sexta-feira, 19 de agosto de 2022

 

A Criação do Mundo / Herman Bavinck.

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

I. As criaturas, porque são criaturas, estão sujeitas ao tempo e ao espaço, embora nem todas o estejam da mesma forma. O tempo torna possível que uma coisa continue existindo em uma sucessão de momentos, para que uma coisa suceda outra. O espaço torna possível que algo se dissemine para todos os lados, que uma coisa exista ao lado da outra. O tempo e o espaço, portanto, começaram a existir ao mesmo tempo que as criaturas, como modos indissociáveis da existência. Eles não existiam de antemão como moldes vazios a serem preenchidos pelas criaturas, pois, quando não há nada também não há tempo nem espaço. Eles não foram feitos de forma independente, como um acompanhamento, por assim dizer, a parte das criaturas e posteriormente anexados. Em vez disso, eles foram criados em e com as criaturas como os meios em que essas criaturas devem necessariamente existir como criaturas limitadas, finitas.

Agostinho estava certo quando disse que Deus não criou o mundo no tempo, como se ele fosse criado em um molde ou condição previamente existente, mas que Ele o fez junto com o tempo e o tempo junto com o mundo.[1]

 

II. Embora não possamos falar sobre este ponto com absoluta certeza, podemos considerar provável que o céu dos céus, a morada de Deus, tenha sido trazido à existência pelo primeiro ato criativo de Deus relatado em (Gênesis 1: 1) e que, então, os anjos também passaram a existir. Pois, em (Jó 38: 4-7) o Senhor, a partir de um turbilhão, responde a Jó que ninguém estava presente quando lançou os fundamentos e estabeleceu os alicerces da terra, mas que completou esse trabalho acompanhado pelo canto das estrelas da manhã e os brados de alegria dos filhos de Deus. Estes filhos de Deus são os anjos. Os anjos, portanto, estavam presentes na conclusão da terra e na criação do homem. No mais, pouquíssimo nos é dito sobre a criação do céu dos céus e seus anjos. Depois de mencioná-lo brevemente no primeiro versículo, o relato de Gênesis prossegue no segundo versículo com o relato amplo sobre a finalização da terra. Tal finalização ou organização era necessária, pois, embora a terra já estivesse pronta, existiu por um tempo num estado vazio e desabitado, estando coberta de trevas. Não lemos que a terra se tornou desabitada, isto é, sem forma. Alguns defenderam isso e, ao assumirem essa posição, pensaram num julgamento pela queda dos anjos que recaiu sobre a terra já aperfeiçoada. Mas (Gênesis 1: 2) relata meramente que a Terra estava sem forma, isto é, que existia em um estado amórfico ou disforme, indiferenciada na luz e nas trevas, nos vários corpos de água, terra seca e mar.

 

Foram apenas as obras de Deus, descritas em (Gênesis 1:3-10), que acabaram com a falta de forma da terra. Só assim é relatado que a terra original era um vazio. Faltava o adorno das plantas e das árvores, e ainda não era habitada por nenhum ser vivo. As obras de Deus, resumidas em (Gênesis 1:11ss.), puseram fim a esse vazio da terra, pois, Deus não criou a terra para que fosse um vazio, mas para que os homens vivessem nela (Isaías 45:18). Claramente, portanto, as obras de Deus na organização e finalização dessa terra sem forma e vazia são divididas em dois grupos. O primeiro grupo de obras ou atos é introduzido pela criação da luz. Traz diferenciação e distinção à existência, forma e aspecto, tom e cor. O segundo grupo começa com a formação dos portadores de luz, sol, lua e estrelas, e favorece para, posteriormente, povoar a terra com habitantes - pássaros e peixes, animais e homens. [2]

 

III. Toda a obra da criação — de acordo com o reiterado testemunho das Escrituras [3] — foi concluído em seis dias. Houve, no entanto, uma grande quantidade de diferentes opiniões e de franca especulação sobre esses seis dias. Ninguém menos que Agostinho julgou que Deus havia feito tudo perfeito e completo de uma só vez, e que os seis dias não foram seis períodos sucessivos de tempo, mas apenas diferentes perspectivas pelas quais a classificação e a ordenação das criaturas poderiam ser observadas. Por outro lado, há muitos que defendem que os dias da criação devem ser considerados períodos de tempo muito mais longos que as unidades de vinte e quatro horas. As escrituras falam muito precisamente de dias que são contados pela medição da noite e da manhã e que se encontram na base da distribuição dos dias da semana em Israel e seu calendário festivo. Não obstante, as próprias Escrituras contêm dados que nos obrigam a pensar nos dias de Gênesis como distintos de nossas unidades conhecidas, determinadas pelas rotações da Terra. Em primeiro lugar, não podemos assegurar se o que nos é dito em (Gênesis 1:1-2) precede o primeiro dia ou está incluído nesse dia. A favor da primeira proposição está o fato de que, de acordo com o versículo 5, o primeiro dia começa com a criação da luz e, após a tarde e à noite, termina na manhã seguinte.

 

Mas, mesmo que se reconheça os eventos de (Gênesis 1:1-2) como o primeiro dia, o que se obtém dessa hipótese é um dia muito incomum que, por um tempo, consistiu em trevas. E a duração dessas trevas que precederam a criação da luz não é indicada em nenhum lugar. Em segundo lugar, os três primeiros dias (Gn 1:3-13) devem ter sido muito diferentes dos nossos. Nossas vinte e quatro horas do dia são executadas pela rotação da terra em seu eixo e, respectivamente, acompanhada pela distinta relação das rotações com o sol. Mas, esses três primeiros dias não poderiam ter sido constituídos dessa maneira. É verdade que a diferenciação entre eles foi marcada pelo surgimento e desaparecimento da luz. Mas, o próprio livro de Gênesis nos diz que o sol, a lua e as estrelas não foram formadas até o quarto dia. Em terceiro lugar, é indubitavelmente possível que a segunda série de três dias tenha sido constituída da maneira usual. Mas se levarmos em conta que a queda dos anjos e dos homens, e também o dilúvio, que se seguiram mais tarde, causou todo tipo de alterações no cosmos, e se, além disso, notarmos que em todos os âmbitos o período de transformação difere notavelmente do desenvolvimento normal, não parece improvável que, em muitos aspectos, a segunda série de três dias também diferisse dos nossos dias.

 

Por fim, merece consideração que tudo o que, de acordo com (Gênesis 1 e 2), ocorrera no sexto dia, dificilmente possa ser aglomerado no ínfimo da duração de um dia como hoje o conhecemos. Pois, naquele dia, de acordo com as Escrituras, ocorreu a criação dos animais (Gênesis 1:24-25), a criação de Adão (Gênesis 1:26 e 2:7), o plantio do jardim (Gênesis 2: 8-14), o anúncio do mandamento probatório (Gênesis 2: 16-17), o comando de Adão sobre os animais a e suas designações (Gênesis 2: 18-20), e o sono de Adão e a criação de Eva (Gênesis 2: 21-23). [4]

 

Notas: [1] Nossa Fé Razoável, p. 170. [2] op. cit., p. 171. [3] Gêneses 1:2; Êxodo 20:11 e 31:17.

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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