Carta de Martin Bucer para João Calvino. (Datado em Cambridge no domingo de Pentecostes, 1550.)
Realmente preciso do conforto de vossas cartas. Pois, embora tenha neste país amigos e irmãos fiéis no Senhor, não sei por qual motivo não estão me querendo aqui, por isso desejo ansiosamente informar-me sobre meus velhos amigos e colegas, há muito provados, para saber como estão progredindo na obra do Senhor e também para que possam me aconselhar, confortar e exortar.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
Datado em Cambridge no domingo de Pentecostes, 1550.
Realmente
preciso do conforto de vossas cartas. Pois, embora tenha neste país amigos e irmãos
fiéis no Senhor, não sei por qual motivo não estão me querendo aqui, por isso
desejo ansiosamente informar-me sobre meus velhos amigos e colegas, há muito
provados, para saber como estão progredindo na obra do Senhor e também para que
possam me aconselhar, confortar e exortar. De tempos em tempos enviam-me
relatos de minha cidade natal e de outras partes da Alemanha, os quais em
grande medida angustiam minha mente, e de igual modo, a maneira como a causa de
Cristo é conduzida neste país, que, a menos que o Senhor olhe com sua peculiar
misericórdia para o nosso ingênuo e religioso rei e para alguns outros
indivíduos piedosos, é de se temer muito, que em breve, a terrível ira de Deus
também possa arder contra este reino.
Os
bispos ainda não conseguiram chegar a um acordo quanto à doutrina cristã, muito
menos quanto à disciplina, e muito poucas paróquias têm pastores qualificados
para o seu serviço. A maioria deles se vendem à nobreza, mesmo entre os da
ordem eclesiástica e também entre aqueles que desejam ser considerados
evangelistas, há indivíduos que detêm o controle de três ou quatro paróquias,
ou até mais, sem ao menos ministrar em qualquer uma delas; antes nomeiam
substitutos que se satisfazem com o mínimo de estipêndio, estes, em sua
maioria, não conseguem nem mesmo ler em inglês e no íntimo são meros papistas.
A
nobreza também prefere manter em muitas paróquias aqueles que estiveram em
mosteiros e que são absolutamente indoutos e completamente impróprios para o
ofício sagrado; e isso, apenas para se livrarem do encargo do pagamento dos subsídios
anuais. Consequentemente, pode-se encontrar paróquias nas quais não se prega um
sermão há alguns anos.
E
tu sabes do quão pouco pode ser realizado para a restauração do reino de Cristo
através de meras ordenanças e remoções dos utensílios de superstição. Cada uma das universidades deste país possui
excelentes faculdades, providas de vultosas doações e proveitosos estatutos,
que não se encontram em nenhuma outra universidade no mundo. A maioria dessas
faculdades mantêm acima de cem estudantes; além de muitas pessoas serem
extremamente bem instruídas, promovem também respeitosas feiras de trajes e
livros.
É
dessas faculdades que, de tempos em tempos, deveriam sair uma multidão de fiéis
ministros; pois, é exigido a todos os mestres em Artes que também se tornem
estudantes em Teologia, com exceção apenas de quatro deles em cada faculdade,
uma vez que se espera que dois deles estudem Medicina e dois outros Direito. Mas,
há muito tempo existe uma conivência que é especialmente predominante neste
momento, a grande maioria dos membros são indesejáveis papistas ou devassos
epicuristas que, na medida em que são capazes, atraem ao seu modo de pensar
jovens para incuti-los de uma aversão à sã doutrina e à disciplina cristã.
E
até mesmo nossos amigos são tão parcimoniosos em seus sermões que mesmo durante
toda a Quaresma, que eles ainda fazem questão de observar, não pregam uma vez
se quer ao povo, com exceção de um ou dois domingos, nem mesmo em dias
celebrativos como a morte e ressurreição de Cristo ou como o dia de hoje [Dia de Pentecostes]. Às vezes, também em muitas paroquiais os clérigos
recitam e administram os cultos de modo que as pessoas não tenham um maior
conhecimento dos mistérios de Cristo, como se o latim ainda estivesse em uso,
em lugar do vernáculo.
E
quando homens piedosos fazem reclamações aos governantes do reino a respeito
desses lamentáveis desvios da igreja, os mesmos dizem que esse é um assunto
para os bispos, estes devem reparar o mal; quando a demanda é levada aos bispos,
muitos dos quais professam o Evangelho, a resposta é que nada podem fazer sem
que se tenha um ato do parlamento com essa finalidade. E embora o grande
conselho da nação se reúna todos os anos, muitos temas seculares são
priorizados em detrimento da causa de Cristo, que não encontra espaço para ser atendida.
Então,
submetem a consideração desses assuntos à outras tantas pessoas, que apresentam
opiniões tão discordantes, que nem conseguem se reunir num mesmo lugar, muito
menos chegar a uma adequada e unânime resolução sobre assuntos de tal importância.
Querem postergar a causa de Cristo, tanto os bispos, a quem a indolência e a
luxúria do anticristo parecem ser mais aprazíveis do que a Cruz de Cristo,
quanto os nobres, que favorecem aos mesmos com muitas de suas atividades; sendo
enriquecidos pelas posses da igreja, preferem perpetuar a atual desolação da
igreja e garantir seus próprios interesses do que considerar a divina reforma. Além
desses males devemos observar ainda que, não poucas pessoas, mesmo deixando de
lado toda cobiça depois de um verdadeiro arrependimento, tendo acolhido a fé,
as boas obras, a comunhão e a disciplina da igreja, nada mais fazem do que
entrar em controvérsias e contendas, e muitas vezes profanam nossos sacramentos
e cultos sagrados, afastando Cristo, nosso Salvador, ao confina-Lo unicamente
ao seu lugar no céu.
São
aqueles que seguem principalmente mestres que ousam escrever e afirmar
publicamente que é fanatismo a tentativa de elaborar qualquer sistema
eclesiástico e de disciplina penitencial, por meio do qual os ofensores devem ser
obrigados abertamente a buscar o arrependimento, e quando isso for realizado,
ser perdoados de suas ofensas e receber a absolvição da igreja por seus pecados pessoais. Assim, por seu
próprio entendimento, se permitem colocar interpretações sobre qualquer parte
da palavra de Deus, por mais clara que seja. Ambos os motivos indicam que esses
têm aversão, para não dizer ódio, daqueles que ensinam corretamente a verdade. Excelentíssimo
Calvino, escrevi a ti de forma franca, para que, assim, possas ser mais
fervoroso em suas orações por estas igrejas e para quando escreveres ao duque
de Somerset, possas adverti-lo seriamente a respeito desta desolação e
infidelidade das igrejas, que, com muito poucas exceções, são confiadas àqueles
que não têm o conhecimento de Cristo e nem se importam em conhecer qualquer
coisa sobre Ele. Peço, além disso, que ninguém, exceto Farell e Viret, leiam esta carta; pois estais! ciente do quanto
seria inadequado que estas coisas viessem a público, especialmente por nosso
intermédio. Redobre suas orações pelo sereno rei, que está fazendo um progresso
maravilhoso tanto em piedade quanto em erudição. Havendo papistas furiosos por
toda parte, que observam e constatam que o rei está exercendo todo o seu poder
para restaurar o Reino de Cristo, humanamente falando, é fácil perceber o
perigo que ele corre. Percebem que sua irmã mais velha [1] defende e persevera
no papismo, seja por sua própria disposição, seja pela confiança depositada em
seu primo [2].
Mas,
certamente a frieza de nossos esforços em favor do reino de Cristo asseguram
essas ameaças e oposições. Agradeça ao Senhor comigo, por ter, em grande
medida, me aliviado da enfermidade que pela segunda vez me acometeu severamente
até meados de março. Pois, novamente, estou sendo capaz de cumprir em alguma
medida os meus deveres, embora ainda exista muita fraqueza nas pernas, braços e
mãos, que ainda me impedem de estar em plena atividade. Meu estômago também tem
estado facilmente desordenado e meus intestinos estão em um estado obstinado.
Orai ao Senhor por mim, para que, se possível, livre-me daqui ou, de alguma
maneira, faça-me útil à sua igreja; sim, que ele santifique por meu intermédio
o seu Nome, da maneira que melhor lhe parecer. Adeus a todos os seus amigos, aos
valorosos Farell,
Viret e a seus outros
associados na missão.
Cambridge, Domingo de
Pentecostes, 1550.Vosso, M. BUCER.
[1] Maria, irmã mais velha de Eduardo VI, filha de Henrique VIII e Catarina de Aragão, seria conhecida como Maria, a sanguinária, que ao assumir posteriormente o trono inglês restaurou o papismo e perseguiu os reformadores, promovendo o maior martírio da História da Inglaterra. [2] Carlos V, cuja mãe era irmã de Catarina de Aragão.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
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