Gregory E. Ganssle recentemente publicou um livro
intitulado “Pensando sobre Deus” [1]. Em um determinado capítulo, ele explica o
que é liberdade e determinismo, e conclui afirmando que ele favorece o
“livre-arbítrio libertário”. Observemos, como ele argumenta:
“Agora, por que você deveria concordar comigo a
respeito da liberdade humana? Deixe-me dar a você duas
razões. Primeiro. parece estranho tornar alguém moralmente responsável por uma
ação se esta ação não depende dele. Se o determinismo é verdade, então nenhuma
ação depende de quem a pratica. Pelo menos nenhuma ação depende de alguém que a realize em um nível alto o
bastante, para razoavelmente, tornarmos essa pessoa responsável. Ainda assim,
nós consideramos cada pessoa moralmente responsável. A melhor explicação é que
algumas ações dependem de nós e somos responsáveis por elas.”
“Segundo. O “livre-arbítrio libertário” fará mais
sentido em nossas decisões. Frequentemente nos encontramos debatendo entre
alternativas, e estamos convencidos de que nossa decisão tem um real
efeito no que virá. A decisão que nós tomamos, após deliberarmos, parece
depender de nós. Se a liberdade não é do tipo “libertária”, então a deliberação
não faz muito sentido. Portanto, a “liberdade libertariana” é o melhor conceito
de liberdade e liberdade compatibilista não é liberdade, no final das contas.”
[2]
Isto é terrível, terrível! Eu me
sinto imundo só por digitar. Existem inúmeras afirmações falsas e
falácias nestes dois parágrafos [3], porém primeiramente focarei nas palavras
que são relevantes ao nosso assunto, que é intuição.
Note as palavras que coloquei em itálico acima. Se
fôssemos debater a questões da liberdade humana, ou do Calvinismo vs.
Arminianismo, Ganssle viria até mim com “parece estranho”, “estamos
convencidos” e “parece”? Eu poderia apenas dizer prontamente que “parece
certo”, “eu não estou convencido” e “não parece”! Bem, ele está convencido das
premissas que parecem a ele verdadeiras, mas eu posso simplesmente estar
convencido do oposto.
Se você juntar “parece que” como uma parte
essencial de seu argumento (ao contrário de uma parte não-essencial de sua
apresentação, por exemplo, uma mera ilustração), você saiu da realidade de uma
argumentação estritamente racional. Além disso, perdeu o direito de prevenir
que seu oponente use exatamente o mesmo tipo de argumento, e a ele “parecerá
que” você está errado.
Quando vamos à discussão Calvinismo VS.
Arminianismo, você pode ouvir algo como “Se Deus é absolutamente soberano,
então ele controla mesmo nossas decisões, e neste sentido não temos liberdade
ou livre-arbítrio, mas nós sentimos (nós estamos convencidos, nós percebemos,
nós achamos, parece que, etc.) que temos liberdade ou livre-arbítrio em nossas
atividades diárias; portanto, o Calvinismo deve estar errado”. Minha resposta é
que eu sinto ou imagino, ou me parece, que esta pessoa é uma idiota; portanto,
ela é idiota. [4]
Se ela discordar de minha intuição, então por que
eu tenho de concordar com a dela? Se ela me disser que eu realmente não acho ou
intuo que ela é uma idiota, então posso dizer de prontidão que ela realmente
não sente ou intui a liberdade. Isto é, se ela pode afirmar saber o que
realmente se passa em minha mente, então eu posso afirmar prontamente saber o
que realmente acontece na mente dela.
Ganssle
afirma saber o que todos nós pensamos. Entre outras coisas, ele alega que:
1.
Intuitivamente afirmo que “parece estranho tornar alguém moralmente responsável
por uma ação se esta ação não depende dele.”
2. Eu
estou “convencido de que nossa decisão tem um real efeito no que virá”.
3. A
decisão que tomo, após deliberar, “parece depender” de mim.
Entretanto, a não ser que
ele construa suas afirmações sob uma fundação objetiva e infalível, se ele pode
alegar saber o que intuitivamente eu afirmo em minha mente, por que eu não
posso também alegar saber o que ele intuitivamente afirma em sua mente? Assim,
eu afirmo que “nós estamos convencidos” de que ele está errado, e que ele
“parece” bastante confuso e arbitrário. A não ser que pare de argumentar pela
intuição, como ele faz, é impossível que ele consistentemente rebata minhas
alegações.
Assim, tudo se ajunta em pura subjetividade sem
sentido. Quando se debate com arminianos, ou quando se lê sua literatura, você
notará que muitos baseiam suas premissas cruciais na intuição, e frequentemente
apenas na intuição. O padrão de argumentação de Ganssle é muito comum a eles –
eles simplesmente assumem que suas premissas necessárias são verdadeiras porque
para eles elas parecem ser verdadeiras. Eles dizem que estão convencidos de que
essas premissas são verdadeiras (frequentemente, eles dizem que todos nós
estamos convencidos), e então prosseguem nesta base.
Uma dessas premissas é que nos parece que todos
temos “livre-arbítrio”; outra é que pareceria injusto fazer alguém que não tem
livre-arbítrio moralmente devedor. Pelo menos nesses exemplos, seu padrão
definitivo de verdade e moralidade não é a revelação de Deus, mas a própria
intuição. Seus “parece que” parecem inquestionáveis a eles.
Entretanto,
todos os “parece que” poderiam estar errados. Parafraseando Clark, talvez
pensemos que temos livre-arbítrio não porque sabemos de algo (que nós temos
livre-arbítrio), mas porque não sabemos de algo (que realmente não temos
livre-arbítrio) [5]. Talvez algumas pessoas intuitivamente pensem que certas
coisas são verdadeiras porque elas são ignorantes. Lutero coloca isso de forma
mais forte, ao dizer que nós pensamos que temos livre-arbítrio porque estamos
sendo enganados por Satanás [6]. Neste caso, o debate não pode ser estabelecido
pela intuição apenas.
Muitos
ateus argumentam desta forma também. Por exemplo, uma vez que rejeitam a
revelação, eles não podem apelar para um fundamento na ética. Então, quando se
voltam para a experiência, aqueles que são menos estúpidos percebem que não
podem derivar nada da intuição. Portanto, alguns se voltam para intuição, e
alegam que eles conhecem certos princípios éticos. Mas com os problemas já
citados (a intuição é 100% subjetiva, não-universal, falível e etc...), por que
devemos obedecer a intuição?
É algo
muito infeliz, e, infelizmente; muitos escritores reformados/calvinistas também
apelem para a intuição a fim de construir seus argumentos e sistemas. Quando
fazem isto, normalmente é porque eles estão tentando alegar algumas ideias e
premissas do mesmo tipo que os arminianos e os ateus afirmam, como conceitos
anti-bíblicos de liberdade e justiça. Mas, uma vez que essas premissas falsas
não podem ser derivadas da revelação bíblica e, uma vez que eles não podem
derivar de nada da sensação, eles se refugiam na intuição.
Entretanto,
como mostramos, isto seria enveredarem-se em subjetivismo nefasto, irrelevante
e intelectualmente desonesto. Quando escritores reformados/calvinista fazem
isto, eles são inconsistentes com sua teologia bíblica e racional.
Um exemplo é William G.T.
Shedd. Apesar de ele ser altamente recomendado, por ser um dos menos empíricos
entre os teólogos, ele falha em depender somente da revelação divina. Pelo
contrário, apelos à intuição invadem sua Teologia Dogmática, e ele faz isto
para estabelecer premissas e princípios que, na verdade, somente arminianos
deveriam afirmar, e que somente arminianos precisam, como uma versão do livre-arbítrio, e uma base
anti-bíblica para a responsabilidade moral.
Como cristãos reformados/calvinistas – como
cristãos cuja visão de Deus, homem e salvação são verdadeiramente bíblicas –
não devemos e nem precisamos apelar para experiência ou intuição, o que nos
levará apenas ao cepticismo irracional e auto-contraditório. Pelo contrário,
devemos nos apegar à revelação escrita de Deus, que vêm somente do Logos, a
Razão de Deus, a única que pode nos salvar e àqueles que nos ouvem.
Originalmente, planejei tratar somente dos
problemas em basear os argumentos na intuição. A citação de Ganssle nos
providenciou um bom exemplo. Entretanto, eu também trarei alguns pontos que não
estão diretamente conectados com a intuição, mas são sempre problemáticos.
Seria instrutivo discuti-los também. Primeiramente, vamos voltar nossa atenção
às seguintes afirmações, já citadas no início:
Se o determinismo é verdade, então nenhuma ação
depende de quem a pratica. Pelo menos nenhuma ação depende de alguém em um
nível alto o bastante para tornar alguém responsável. Ainda assim, nós
consideramos cada pessoa moralmente responsável. A melhor explicação é que
algumas ações dependem de nós e somos responsáveis por elas. [7]
Primeiro, vamos entender que Ganssle não está
tentando construir uma explicação detalhada para sua posição em seu livro; isto
representa somente um resumo de suas razões para sua posição sobre a liberdade.
Entretanto, isto não nos proíbe de criticar o que ele
escreveu, uma vez que ele nos dá informações
suficientes para nos dizer que tipo de argumento ele considera com um suporte
válido e racional para sua posição.
A não ser
que ele mude completamente a direção de toda a sua exposição, então, mesmo que
fossem dados tempo e espaço para elaborar, ele ainda argumentaria sobre esse
assunto usando o mesmo tipo de argumentos. Isto é, mesmo se dados, tempo e
espaço, ele nos daria somente uma versão mais detalhada do seu pensamento
falacioso.[8]
Com o objetivo de tratar este ponto com algum
detalhe, lidaremos com cada uma das afirmações individualmente.
“Se o
determinismo é verdade, então nenhuma ação depende de quem a pratica”.
Esta
afirmação é tão ambígua, que é difícil saber o que fazer com ela. Em
particular, a expressão crucial “depende de” é indefinida. [9] Dependendo do
que ela significa, a expressão pode referir-se a uma liberdade volitiva
relativa a outras criaturas ou uma liberdade volitiva relativa ao próprio Deus,
que é a liberdade absoluta.
Parece que a linguagem e o contexto pedem a segunda
interpretação. A ação de alguém depender dela mesma está contrastada com
“determinismo”. O contexto do livro sugere que o “determinismo” aqui está
incluso, se não restrito, ao determinismo divino, ou a ideia de que é Deus quem
determina todas as coisas, incluindo todas as decisões humanas. Isto é, se uma ação “depende” de
alguém, então ela não é determinada por Deus.
Mas, se uma ação não é determinada por Deus, então
Ganssle não mais está falando sobre o Deus da Bíblia. Neste ponto, eu devo
indicar a você meus trabalhos anteriores para detalhadas explanações sobre a
soberania divina [10]. Em qualquer caso, a expressão “depende” permanece
ambígua.
“Pelo menos nenhuma ação depende de alguém que a
realize em um nível alto o bastante, para razoavelmente, tornarmos essa pessoa
responsável”.
Agora as coisas realmente ficam estranhas. Ele diz
que a “dependência” deve ser alta o bastante para ser “razoável” afim de tornar alguém
“responsável”. Claro, minha primeira reação é POR QUE? Mesmo se
nós pudéssemos entender sua afirmação, não temos nenhuma razão para crer nisso.
Mas como veremos, não é tão fácil assim entender a afirmação.
Antes mesmo que saibamos o que ele quer dizer com
“depende”, agora ele sugere que existem níveis de “dependência”. Então, de
acordo com ele, uma ação deve “depender” de uma pessoa num grau maior ou menor;
mas como ele sabe disso, não é explicado.
Então, ele diz que a “dependência” deve alcançar um
certo grau que seja “alto o bastante” para “razoavelmente” tornar alguém
“responsável”. Porém, mesmo se nós ultrapassássemos a sugestão de que existem
níveis de “dependência”, quão alto é “alto o bastante”, e como ele sabe?
Além disso, se a “dependência” deve ser alta o
bastante para ser razoável, o que ele quer dizer por “razoável”? Por
“razoável”, ele quer dizer algo que é validamente dedutível de premissas
verdadeiras, ou ele quer dizer alguma coisa como “moralmente aceitável”? Se ele
quer dizer algo como a última opção, então o que ele queria dizer com
“aceitável”? “Aceitável” a quem? Como ele sabe?
Ou somos completamente injustos por suspeitar que
por “razoável”, ele está mais uma vez apelando para algum padrão intuitivo que
não pode projetar objetivamente e sustentar fora de sua própria mente, e assim,
nesse caso sua intuição mais uma vez tomaria o lugar de Deus?
Então, porque esta “dependência” deveria alcançar
um certo grau para ser “alta o bastante”, a fim de considerar “razoável” tornar
alguém responsável? Isto continua sem resposta.
Além disso, o que ele quer dizer com “responsável”?
Eu nem tentarei adivinhar.
Agora, já que ele contrasta a “dependência” de uma
ação contra “determinismo” [11], e uma vez que “dependência” pode ser de um
nível menor ou maior, segue-se que o “determinismo” também pode estar em níveis
– isto é, não é absoluto, mas relativo [12].
Mas isto coloca Deus, que é
o sujeito do “determinismo”, em uma posição semelhante com as criaturas, que
são os objetos do “determinismo”. Isto é, algumas coisas “dependem” (são
determinadas) por Deus, mas algumas coisas não o são. Ele talvez seja mais poderoso
do que nós, assim, existem mais coisas que “dependem” dEle do que “dependem” de
nós, mas permanece
que, quando se trata de “dependência” e
determinismo, Deus difere de nós apenas em níveis, e não em
tipo.
Assim, novamente, perdemos
o Deus da Bíblia. Em contraste, a posição bíblica é que nós somos “moralmente
responsáveis” no sentido de que nós somos devedores morais a Deus; isto é, Deus
nos julgará. Nossas crenças e ações terão consequências porque Deus causará
estas consequências.
Mais ainda, é “razoável”
que Deus nos faça moralmente responsáveis no sentido de que é logicamente
válido e moralmente aceitável para Ele fazer. É logicamente válido porque esta
é a conclusão deduzida de Sua própria vontade e decreto, e é moralmente aceitável
porque Deus é o padrão moral único e definitivo, e Ele aceita Sua própria
decisão de fazer Suas criaturas moralmente responsáveis.
Nesta discussão, a questão da liberdade humana nem
mesmo entra em debate [13]. É completamente consistente com o determinismo
divino absoluto, em que Deus controla todas as coisas, incluindo todo
pensamento e decisão humana.
“Ainda assim, nós
consideramos cada pessoa moralmente responsável”.
Para entender esta afirmação, e perceber o que está
tão errado a respeito disso, nós devemos lê-la no contexto do parágrafo. Aqui
está ele novamente:
Se o
determinismo é verdade, então nenhuma ação depende de quem a pratica. Pelo
menos nenhuma ação depende de alguém que a realize em um nível alto o bastante,
para razoavelmente, tornarmos essa pessoa responsável. Ainda assim, nós
consideramos cada pessoa moralmente responsável. A melhor explicação é que
algumas ações dependem de nós e somos responsáveis por elas.
Para simplificar o argumento, podemos parafrasear
como se segue: “Se o determinismo é verdade, então nós não somos moralmente
responsáveis. Mas nós consideramos cada pessoa responsável. Portanto, o
determinismo é falso”. Mesmo presumindo que concordamos que “consideramos cada
pessoa moralmente responsável”, Ganssle não diz nada para estabelecer que isto
realmente é a coisa certa a se fazer. Só porque nós fazemos
alguma coisa, não significa necessariamente que é a coisa certa a fazer. Talvez
nós estejamos errados em considerar cada pessoa moralmente responsável.
Note que o argumento deveria apresentar que o
determinismo é falso, e não meramente fazer sentido sobre considerar cada
pessoa moralmente responsável. Isto é, a função do argumento não é apenas
explicar algo que fazemos, menos ainda se isto é certo ou errado. Pelo
contrário, o argumento pretende refutar o determinismo, e para fazer isto,
depende da premissa que “nós consideramos cada pessoa moralmente responsável”,
e assume que isto é a coisa certa a se fazer (ou que esta premissa deveria ser
considerada como algo constante).
Da maneira
como é apresentado, o melhor que este argumento pode fazer é explicar porque
Ganssle gostaria que o determinismo fosse falso! Ele quer que o determinismo
seja falso porque quer explicar o porquê consideramos os outros moralmente
responsáveis. Em outras palavras, de acordo com este argumento, com o objetivo
de justificar o que fazemos (quer esteja certo ou não), devemos rejeitar o
determinismo (seja o determinismo realmente verdade ou não). O argumento é
puramente pragmático, não racional.
Além de falhar em
estabelecer que devemos considerar cada um moralmente responsável em primeiro
lugar, nós já mostramos que Ganssle também falha em estabelecer a premissa
anterior, especialmente aquela que afirma que, se uma ação não depende de nós,
então não somos moralmente responsáveis por ela. Portanto, o que ele pretende
que seja uma explanação racional para afirmar o “livre-arbítrio libertariano”,
torna-se uma bagunça incompreensível.
Em contraste, a posição
bíblia é que Deus revelou Suas leis morais a nós, e Ele
declarou que nós somos devedores de acordo com estas leis.
Assim, Ele também estabeleceu relações e instituições humanas
que, por meio delas, podemos responsabilizar os outros, de uma forma relativa e
temporária, para manter a paz, a ordem e a justiça na sociedade humana – até
que a absoluta e perfeita prestação de contas possa ser dada a Deus, quando Ele
julgar a humanidade. Ao invés de basear nossos argumentos na intuição ou mesmo
na prática (como Ganssle faz), nossa base para a responsabilidade moral é a
revelação divina.
“A melhor explicação é que algumas ações dependem
de nós e somos responsáveis por elas”.
O que eu disse acima já cobre esta última
afirmação. Aqui, eu tratarei o argumento de um ângulo um pouco diferente. Agora,
o argumento está dizendo:
1. Se o determinismo é verdadeiro, então nós não
somos moralmente responsáveis. [14]
2. Mas nós consideramos cada pessoa moralmente
responsável.
3. Portanto, o determinismo é falso.
O problema é que a conclusão não é uma inferência
necessariamente proveniente das premissas. Mesmo se nós usarmos as mesmas
premissas, poderíamos chegar a uma conclusão muito diferente:
1. Se o determinismo é verdade, então nós não somos
moralmente responsáveis.[15]
2. Mas nós consideramos cada pessoa moralmente
responsável.
3. Portanto, estamos errados em considerar cada pessoa
moralmente responsável.
A versão de Ganssle dos
argumentos recusa abrir mão da prática de considerar cada pessoa moralmente
responsável, enquanto a outra versão recusa abrir mão do determinismo. As duas
versões do argumento são falaciosas, uma vez que as conclusões não se derivam
de premissas por inferência necessária. Mais ainda, Ganssle não oferece uma
justificativa para a primeira premissa, e esta é uma premissa que eu rejeito.
Terminamos de examinar o parágrafo, mas ainda não
acabamos com Ganssle, já que ele agora diz:
“Segundo. O livre-arbítrio libertariano fará mais
sentido em nossas decisões. Frequentemente nos encontramos debatendo entre
alternativas, e estamos convencidos de que nossa decisão tem um real efeito no
que virá. A decisão que nós tomamos, após deliberarmos, parece depender de nós.
Se a liberdade não é do tipo libertariana, então a deliberação não faz muito
sentido. Portanto, a liberdade libertariana é o melhor conceito de liberdade e
liberdade compatibilista não é liberdade, no final das contas.” [16]
Nós já dissecamos tanto sua forma de pensar que,
agora, já devemos ser capazes de ver o que está errado com as afirmações acima
sem muita ajuda. Então, iremos brevemente resumir os problemas sem entrar em
detalhes. Notemos que o parágrafo inteiro tenta novamente fazer sentido sobre o
que supostamente fazemos, sem justificar que deveríamos fazer isso. Ele diz
“estamos convencidos” de que nossas decisões têm um efeito real no que virá.
Mas, quem é ele para falar por todos nós? Na verdade, eu não estou convencido
desta afirmação, afinal.
De
qualquer forma, mesmo se todos nós estivéssemos convencidos de sua afirmação, a
questão permanece “mas é verdadeiro?”. Da maneira como é apresentada, a base de
sua premissa é mera intuição subjetiva, ou mesmo a opinião popular.
Adicionando-se o fato de que temos o termo ambíguo “efeito real”, toda a
afirmação é ininteligível.
Então, ele diz: “A decisão que nós tomamos, após
deliberarmos, parece depender de nós.” Novamente, ele descansa sua premissa
apenas na intuição. Só porque alguma coisa parece uma forma certa, isto não
significa que ela seja realmente verdadeira. Mas nós já discutimos a falácia de
se apelar para a intuição, então vamos continuar.
Sua conclusão é que: “se a liberdade não é do
tipo libertariana, então a deliberação não faz muito sentido.” Bem, então,
pior para a deliberação! O argumento pretende estabelecer o livre-arbítrio
libertariano, e para fazer isso, ele afirma apenas que o livre-arbítrio
libertariano fará a deliberação ter sentido. Mas o argumento falha porque,
primeiro, falha em estabelecer que somente o livre-arbítrio libertariano fará
sentido para a deliberação; segundo, ele falha em estabelecer que deveríamos
fazer sentido na deliberação; terceiro, falha em estabelecer que a deliberação
faz sentido como um todo.
Ele afirma que “a liberdade libertariana é o melhor
conceito de liberdade”, porém, não importa se isto é verdadeiro ou não a esta
altura, pois ele falha em definir a liberdade libertariana ou, desta forma,
qualquer tipo de liberdade.
No entanto, eu talvez
concorde com ele em alguma coisa, afinal, pois ele termina o parágrafo dizendo:
“liberdade compatibilista não é liberdade, no final das contas.” Agora,
como ele explica anteriormente no capítulo, por “liberdade compatibilista”,
ele quer dizer “determinada, mas livre” [17]. Ele afirma que este é um
conceito popular de liberdade, mas um ao qual ele se opõe. Aqui ele adiciona
que “no fim, não é liberdade”. [18]
Mas parece para ele que a única opção restante para
se aceitar é a liberdade libertariana; entretanto, isto não é verdade. O que aconteceria se
negássemos as liberdades libertariana e compatibilista, e afirmássemos um
determinismo divino absoluto e incompreensível?
Eu entendo que muitos escritores
reformados/calvinistas objetariam a isto; eles se sentem compelidos a afirmar a
liberdade compatibilista. Isto acontece em parte porque eles assumem que o
homem tenha algum tipo de liberdade a fim de se justificar ele ser
responsabilizado. Mas isso é apenas uma suposição, impossível de provar, e
contraditória com a Escritura.
É claro, devemos ser cuidadosos e definir
“liberdade” de uma forma acurada e relevante. Devemos pelo menos responder à
questão: “liberdade do que?”. Agora, quando falamos de determinismo divino, o
“determinador” é Deus. Então, neste contexto, a única coisa relevante da qual
se libertar é Deus, e se somos livres de outra coisa, esta é irrelevante.
Portanto, a questão se torna “O homem é livre de Deus em algum sentido?”. Uma
vez que você assevera que o homem é livre de Deus em algum sentido, você perdeu
o Deus da Bíblia.
Uma
posição reformada/calvinista/bíblica consistente seria a seguinte: O
determinismo divino absoluto é verdadeiro; portanto, o homem não tem liberdade
em nada relativo a Deus – ele não é livre de Deus em qualquer sentido.
Entretanto, ele ainda é moralmente responsável e devedor porque Deus o
considera moralmente responsável e devedor.
Não existe
qualquer razão lógica para trazer a questão da liberdade. A premissa “responsabilidade
pressupõe liberdade” é completamente arbitrária, anti-bíblica e impossível
de ser provada.
Pelo contrário, a Escritura ensina que a responsabilidade pressupõe o
julgamento divino, e julgamento divino pressupõe a decisão de Deus de julgar.
Não existe nenhuma relação com a questão do homem ser livre ou não.
De fato,
uma vez que a responsabilidade humana pressupõe o julgamento divino, e desde
que julgamento divino pressupõe soberania divina (o direito e o poder de Deus
para julgar), segue-se que a responsabilidade humana pressupõe soberania
divina, e não a liberdade humana. Nós somos moralmente responsáveis
precisamente porque Deus é soberano e nós não somos livres.
A questão
então se torna se isto é, ou não justo – isto é, se é justo responsabilizar
alguém que não é livre. Entretanto, isto é apenas a mesma questão com outras
palavras. A questão da justiça parece ser relevante somente porque já trouxemos
ilegítima e arbitrariamente a liberdade para a discussão. Mas nós respondemos
que isto é justo porque é o que Deus decidiu fazer, e Ele é o único e
definitivo padrão de justiça; portanto, isto é justo por definição.
Essa
posição é bíblica e coerente, e não há nada inerentemente contraditório ou
impossível sobre isto. Muitas pessoas talvez não gostem porque contradiz suas
noções de liberdade, responsabilidade e justiça; no entanto, são noções
pecaminosas. Ao apelar para a intuição, eles ignoram os efeitos do pecado na
mente. Ao censurar-lhes por colocar sua confiança em sua própria intuição, eu
não me volto para minha intuição como verdadeira; pelo contrário, eu apelo para
a revelação divina somente, e se nós vamos falar de intuição, devemos observar
a revelação para julgar nossa intuição.
Estamos demonstrando que a intuição não pode
providenciar um fundamento confiável para nossos argumentos, citando o “livre-arbítrio”
de Ganssle como exemplo. Apesar de já concluir a parte principal de nossa
discussão sobre o assunto, ainda existe um tópico relacionado que precisamos
tratar, a fim de evitar um
mal-entendido e evitar confusão. Tenho em mente nosso conhecimento inato de
Deus, e sua relação com a intuição e a revelação.
A
Escritura ensina que toda pessoa tem um conhecimento inato de Deus, no sentido
que ela conhece Deus e Seus atributos por instinto, ou por intuição, à parte da
observação e experiência. Este conhecimento reside na mente do homem porque
Deus colocou diretamente nele, como uma criatura feita à imagem divina.
Apologistas pressuposicionalistas frequentemente
mencionam este fato; entretanto, quando eles fazem isto, eles não estão
apelando para a intuição? Precisamos pensar nisso com cuidado.
Nós não dissemos que mesmo uma menção da intuição
causaria uma falácia; pelo contrário, dissemos apenas que é falacioso apelar
para a intuição como base para os argumentos, ou apelar para intuição a fim de
retirar premissas de nossos argumentos. Talvez ainda haja um lugar para nosso
conhecimento de Deus em um sistema coerente de teologia.
No caso do
pressuposicionalismo, formulado biblicamente e racionalmente, nosso
conhecimento inato de Deus não é estabelecido pela própria intuição, mas pela
revelação. Não dizemos “eu tenho um conhecimento intuitivo de Deus; portanto,
certamente eu tenho um conhecimento intuitivo de Deus”, e partindo disso
dizemos:
“Portanto,
meu conhecimento intuitivo de Deus é verdadeiro”.
Ao invés
disso, dizemos: “a revelação de Deus me diz que eu tenho um conhecimento
intuitivo de Deus; portanto, certamente tenho um conhecimento intuitivo de
Deus”. E, “a revelação de Deus diz que meu conhecimento intuitivo de Deus é
verdadeiro em si mesmo, ou até onde ele vai; portanto, meu conhecimento intuitivo
de Deus é verdadeiro em si mesmo, ou até onde ele vai”.
Assim, devemos adicionar também: “a revelação de
Deus me diz que nosso conhecimento intuitivo de Deus foi diminuído e distorcido
pelo pecado; portanto, apesar de ser verdade que tenho um conhecimento
intuitivo de Deus, e apesar deste conhecimento intuitivo de Deus ser verdade em
si mesmo, esta intuição nunca é confiável como uma fonte de conhecimento ou
justificativa para minhas premissas de raciocínio, porque eu não posso perceber
claramente e representar acuradamente a informação contida nesta intuição. Portanto,
se hei de saber alguma coisa sobre tudo isto, preciso que a revelação de Deus
me conte o que este conhecimento intuitivo contém”.
Então, quando falamos sobre nosso conhecimento
intuitivo de
Deus, estamos falando sobre uma afirmação feita pela revelação sobre intuição.
Isto não é uma afirmação da intuição sobre a intuição, e ainda menos uma
afirmação feita pela intuição sobre a revelação.
Em outras palavras, quando mencionamos nosso
conhecimento inato de Deus, não estamos tentando provar a revelação de Deus por
nossa intuição; pelo contrário, apenas afirmamos que a revelação de Deus nos
conta o que sabemos pela intuição. Novamente, este conhecimento foi diminuído e
distorcido pelo pecado, mas sabemos isto somente pela revelação.
Portanto,
quando falamos sobre intuição, e especialmente sobre nosso conhecimento
intuitivo de Deus, é uma proposição inteiramente diferente daquela a qual
estamos nos opondo. Em nenhuma instância nós fizemos a intuição como base de
nossos argumentos; nós dependemos unicamente da revelação divina.
Como
pressuposicionalistas bíblicos, começamos pela revelação, e dela deduzimos
todas as proposições necessárias dentro da nossa cosmovisão; não há qualquer
dependência da intuição. Quando mencionamos intuição, nós fazemos isto no
contexto de dizer que a revelação de Deus nos diz que todas as pessoas conhecem
a Deus pela intuição, e isto explica porque eles não podem desculpar-se lógica
ou moralmente a si mesmos. Nós não começamos dizendo, pela intuição, que todos conhecem a Deus, e, portanto,
não há desculpa para a descrença; nós começamos pela revelação, e então, com
base na revelação, dizemos que todas as pessoas conhecem a Deus pela intuição
e, portanto, na autoridade da revelação de Deus (e não da intuição), não há desculpas
para a descrença.
Mais
ainda, nossa afirmação é mais forte que apenas dizer que o conhecimento de Deus
é intuitivamente inescapável; ao invés disso, nossa afirmação é que,
positivamente, o conhecimento de Deus é claro e intenso, e negativamente, é
logicamente inevitável e inegável.
Assim, o
criticismo contra argumentos intuitivos não se aplica à apologética
bíblica/Pressuposicionalista coerente. Os oponentes do Cristianismo devem,
portanto, atacar diretamente a revelação.
Da mesma
forma, uma vez que nossas críticas contra a intuição continuam fortes, aqueles
que apelam para a intuição como base para seus argumentos, ao atacar o
Cristianismo precisam provar a confiabilidade da intuição; de outra forma, eles
terão de evitar isto. Em outras palavras, não somente eles devem atacar
diretamente a revelação, como devem também ter alguma coisa para poder
atacá-la.
Notas:
[1] - Gregory E. Ganssle, Thinking About God
(InterVarsity Press, 2004).
[2] - Ibid., p. 136-137, ênfase adicionada.
[3] - Eu já escrevi sobre todas elas em meus livros
e artigos. As obras relevantes incluem: Systematic Theology, Ultimate
Questions, Presuppositional Confrontations, Apologetics in Conversation,
Commentary on Ephesians, The Sermon on the Mount , “The Problem of Evil”, and
“Professional Morons”.
[4] - Por que estou sendo duro para com este tipo
de pensamento? Porque ele é um tipo de pensamento irracional, e que é
freqüentemente usado para asseverar posições heréticas, tais como o
livre-arbítrio libertariano.
[5] - Veja Gordon Clark,
Predestination.
[6] - Veja Martin Luther,
The Bondage of the Will.
[7] -
Ganssle, p. 137.
[8] -
Antes de colocar as seguintes críticas no “papel”, eu cuidadosamente verifiquei
seu livro novamente, e prestei uma atenção especial ao capítulo no qual estas
declarações aparecem. Ganssle tenta providenciar mais detalhes e argumentos nas
páginas anteriores. Contudo, nada do que ele diz pode servir para se defender
das críticas acima. Leitores que desejam verificar isto, podem verificar as
páginas 129-137 do seu livro.
[9] - Estou ciente de que ele tenta definir (ou
antes ilustrar) a expressão na página 135, mas sua expressão falha em
clarificar o conceito. Na mesma página, ele admite, “Agora, “dependência” não é
um conceito muito preciso.
[10] - Veja Systematic Theology, Ultimate
Questions, Commentary on Ephesians, e “The Problem of Evil”. Veja também,
Predestination e God and Evil de Gordon Clark.
[11] - Isto é, se algo “depende de” Deus, então não
“depende de” nós.
[12] - Isto é, se algo “depende de” nós, então não
“depende de” Deus. E visto que Ganssle contende que algumas ou muitas coisas
são “dependentes” de nós, segue-se que algumas ou muitas coisas não são
“dependentes” de Deus. Portanto, a menos que o “determinismo” seja absoluto e
compreensivo, ele é apenas outra palavra para uma “dependência” similar à
nossa, mesmo que seja maior em grau ou mais frequente em ocorrências.
[13] - Não há lugar lógico
para a liberdade humana entrar na discussão; tem que ser arbitrariamente
introduzido por força.
[14] - Lembre-se que
Ganssle falha em justificar esta declaração, e não aceitamos isso. Mas isto é o
que ele assevera.
[15] - Novamente, negamos
isto, mas isto é o que Ganssle assevera sem justificação.
[16] - Ganssle, p. 137.
[17] - Ibid., p. 131.
[18] - Concordo com ele no
sentido que eu afirmo que, se uma ação é completamente determinada por Deus,
então a pessoa que realiza a ação não é, em nenhum sentido, livre de Deus.
Portanto, o determinismo divino e a liberdade humana são mutuamente exclusivos.
Aqueles que asseveram que estes dois são de fato compatíveis
invariavelmente, definem determinismo duma maneira que Deus, na realidade, não
determina todas as coisas, em cujo caso não é o determinismo sobre o qual estou
falando; ou, eles esquecem que estamos considerando um tipo de liberdade com
relação a Deus (ser livre de Deus), em cujo caso a liberdade é considerada
irrelevante.
Nota sobre o autor: Vincent
Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério
Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de
palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e
espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando
cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica
como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na
Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts.