Prefácio da Bíblia de Genebra de 1560 / Por João Calvino.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
Breve histórico sobre o dia
da bíblia e a bíblia de Genebra.
O dia da Bíblia surgiu em 1549, na Grã-Bretanha, quando o arcebispo Thomas Cranmer incluiu no Livro de Orações Comum (LOC), no reinado do Rei Eduardo VI, um dia especial para que toda a igreja intercedesse em favor da leitura da Bíblia. A data escolhida foi o segundo domingo do Advento.
A Grande Bíblia, edição de 1539.
A Bíblia em inglês - as Bíblias de Coverdale e Matthew, até a Grande Bíblia (publicada em 1539 e autorizada por Henrique VIII para uso nas igrejas) – eram consideradas como traduções de qualidade inferior. Nesse contexto surgiu em 1557 a ideia de se publicar uma tradução mais adequada aos padrões reformados.
Com
o reinado de Mary, a sanguinária, na Inglaterra que durou de 1553 a 1558, muitos
reformadores foram obrigados a se exilar no continente ou retornarem as suas
regiões de origem. Com isso um grande número de teólogos protestantes ingleses
se estabeleceu em Genebra com o apoio de João Calvino. Com a proteção das
autoridades civis de Genebra e o apoio de Calvino e do reformador escocês John
Knox, a Igreja inglesa de Genebra decidiu produzir uma Bíblia em inglês sem a
necessidade do imprimatur da Inglaterra ou de Roma, aqui se inicia a história
da Bíblia de Genebra. Os tradutores de Genebra produziram inicialmente um Novo Testamento em inglês revisado em 1557, que foi essencialmente
uma revisão da edição revista e corrigida de Tyndale de 1534. Grande parte
desse trabalho foi realizada por William Whittingham, cunhado de Calvino. Logo
após a publicação desse Novo Testamento iniciou-se um vultoso trabalho para uma
edição de toda a Bíblia, um processo que levou mais de dois anos. A nova
tradução foi iniciada com os trabalhos anterior de Theodore Beza sobre o texto
em grego e com os trabalhos de tradução e revisão de diversos colaboradores
dentre eles John Knox e o próprio João Calvino. Em 1560, uma Bíblia completa
foi publicada, traduzida de acordo com os textos hebraico e o grego, e
conferida com as melhores traduções em diversas línguas e, por fim, a edição
foi dedicada à rainha Elizabeth
I. O custo da publicação
da edição de 1560 foi financiado pela congregação inglesa em Genebra. A Bíblia
de Genebra tornou-se excepcionalmente popular por causa de suas anotações e
comentários abundantes.
Por mais de meio século a Bíblia de Genebra influenciou o povo da Inglaterra e da Escócia em sua compreensão e no livre exame das Escrituras. Reconhecendo a superioridade da Bíblia de Genebra à Grande Bíblia, mas desaprovando seu tom evidentemente calvinista, parte do colégio de Bispos Anglicanos preparou e publicou em 1568 uma nova versão oficial da Bíblia em inglês, a Bíblia dos Bispos. Mas a Bíblia de Genebra sobreviveu a esse intento, por continuar como uma versão mais popular e de fácil assimilação.
Com o advento da Bíblia King James de 1611, projeto encampado pelo Rei James I, com o tempo a Bíblia de Genebra começou a perder espaço na preferência do povo de língua inglesa. Mesmo assim continuou tendo certa influência entre os puritanos e não conformistas, e mesmo entre nomes importantes da literatura inglesa. A influência da Bíblia de Genebra é evidente na linguagem dos maiores escritores de seu tempo. Inquestionavelmente, era a versão usada por Shakespeare.
A
linguagem peculiar da Bíblia de Genebra é notada ao longo das peças de
Shakespeare e atesta o conhecimento íntimo deste, não apenas das Escrituras de
Genebra, mas também de seus comentários. A Bíblia de Genebra também era
conhecida e usada pelos dois grandes escritores puritanos do século seguinte -
John Bunyan e John Milton, e ainda continuou influenciando escritores dos
séculos XVI e XVII.
PREFÁCIO DA BÍBLIA DE GENEBRA DE 1560.
Pelo Ilustríssimo Reformador: João Calvino.
“Um resumo das Sagradas Escrituras”
Os
Livros do Antigo Testamento nos ensinam que o DEUS adorado por Adão, Noé, Abraão,
Isaque, Jacó, Davi e nossos outros pais, é o único DEUS verdadeiro, todo-poderoso
e eterno; Quem, de Sua infinita Bondade, criou por Sua PALAVRA
Eterna os Céus, a Terra e tudo o que neles há; de quem todas as coisas
procedem; sem quem nada existe; quem executa a justiça, as bem-aventuranças e
plenamente todas as outras coisas como bem lhe apraz, e não se aborrece que
alguém pergunte presunçosamente: por que Ele realiza algo de uma forma ou de
outra. Além disso, esses Livros nos permitem entender que o DEUS
Altíssimo e Todo-Poderoso, depois de ter criado todas as coisas, formou Adão,
o primeiro homem, e isso à Sua própria imagem e semelhança; nomeando e
estabelecendo-o Senhor sobre todas as criaturas da Terra. Que Adão, através do
ódio e do engano do Diabo, caiu em desobediência, agindo e sendo diligente na obediência
ao mandamento de seu Criador; e, por seu pecado, trouxe ao mundo a contaminação
e o veneno do pecado, que tornou todos nós que dele descendemos, desde o nosso
nascimento, merecedores da ira e do castigo de DEUS,
participantes da morte e da condenação, escravizados sob o poder e a tirania do
Diabo.
Aprendemos
também, nesses excelentes livros, que, antigamente, DEUS
prometeu a Adão, Abraão, Isaque, Jacó, Davi e outros dos antigos, que Ele enviaria
a Semente Abençoada, Seu Filho JESUS CRISTO, nosso Salvador: quem deve libertar
do pecado, e da tirania e da escravidão do Diabo, aqueles que, com uma fé viva
e frutífera, devem acreditar nessa promessa e confiar em JESUS CRISTO, na certeza
que alcançaram nEle, e somente nEle, essa promessa de libertação e liberdade.
Também
eles nos mostram e nos fazem entender que, apesar de os antigos pais israelitas
esperarem a salvação e a libertação prometidas, ainda assim, o homem permaneceu
em sua natureza absolutamente soberba
e corrompida que, por sua
própria vontade, não se reconheceu pecador, e sem considerar o tão prometido
Salvador, que DEUS o Criador deu, por Moisés, Sua Lei escrita em Duas
Tabelas de Pedra, para que os homens aprendessem quão grande é a Depravação e
Maldade do Coração Humano; para que dessa forma pudessem por fim desejar
ardentemente a vinda de JESUS CRISTO, que os deveria redimir e libertar do
pecado; o que não poderia ser feito pela Lei, nem pelas vítimas dos sacrifícios
da Lei, que apenas serviam para representar e tipificar a Oferta Real, que JESUS CRISTO faria de Seu Próprio Corpo, pela Oblação do qual
todo o pecado deve ser apagado e abolido. Os Livros do Novo Testamento nos
informam que o Grande Rei e Messias Prometido, JESUS CRISTO,
que é verdadeiramente DEUS, digno de todo o louvor para sempre, tipificado e
representado nos Livros do Antigo Testamento, foi finalmente enviado pelo PAI,
no tempo em que o PAI havia ordenado e estabelecido em Si mesmo; isto é, quando
a iniquidade e a abominação abundavam no mundo.
E
o Salvador JESUS CRISTO foi assim enviado, e tomou sobre Si a Carne Humana, e
sofreu a Morte, e voltou à Vida; não por causa das Boas Obras que alguém havia
feito, pois todos são pecadores, mas, para que DEUS, nosso Pai, cuja Palavra é
a Verdade, possa nos dar as grandes riquezas de Sua Graça conforme havia
prometido, e pode nos salvar por Sua misericórdia.
É,
então, claramente mostrado para nós no Novo Testamento, que JESUS CRISTO, o verdadeiro Cordeiro e o verdadeiro sacrifício,
expurgou os pecados dos homens, veio ao mundo nos reconciliar com Seu PAI
e nos restaurar ao Seu favor e amor, nos purificando de nossos pecados pelo seu
sangue, até que ao fim nos liberte da escravidão do Diabo, por quem somos feitos
cativos e escravos sempre que caímos no pecado, e nos adotar, tornando-nos
filhos de Deus, para sermos herdeiros e participantes de seu Magnífico e Grandioso
Reino. Até que por fim, para que possamos conhecer esse excepcional e excelente
benefício que DEUS nos concedeu, Ele nos dá Seu ESPÍRITO SANTO, cujo fruto e efeito é o de nos fazer crer em DEUS
e no Rei e Messias a quem enviou. Pois, certamente, sem a operação do ESPÍRITO SANTO, pelo qual somos ensinados e com o qual somos
selados e temos a garantia e a certeza das coisas em que acreditamos, não
poderíamos crer que DEUS enviou o Messias para o mundo, nem que JESUS CRISTO é esse Messias. Pois, como diz São Paulo: “Ninguém
pode confessar que JESUS
é SENHOR” e Deus, tendo
poder para salvar, a menos que seja pelo “poder e inspiração do ESPÍRITO SANTO”. Este mesmo ESPÍRITO é
o que testemunha ao nosso espírito e nos faz crer que somos filhos de Deus, e
nos enche da grande caridade e amor que São Paulo descreve aos coríntios.
Além
de Fé e Caridade, esse mesmo ESPÍRITO nos dá o vigor da Esperança, para aguardarmos em
indelével expectativa pela Vida Eterna, Vida que nos é uma promessa, penhor de nossa
segurança; e nos dá também outros benefícios e dons espirituais, dos quais São
Paulo escreve aos gálatas. Não devemos considerar que os frutos da fé são
insignificantes ou de pouca eficácia; pois pela confiança e fé em JESUS CRISTO, que se mostra em obras de amor e constrange o
homem a fazê-las, somos também feitos justos e santos, a saber, DEUS,
o Pai de nosso Senhor JESUS
CRISTO, que também é
nosso Pai, por causa da adoção que recebemos em JESUS CRISTO,
nosso irmão, nos considera justos e santos, unicamente por Seu favor e bondade,
através do mérito e satisfação de seu filho JESUS CRISTO,
não levando mais em conta nossos pecados e não nos condenando mais, por causa
deles, à morte e miséria eternas. Por fim, JESUS CRISTO
veio a este mundo para que, depois de termos sido purificados de nossos pecados
e santificados pela fé nEle, devêssemos segui-lo em seus exemplos, cumprindo
Sua vontade em fazer boas obras e renunciando a todas as coisas carnais. Trabalhando
e servindo-O, de boa vontade, e vivendo com justiça e santidade todos os dias
de nossa vida; e que através das boas obras que, antes de nosso chamado, DEUS havia
preparado e determinado para que fossem feitas por nós, assim, devemos
demonstrar nosso chamado com esses benefícios e dom de fé. E quem não realiza essas
boas obras mostra que não tem a fé em Jesus Cristo e desobedece ao que Ele exige
de nós.
A
este Salvador devemos buscar e apreciar, e com grande ousadia segui-Lo, para
que Ele nos instrua; pois Ele é nosso Mestre - terno e humilde de coração:
nosso exemplo e modelo, a quem devemos considerar como padrão de vida. Além disso,
ele é o Bispo e Pastor de nossas almas, o grande Sacerdote e oferta pelos
pecados, pois Ele mesmo ofereceu seu próprio sangue por nós; nossa Expiação, o
Mediador entre DEUS e os homens, que agora está à direita de Deus, seu Pai,
sendo nosso Advogado e Intercessor, que incessantemente tem orado por nós; que
indubitavelmente obterá do PAI aquilo que pedimos a Ele, ou ao PAI em Seu Nome;
desde que, ao rogarmos, acreditemos firmemente que será assim porque assim Ele
o prometeu.
Quando
pecamos, por meio dEle e sem temor, com verdadeiro arrependimento, para o qual JESUS CRISTO nos convida e nos exorta desde o início de Sua
pregação, e com fé firme e viva, temos acesso ao trono de Deus, onde Ele sempre
se senta, não para exercer Vingança, mas para mostrar Favor a quem pedir, e Ele
será misericordioso, pois Ele veio ao mundo para que, por Sua Graça, pudesse
salvar pecadores.
JESUS CRISTO,
em verdade, virá, após o tempo determinado por Seu PAI, e assentará sobre Seu
Trono com grande Majestade, e julgará todos os homens, e determinará a cada um
segundo suas obras, sejam elas boas ou más; e dirá aos que estão à sua direita,
que neste mundo esperavam coisas boas por vir, isto é, a Vida Eterna:
"Vinde, vós que" são escolhidos do meu
PAI para a Vida Eterna, "tomem posse do Reino que é preparado" a você
e designado antes da "criação do Mundo".
E,
ao contrário, para aqueles "em Sua Mão Esquerda”, ele dirá:
"Afaste-se de mim", criaturas malditas e
réprobas, “para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”.
Então,
certamente, será o fim do mundo, quando JESUS CRISTO,
depois de ter triunfado sobre todos os seus inimigos, consumado todas as coisas,
restaurará a DEUS seu pai, o reino que agora Ele possui.
Para que possamos aprender tudo o que aqui foi exposto,
a bondade de Deus desejou que, por meio de seu Espírito Santo, os livros da
bíblia nos fossem dados por escrito e ordenou a pregação da doutrina neles
contida.
Ele
também nos deu Seus Sacramentos, pelos quais a verdade dessa mesma Doutrina é,
por assim dizer, demonstrada como sinal; para que possamos saber e crer que
existe apenas um Deus verdadeiro e um único Jesus Cristo, a quem Ele enviou
como prometeu, e que, crendo, poderemos ter Vida Eterna através do mesmo Jesus
Cristo.
Não
há outro fundamento pelo qual se possa estar na Igreja de CRISTO;
com base nisso que São Paulo diz que necessariamente quem proclama outra fé e
salvação que não seja através de JESUS
CRISTO - mesmo que ele
seja um anjo do céu – seja considerado anátema, reprovado e destituído de DEUS.
A
DEUS Pai, então, de quem, e por quem, e para quem são
todas as coisas; e a JESUS
CRISTO nosso Senhor, que
redimiu o mundo ao Pai; e ao ESPÍRITO
SANTO, seja Honra e
Glória eternamente.
Amém.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
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