sábado, 20 de agosto de 2022

 

Prefácio da Bíblia de Genebra de 1560 / Por João Calvino.

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

Edição de 1560 da Bíblia de Genebra.

Breve histórico sobre o dia da bíblia e a bíblia de Genebra.

O dia da Bíblia surgiu em 1549, na Grã-Bretanha, quando o arcebispo Thomas Cranmer incluiu no Livro de Orações Comum (LOC), no reinado do Rei Eduardo VI, um dia especial para que toda a igreja intercedesse em favor da leitura da Bíblia. A data escolhida foi o segundo domingo do Advento. 

A Grande Bíblia, edição de 1539. 

A Bíblia em inglês - as Bíblias de Coverdale e Matthew, até a Grande Bíblia (publicada em 1539 e autorizada por Henrique VIII para uso nas igrejas) – eram consideradas como traduções de qualidade inferior. Nesse contexto surgiu em 1557 a ideia de se publicar uma tradução mais adequada aos padrões reformados.

Com o reinado de Mary, a sanguinária, na Inglaterra que durou de 1553 a 1558, muitos reformadores foram obrigados a se exilar no continente ou retornarem as suas regiões de origem. Com isso um grande número de teólogos protestantes ingleses se estabeleceu em Genebra com o apoio de João Calvino. Com a proteção das autoridades civis de Genebra e o apoio de Calvino e do reformador escocês John Knox, a Igreja inglesa de Genebra decidiu produzir uma Bíblia em inglês sem a necessidade do imprimatur da Inglaterra ou de Roma, aqui se inicia a história da Bíblia de Genebra. Os tradutores de Genebra produziram inicialmente um Novo Testamento em inglês revisado em 1557, que foi essencialmente uma revisão da edição revista e corrigida de Tyndale de 1534. Grande parte desse trabalho foi realizada por William Whittingham, cunhado de Calvino. Logo após a publicação desse Novo Testamento iniciou-se um vultoso trabalho para uma edição de toda a Bíblia, um processo que levou mais de dois anos. A nova tradução foi iniciada com os trabalhos anterior de Theodore Beza sobre o texto em grego e com os trabalhos de tradução e revisão de diversos colaboradores dentre eles John Knox e o próprio João Calvino. Em 1560, uma Bíblia completa foi publicada, traduzida de acordo com os textos hebraico e o grego, e conferida com as melhores traduções em diversas línguas e, por fim, a edição foi dedicada à rainha Elizabeth I. O custo da publicação da edição de 1560 foi financiado pela congregação inglesa em Genebra. A Bíblia de Genebra tornou-se excepcionalmente popular por causa de suas anotações e comentários abundantes.

 

Por mais de meio século a Bíblia de Genebra influenciou o povo da Inglaterra e da Escócia em sua compreensão e no livre exame das Escrituras. Reconhecendo a superioridade da Bíblia de Genebra à Grande Bíblia, mas desaprovando seu tom evidentemente calvinista, parte do colégio de Bispos Anglicanos preparou e publicou em 1568 uma nova versão oficial da Bíblia em inglês, a Bíblia dos Bispos. Mas a Bíblia de Genebra sobreviveu a esse intento, por continuar como uma versão mais popular e de fácil assimilação.

Rei James I da Inglaterra e VI da Escócia por John De Critz, o Ancião. 

Com o advento da Bíblia King James de 1611, projeto encampado pelo Rei James I, com o tempo a Bíblia de Genebra começou a perder espaço na preferência do povo de língua inglesa. Mesmo assim continuou tendo certa influência entre os puritanos e não conformistas, e mesmo entre nomes importantes da literatura inglesa. A influência da Bíblia de Genebra é evidente na linguagem dos maiores escritores de seu tempo. Inquestionavelmente, era a versão usada por Shakespeare.

A linguagem peculiar da Bíblia de Genebra é notada ao longo das peças de Shakespeare e atesta o conhecimento íntimo deste, não apenas das Escrituras de Genebra, mas também de seus comentários. A Bíblia de Genebra também era conhecida e usada pelos dois grandes escritores puritanos do século seguinte - John Bunyan e John Milton, e ainda continuou influenciando escritores dos séculos XVI e XVII.


PREFÁCIO DA BÍBLIA DE GENEBRA DE 1560. 

Pelo Ilustríssimo Reformador: João Calvino. 

“Um resumo das Sagradas Escrituras”  

Os Livros do Antigo Testamento nos ensinam que o DEUS adorado por Adão, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Davi e nossos outros pais, é o único DEUS verdadeiro, todo-poderoso e eterno; Quem, de Sua infinita Bondade, criou por Sua PALAVRA Eterna os Céus, a Terra e tudo o que neles há; de quem todas as coisas procedem; sem quem nada existe; quem executa a justiça, as bem-aventuranças e plenamente todas as outras coisas como bem lhe apraz, e não se aborrece que alguém pergunte presunçosamente: por que Ele realiza algo de uma forma ou de outra. Além disso, esses Livros nos permitem entender que o DEUS Altíssimo e Todo-Poderoso, depois de ter criado todas as coisas, formou Adão, o primeiro homem, e isso à Sua própria imagem e semelhança; nomeando e estabelecendo-o Senhor sobre todas as criaturas da Terra. Que Adão, através do ódio e do engano do Diabo, caiu em desobediência, agindo e sendo diligente na obediência ao mandamento de seu Criador; e, por seu pecado, trouxe ao mundo a contaminação e o veneno do pecado, que tornou todos nós que dele descendemos, desde o nosso nascimento, merecedores da ira e do castigo de DEUS, participantes da morte e da condenação, escravizados sob o poder e a tirania do Diabo.

 

Aprendemos também, nesses excelentes livros, que, antigamente, DEUS prometeu a Adão, Abraão, Isaque, Jacó, Davi e outros dos antigos, que Ele enviaria a Semente Abençoada, Seu Filho JESUS CRISTO, nosso Salvador: quem deve libertar do pecado, e da tirania e da escravidão do Diabo, aqueles que, com uma fé viva e frutífera, devem acreditar nessa promessa e confiar em JESUS CRISTO, na certeza que alcançaram nEle, e somente nEle, essa promessa de libertação e liberdade.

 

Também eles nos mostram e nos fazem entender que, apesar de os antigos pais israelitas esperarem a salvação e a libertação prometidas, ainda assim, o homem permaneceu em sua natureza absolutamente soberba e corrompida que, por sua própria vontade, não se reconheceu pecador, e sem considerar o tão prometido Salvador, que DEUS o Criador deu, por Moisés, Sua Lei escrita em Duas Tabelas de Pedra, para que os homens aprendessem quão grande é a Depravação e Maldade do Coração Humano; para que dessa forma pudessem por fim desejar ardentemente a vinda de JESUS CRISTO, que os deveria redimir e libertar do pecado; o que não poderia ser feito pela Lei, nem pelas vítimas dos sacrifícios da Lei, que apenas serviam para representar e tipificar a Oferta Real, que JESUS CRISTO faria de Seu Próprio Corpo, pela Oblação do qual todo o pecado deve ser apagado e abolido. Os Livros do Novo Testamento nos informam que o Grande Rei e Messias Prometido, JESUS CRISTO, que é verdadeiramente DEUS, digno de todo o louvor para sempre, tipificado e representado nos Livros do Antigo Testamento, foi finalmente enviado pelo PAI, no tempo em que o PAI havia ordenado e estabelecido em Si mesmo; isto é, quando a iniquidade e a abominação abundavam no mundo.

 

E o Salvador JESUS CRISTO foi assim enviado, e tomou sobre Si a Carne Humana, e sofreu a Morte, e voltou à Vida; não por causa das Boas Obras que alguém havia feito, pois todos são pecadores, mas, para que DEUS, nosso Pai, cuja Palavra é a Verdade, possa nos dar as grandes riquezas de Sua Graça conforme havia prometido, e pode nos salvar por Sua misericórdia.

 

É, então, claramente mostrado para nós no Novo Testamento, que JESUS CRISTO, o verdadeiro Cordeiro e o verdadeiro sacrifício, expurgou os pecados dos homens, veio ao mundo nos reconciliar com Seu PAI e nos restaurar ao Seu favor e amor, nos purificando de nossos pecados pelo seu sangue, até que ao fim nos liberte da escravidão do Diabo, por quem somos feitos cativos e escravos sempre que caímos no pecado, e nos adotar, tornando-nos filhos de Deus, para sermos herdeiros e participantes de seu Magnífico e Grandioso Reino. Até que por fim, para que possamos conhecer esse excepcional e excelente benefício que DEUS nos concedeu, Ele nos dá Seu ESPÍRITO SANTO, cujo fruto e efeito é o de nos fazer crer em DEUS e no Rei e Messias a quem enviou. Pois, certamente, sem a operação do ESPÍRITO SANTO, pelo qual somos ensinados e com o qual somos selados e temos a garantia e a certeza das coisas em que acreditamos, não poderíamos crer que DEUS enviou o Messias para o mundo, nem que JESUS CRISTO é esse Messias. Pois, como diz São Paulo: “Ninguém pode confessar que JESUS é SENHOR” e Deus, tendo poder para salvar, a menos que seja pelo “poder e inspiração do ESPÍRITO SANTO”. Este mesmo ESPÍRITO é o que testemunha ao nosso espírito e nos faz crer que somos filhos de Deus, e nos enche da grande caridade e amor que São Paulo descreve aos coríntios.

 

Além de Fé e Caridade, esse mesmo ESPÍRITO nos dá o vigor da Esperança, para aguardarmos em indelével expectativa pela Vida Eterna, Vida que nos é uma promessa, penhor de nossa segurança; e nos dá também outros benefícios e dons espirituais, dos quais São Paulo escreve aos gálatas. Não devemos considerar que os frutos da fé são insignificantes ou de pouca eficácia; pois pela confiança e fé em JESUS CRISTO, que se mostra em obras de amor e constrange o homem a fazê-las, somos também feitos justos e santos, a saber, DEUS, o Pai de nosso Senhor JESUS CRISTO, que também é nosso Pai, por causa da adoção que recebemos em JESUS CRISTO, nosso irmão, nos considera justos e santos, unicamente por Seu favor e bondade, através do mérito e satisfação de seu filho JESUS CRISTO, não levando mais em conta nossos pecados e não nos condenando mais, por causa deles, à morte e miséria eternas. Por fim, JESUS CRISTO veio a este mundo para que, depois de termos sido purificados de nossos pecados e santificados pela fé nEle, devêssemos segui-lo em seus exemplos, cumprindo Sua vontade em fazer boas obras e renunciando a todas as coisas carnais. Trabalhando e servindo-O, de boa vontade, e vivendo com justiça e santidade todos os dias de nossa vida; e que através das boas obras que, antes de nosso chamado, DEUS havia preparado e determinado para que fossem feitas por nós, assim, devemos demonstrar nosso chamado com esses benefícios e dom de fé. E quem não realiza essas boas obras mostra que não tem a fé em Jesus Cristo e desobedece ao que Ele exige de nós.

 

A este Salvador devemos buscar e apreciar, e com grande ousadia segui-Lo, para que Ele nos instrua; pois Ele é nosso Mestre - terno e humilde de coração: nosso exemplo e modelo, a quem devemos considerar como padrão de vida. Além disso, ele é o Bispo e Pastor de nossas almas, o grande Sacerdote e oferta pelos pecados, pois Ele mesmo ofereceu seu próprio sangue por nós; nossa Expiação, o Mediador entre DEUS e os homens, que agora está à direita de Deus, seu Pai, sendo nosso Advogado e Intercessor, que incessantemente tem orado por nós; que indubitavelmente obterá do PAI aquilo que pedimos a Ele, ou ao PAI em Seu Nome; desde que, ao rogarmos, acreditemos firmemente que será assim porque assim Ele o prometeu.

 

Quando pecamos, por meio dEle e sem temor, com verdadeiro arrependimento, para o qual JESUS CRISTO nos convida e nos exorta desde o início de Sua pregação, e com fé firme e viva, temos acesso ao trono de Deus, onde Ele sempre se senta, não para exercer Vingança, mas para mostrar Favor a quem pedir, e Ele será misericordioso, pois Ele veio ao mundo para que, por Sua Graça, pudesse salvar pecadores.

 

JESUS CRISTO, em verdade, virá, após o tempo determinado por Seu PAI, e assentará sobre Seu Trono com grande Majestade, e julgará todos os homens, e determinará a cada um segundo suas obras, sejam elas boas ou más; e dirá aos que estão à sua direita, que neste mundo esperavam coisas boas por vir, isto é, a Vida Eterna:

 

"Vinde, vós que" são escolhidos do meu PAI para a Vida Eterna, "tomem posse do Reino que é preparado" a você e designado antes da "criação do Mundo".

 

E, ao contrário, para aqueles "em Sua Mão Esquerda”, ele dirá:

 

"Afaste-se de mim", criaturas malditas e réprobas, “para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”.

 

Então, certamente, será o fim do mundo, quando JESUS CRISTO, depois de ter triunfado sobre todos os seus inimigos, consumado todas as coisas, restaurará a DEUS seu pai, o reino que agora Ele possui.

 

Para que possamos aprender tudo o que aqui foi exposto, a bondade de Deus desejou que, por meio de seu Espírito Santo, os livros da bíblia nos fossem dados por escrito e ordenou a pregação da doutrina neles contida.

 

Ele também nos deu Seus Sacramentos, pelos quais a verdade dessa mesma Doutrina é, por assim dizer, demonstrada como sinal; para que possamos saber e crer que existe apenas um Deus verdadeiro e um único Jesus Cristo, a quem Ele enviou como prometeu, e que, crendo, poderemos ter Vida Eterna através do mesmo Jesus Cristo.

 

Não há outro fundamento pelo qual se possa estar na Igreja de CRISTO; com base nisso que São Paulo diz que necessariamente quem proclama outra fé e salvação que não seja através de JESUS CRISTO - mesmo que ele seja um anjo do céu – seja considerado anátema, reprovado e destituído de DEUS.

 

A DEUS Pai, então, de quem, e por quem, e para quem são todas as coisas; e a JESUS CRISTO nosso Senhor, que redimiu o mundo ao Pai; e ao ESPÍRITO SANTO, seja Honra e Glória eternamente.

 

Amém.

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

Ao utilizar este texto! observe as normas acadêmicas, ou seja, cite o autor e o tradutor, bem como, o link de sua fonte original.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Graça e paz, seja muito bem vindo ao portal de periódicos da IPOB, analisaremos seu comentário e o publicaremos se ele for Cristão, Piedoso e Respeitoso.