quinta-feira, 18 de agosto de 2022

 

Carta de João Calvino ao Reformador Thomas Cranmer, Arcebispo Protestante de Cantuária.

(Datado em Genebra, Abril de 1552). 

Em 20 de Março de 1552, o Arcebispo e Reformador da Igreja Inglesa Thomas Cranmer propôs que um sínodo fosse organizado pelas Igrejas Reformadas na Europa para responder aos erros doutrinários do Concílio de Trento, realizado em 1545. A carta abaixo foi a resposta de Calvino ao Reformador Inglês, em abril de 1552. 

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

O contexto da carta.

Em 20 de Março de 1552, o Arcebispo e Reformador da Igreja Inglesa Thomas Cranmer propôs que um sínodo fosse organizado pelas Igrejas Reformadas na Europa para responder aos erros doutrinários do Concílio de Trento, realizado em 1545. A carta abaixo foi a resposta de Calvino ao Reformador Inglês, em abril de 1552.

 

 

Datado em Genebra, abril de 1552.


 

Ilustríssimo senhor, é realmente sábio julgar que, diante do conturbado estado atual da Igreja, seja adotado como o mais adequado remédio o congregar um conjunto de homens piedosos e zelosos, e que sejam bem disciplinados na escola de Cristo, para que professem abertamente um consenso sobre as doutrinas da religião. Pois temos visto que, por vários meios, Satanás tem se empenhado em abolir a luz do evangelho que, tendo surgido sobre nós através da maravilhosa bondade de Deus, está resplandecendo em todas as regiões. Os cães mercenários do papa têm latido incessantemente para que a pura palavra de Cristo não seja ouvida. Tamanha é a libertinagem que em todos os lugares a impiedade fervilha em constante ebulição, de modo que a religião tem sido apenas um pouco melhor que um escárnio público. Mesmo aqueles que não são declaradamente hostis à verdade têm cedido lugar à devassidão, o que, se não for controlado, ocasionará numa triste confusão. O mais vergonhoso é constatar que mesmo esta enfermidade, de curiosidade tola e audácia desenfreada, que prevalecia apenas entre as pessoas comuns, está se tornando muito comum entre os membros do clero.

  

Osiander* é muito conhecido por seus devaneios, que têm enganado a si mesmo e atraído tantas outras pessoas. O Senhor, como tem feito de forma maravilhosa desde o princípio do mundo e por meios desconhecidos por nós, é de fato capaz de preservar a verdade de ser dilacerada pelas dissensões dos homens. No entanto, desde que nomeou seus ministros, a quem Ele próprio concedeu um mandato, de modo algum permitiria que ficassem inertes, pois é pelo auxílio destas pessoas que Ele pode purificar de toda a corrupção a sã doutrina na igreja e transmiti-la de forma íntegra à posteridade. A ti mesmo, prelado muito talentoso e proporcionalmente de elevada posição, é especialmente necessário prestar toda atenção a esses assuntos, como tens feito.

 

E não digo isso como se considerasse ser necessário estimular-te novamente, visto que não apenas tem nos superado, mas também, por sua própria iniciativa e vontade, tem se apressado a exortar outros; mas que eu possa ao menos encorajar-te e felicitar-te por teu exultante e excelente curso de ação. Ouvimos que de fato o Evangelho tem alcançado um progresso favorável na Inglaterra. Mas não duvido que daqui em diante, como no caso em que Paulo experimentou em seu tempo, que ao abrir uma porta para receber a pura doutrina, encontres o surgimento de muitos adversários. Embora esteja ciente do número de defensores bem qualificados que tens à disposição, para enfrentar e refutar as mentiras de Satanás, a diligência de homens bons a esse respeito nunca pode ser considerada excessiva ou supérflua, pois, ainda assim há a maldade daqueles cujo grande trabalho é criar confusão. Um próximo ponto é que também sei que teu cuidado não se limita apenas à Inglaterra, mas que tens ao mesmo tempo sido atencioso com o mundo todo. Assim, não somente a disposição generosa de tão sereno rei deve ser admirada ao oferecer um local de encontro dentro de seu reino, mas também tua rara piedade, que tem honrado favoravelmente o desígnio divino em estabelecer uma assembleia desse tipo. Gostaria que isso fosse realizado, para que homens eruditos e grandiosos das principais igrejas pudessem se encontrar num local designado e, após diligentes considerações de cada regra de fé, entregassem à posteridade um formulário claro de doutrina, de acordo com uma posição unificada. Mas, deve ser também considerado entre os maiores males do nosso tempo:

 

Que as igrejas são tão afastadas umas das outras que dificilmente o convívio habitual próprio da sociedade tem lugar entre elas; muito menos aquela comunhão dos membros de Cristo, que todas as pessoas professam com os lábios, embora poucas a honrem sinceramente em sua prática. Mas, se os mestres se comportam com mais frieza do que deveriam a principal culpa recai sobre os próprios soberanos, que se deixam enredar por assuntos seculares, desconsiderando o bem-estar da igreja e toda a piedade; ou, satisfeitos cada um deles com sua própria tranquilidade individual, não são tocados por nenhum sentimento de preocupação para com os outros. Assim sendo, os membros estão dispersos e o corpo da igreja está despedaçado. No que me diz respeito, se pudesse prestar algum serviço, não recuaria de atravessar dez mares se necessário para alcançar esse objeto. Se prestar cuidadosa assistência ao reino da Inglaterra fosse o único ponto em questão, isso por si só seria suficiente motivo para mim. Mas agora, quando o objetivo procurado é um entendimento, segundo o padrão das escrituras, seriamente reconhecido e bem formulado por homens eruditos, pelo qual as igrejas, que de outra forma permaneceriam separadas umas das outras, possam ser unidas, não consideraria apropriado afastar-me por quaisquer trabalhos ou dificuldades. Mas, espero que minha impossibilidade suscite-me justificativas. Dando continuidade às minhas orações em favor dos demais terei cumprido suficientemente o meu dever. Mestre Philip [Melancthon] está muito longe para que as cartas sejam recebidas e respondidas em pouco tempo. Mestre Bullinger provavelmente já te respondeu.

 

Desejo ter correspondido com eficiência ao ardor de minhas inclinações. No entanto, o que declinei de fazer a princípio, pela própria complexidade da situação, da qual estás sensível, sou compelido agora a tentar; ou seja, não apenas a exortar-te, mas implorar-te que, mesmo se todas as coisas não aconteçam de acordo com o que desejas, persevere até que pelo menos algo seja realizado. Adeus, prelado mais talentoso e verdadeiramente honrado, que o Senhor continue a guiar-te pelo Seu Espírito e que abençoe aos teus santos esforços! 



Genebra - Suíça / Abril de 1552.


 

*Andreas Osiander (1498 –1552) foi um teólogo luterano alemão. O peculiar dogma de Osiander era que a justiça pela qual os crentes são justificados é uma justiça essencial da natureza divina infundida ou comunicada pela habitação da Deidade em cada crente, deturpando a justificação pela fé mediante o sacrifício de Cristo. Calvino refuta essa noção de Osiander em sua Instituição da Religião Cristã, ver na Edição da Editora UNESP, São Paulo, 2009, Tomo 2, Livro 3, Cap. XI, §5, p. 195ss.

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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