cristo. Eles certamente são salvos pela graça irresistível de Deus.

Autor: Rev. Prof. Dr. Herman Hanko. Traduzido e adaptado por: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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