sábado, 20 de agosto de 2022

 

O Posicionamento Bíblico Sobre a Magistratura Civil / James Douglas (1779-1857).

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

Judge Campbell, Chief Justice da Inglaterra, circa 1800.

Um Discurso Onde Identificamos Alguns Erros Relacionados a Ordenança de Deus Sobre a Magistratura Civil Por James Douglas (1779-1857).

A posição geral, é que a magistratura se origina na lei ou na luz da natureza, isto não é particularmente contestado; mas é necessário primeiro perguntar qual é a luz ou a lei da natureza. Presumo que a pergunta seja respondida em, (Rom. 2: 14,15). “Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei; os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os”. O que é isso, senão o restante da lei moral, que foi originalmente escrita ou colocada no coração do homem, em seu estado de criação? Então, as expressões banais da magistratura, originárias da lei da natureza, não são nada mais nada menos do que isso; algo que tem origem na lei moral de Deus. Partindo deste princípio, o mesmo também pode ser dito de todos os outros deveres morais, que se originam na luz ou lei da natureza.

 

Mas o grande propósito da revelação divina é explicar, ilustrar e fazer cumprir a lei moral. E não é por meio dessa revelação divina que se torna infinitamente mais luminosa e clara toda a porção da lei moral, do que poderia ser por uma condição de natureza não civilizada? Então, quão absurdo e anticristão é abandonar a luz que Deus possui, em sua palavra, e se basear em algum dever moral, e aprender a importância e a extensão desse dever no mundo pagão? A Magistratura se encontra nesta mesma circunstância. Ela se origina na lei moral. E é encontrada em um estado imperfeito da condição pagã da humanidade.

 

Mas Deus a incorporou, como outros deveres morais, na palavra; - apresentou claramente seus limites e especificou os deveres que lhe pertencem. Se a luz da natureza sobre o assunto da magistratura for suficiente, por que se fala tanto sobre isto nas Escrituras? Não obstante, ocupa uma porção significativa nas Escrituras Sagradas. Sua dimensão e importância são imensas (pois diz respeito a todos os preceitos da lei divina) em que Deus se agradou em designar um grupo de homens para a execução de Suas leis.

                   

Suas características e deveres também são claramente apresentados; pois as Escrituras insistem tanto nas qualificações e deveres dos governantes quanto na obediência dos súditos. Aqueles que são qualificados e agem de acordo com a palavra de Deus, são homenageados sendo chamados de "deuses" [Sl. 82], representando Deus, cuja imagem eles carregam, como Governador moral do mundo; - são chamados ministros de Deus [Rom. 13: 4,6], agindo por Sua autoridade, por Sua honra e pelos interesses de Sua igreja no mundo [Isa. 49:23; 60:12]. E o próprio ofício é designado por ordem de Deus [Rom. 13: 2], porque é ordenado ou designado por Ele nas Escrituras Sagradas. Em (1 Pedro 2:13), é chamada de ordenança do homem. Por isso, entendo que Deus não especificou uma forma particular de governo, que deve sempre ser observada em todos os lugares; mas deixou para a sociedade instituir que forma de governo eles acham mais adequada às suas circunstâncias. Ele, no entanto, deu instruções específicas a serem observadas na nomeação de governantes, sejam supremos ou subordinados; pois, o termo original rei, denotando o chefe de uma comunidade, seja ele rei, presidente ou imperador, também é genérico, abrangendo todos na autoridade civil, tanto no departamento legislativo quanto executivo:

 

Como é dito na passagem agora citada; - “Quem quer que seja o rei; ou os governadores, eles são enviados por Ele, para punição dos malfeitores e louvor dos que praticam o bem”. Assim, em Romanos 13, onde são apresentadas as determinações à obediência, também é descrito as características a quem a obediência é devida. Observemos essa conexão, que é estabelecida na palavra de Deus, não é apenas razoável, mas indispensável e nunca deve ser separada.

 

No entanto, aqueles que cumprem obedientemente estas determinações, foram submetidos à grande calúnia e reprovação pelos defensores do método pagão da magistratura. Do ponto de vista anterior, não é demais concluir que, onde as qualificações e administrações de acordo com a palavra de Deus são ausentes [isto é, deficiente], a ordenança de Deus também é ausente. Nem, nessa situação, os governantes devem ser reconhecidos como ministros de Deus. O que faz com que algo se torne uma ordenança de Deus? É quando o que Ele ordenou é feito de acordo com sua palavra. É por essa razão que somos obrigados a ser subordinados a vontade do Senhor; e isto é o mesmo que obedecer ao Senhor. Não basta que algo venha de nomeação divina; isso também deve ser feito de acordo com a designação de Deus.

 

Caso contrário, é apenas um nome sem veracidade; é um corpo sem vida e não tem direito a nenhum respeito. Este não é ainda o caso da mais importante ordenança do ministério do evangelho? Por mais importante que ela seja, quando encontramos um modo de adoração corrupto, supersticioso ou idólatra, em vez de uma dispensação bíblica das ordenanças do evangelho, não o consideramos mais como uma ordenança de Deus, então, temos o direito de rejeitar tal administração. Não considero menos do que o mais grosseiro absurdo reconhecer a magistratura como uma ordenança de Deus, e ainda assim rejeitar as verdades das Escrituras a respeito disto. Onde está ordenado, exceto nas Escrituras? E se as pessoas têm a liberdade de agir nesse caso independentemente das Escrituras, por que se diz em Dt. 17:15, “Porás certamente sobre ti como rei aquele que escolher o Senhor teu Deus”. E por negligenciar este mandamento do Céu, a acusação é apresentada em Oséias 8:4, “Eles fizeram reis, mas não por mim; constituíram príncipes, mas eu não o soube”. Declarar veneração pela magistratura como uma ordenança de Deus, e ainda ignorar as ordenanças bíblicas a respeito disto, (que são as mesmas coisas que fazem dela a ordenança de Deus) é o mesmo que declarar respeito e obediência a uma promulgação parlamentar e, ainda assim, rejeitar o ato em si, ou negar que exista alguma promulgação. Nesse caso, pode-se dizer que existe obediência a alguma lei? Certamente não. É a crença dos cristãos que a palavra de Deus é a única regra de prática e fé. É uma exceção indesculpável, fazer da prática dos pagãos a regra na ordenança da magistratura, no lugar da palavra divina.

 

Gostaria ainda de observar que, se as Escrituras forem negligenciadas no caso da magistratura, com o princípio de que ela pode ser encontrada em um estado rude da sociedade, onde não há bíblia, e ainda existisse tal magistratura, embora não houvesse uma bíblia no mundo; então, sob o mesmo princípio, as Escrituras podem ser negligenciadas em relação a todos os outros deveres originários da lei não escrita. Por exemplo: o casamento pertence ao homem como um ser social independente da revelação divina, e existe tanto no estado rude quanto no civilizado da sociedade. É, portanto, atribuída à luz ou lei da natureza. Isto não é suficiente; está também incorporado na lei divina; e as leis são inseridas nele, não reveladas pela luz da natureza; a saber, [como] que os cristãos se casam apenas no Senhor. Sob o princípio de que este existe entre os pagãos não iluminados, pode-se dizer que os cristãos não têm obrigação de observar a lei Divina a respeito disto; e eles geralmente agem nesse princípio infiel, mas nem sempre com impunidade. Em muitos lugares das Escrituras, vemos que os julgamentos de Deus caíram sobre aqueles que transgrediram essa ordenança. Eu poderia esclarecer o mesmo ponto ainda mais em relação ao dever dos pais e filhos.

 

Os pais, à luz da natureza, reconhecem que devem prover aos seus próprios filhos; e os filhos também reconhecem que devem render obediência à autoridade de seus pais. Mas, além dessas compreensões naturais, as Escrituras dizem aos pais; “Criem seus filhos na educação e admoestação do Senhor”, e às crianças, “Obedeça a seus pais no Senhor”. Mas, de acordo com o ponto de vista pagão da magistratura, ambos podem rejeitar essas determinações das Escrituras, porque esses pontos de vista não são obtidos à luz da natureza. Qualquer pessoa sem preconceitos deve ver, que há muita infidelidade em tal procedimento. Ao rejeitar aquelas partes das Escrituras que tratam da magistratura, os apoiantes do método pagão agem tanto como um infiel quanto o deísta ao rejeitar o todo, embora não tão declaradamente. Isto não é tudo; com relação a esta controvérsia sou obrigado a acusar outra infidelidade, posso notar ainda, que esse odioso princípio aparece em outro aspecto - ou seja, restringindo o magistrado à segunda tábua da lei [isto é, os últimos seis mandamentos que compreendem o dever do homem para com o homem] ou os interesses civis dos homens. Mas esta é a consequência necessária ao rejeitar a luz da revelação divina e andar na névoa das trevas pagãs.

 

Visto que, ao examinar a palavra divina, não encontramos tal limitação, mas o contrário; ou seja, que a primeira e a segunda tábua da lei eram, e devem sempre ser, o objeto de consideração magistrática. De acordo com esse fragmento da moralidade pagã, - a idolatria, superstição, blasfêmia e profanação do sábado, passam impunemente. E como a igreja não é para eles algo a se considerar, ela é, por meio desta, privada da barreira de defesa que Deus ergueu ao seu redor. Mas se não faz parte do magistrado defender a igreja, por que os reis são prometidos a ela como guardiões [Isa. 49:23]? Por que ela disse para se alimentar do peito dos reis [Isa. 60:16]? Por que dizem que lhe trazem glória e honra [Ap. 21: 24,26]? Dizer que eles não têm nada a ver com a igreja, é como uma falsa expressão comum: - Se as pessoas são honestas em suas relações e sinceras em sua profissão, podem acreditar e professar o que quiserem.

 

Talvez, seja dito, que os reis têm que fazer da igreja seu caráter pessoal, embora não seu caráter oficial. Sei que a palavra oficial é particularmente ofensiva para aqueles que não podem, por qualquer processo de raciocínio, torna-los ministros de Deus permanentemente, que são abomináveis, desobedientes e reprovadores de toda boa obra. Eles alegam, portanto, que não é de caráter oficial, mas pessoal, que são indicados [nas Escrituras acima mencionada].

 

Mas o termo original melechim (reis) é um título oficial e denota que, com as coroas na cabeça e os cetros nas mãos, eles reconhecerão Jesus, que é o Príncipe dos reis da terra. Além disso, em caráter oficial, nunca devemos separar a pessoa do cargo, a menos que, em certas circunstâncias, seja evidente que o cargo recebido é aplicável a ela apenas em seu caráter pessoal. Como quando dizemos:

 

O rei está morto; isto é recebido por ele em seu caráter pessoal, não oficial. Caso contrário, quando se fala de pessoas em cargos, devemos entendê-las como pertencente ao seu caráter oficial. Podemos aplicar isso no próprio Cristo, de quem é dito; “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios”. É evidente que isto é falado de Cristo em seu caráter oficial; em que em caráter, também, é Rei dos reis e Senhor dos senhores; e o Príncipe dos reis da terra. - O mesmo comentário se aplica aos ministros do evangelho: “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida”. Não é, certamente, como homens, mas como ministros, eles devem ser fiéis e conscientes no desempenho de todos os deveres do ofício ministerial. O mesmo pode ser dito do anticristo; que nunca é visto nas Escrituras como um indivíduo, mas como o chefe da grande apostasia. Ele é visto em seu caráter oficial como o homem do pecado, sentado no templo de Deus [2 Tes. 2], - como a besta [Ap. 13], e se, da mesma maneira, em relação aos reis, não é em seu caráter oficial que se diz que eles são ordenados por Deus - são ministros de Deus - são um terror para os malfeitores e um louvor para aqueles que fazem o bem? Não é em seu caráter oficial que eles vinguem os erros e façam justiça [Rom. 13: 1-9]? Que eles apoiem a besta e façam guerra contra o Cordeiro [Apo. 17: 13,14]? Por que, então, não devemos entender que é em seu caráter oficial que lhes é prometido ser pais que cuidam da igreja [Isa. 49:23]? Que eles devem se curvar ao Messias e reconhecer sua sujeição a Ele [Sl. 2: 10-12]?

 

Pode ser que apenas apoiem um método quando dizem, que é de seu caráter oficial punir o mal, administrar a justiça e cumprir todos os seus deveres em relação aos interesses civis dos homens; mas no que diz respeito à igreja, e no que se diz diretamente a respeito à glória de Deus, eles agem em seu caráter individual. Que desculpa pode ser dado a esse raciocínio ilógico e não cristão? É um tanto surpreendente que, ao formar-se suas visões de magistratura, mesmo de um estado pagão da sociedade, eles também não consideram em seus pensamentos "o assunto de interferência civil em questões da religião". Sabemos que em suas observâncias religiosas eles eram muito escrupulosos; e no cuidado de seus deuses e cerimoniais, havia um compromisso com seus magistrados supremos. Isso sem dúvida surgiu da importância que eles atribuíam à religião: dos quais, em relação à interferência magistrática, eles tinham visões mais distintas do que aqueles que obtêm sua política de uma luz pagã nas terras Cristãs. O dever dos governantes em relação à igreja e a primeira tábua da lei, ou o que é chamado de sacra, mostra a necessidade das qualificações exigidas nas Escrituras; pois sem tais qualificações, estes não são adequados para serem ministros de Deus e guardiões da igreja.

 

Alega-se que, não é necessária religião para um mecânico, nos deveres de sua profissão; nem para um pai, para que ele seja honrado e obedecido por seus filhos; nem é mais necessário para um magistrado, nos deveres de seu cargo. Este é exatamente um pensamento que surge da luz da natureza; que na melhor das hipóteses é incapaz de oferecer ideias nítidas sobre qualquer assunto, muito menos sobre uma ordenança de nomeação divina. De fato, tal característica não se aplica nestes casos: um mecânico, ou um pai, como tal, nunca são chamados de ministros de Deus, nem o seu ofício é uma ordenança de Deus. Mas a questão pode ser melhor esclarecida desta maneira: qualificações de caráter moral, solidez na fé, um chamado e uma ordenação são indispensáveis em um ministro do evangelho. E, embora se alguém for, por algum meio impróprio, admitido no cargo, sendo desprovido dessas qualificações ou tomar posse inadequada delas, estas pessoas se consideram em plena liberdade de negar sua legitimidade e abandonar seu ministério; e isso sem o mínimo desrespeito pelas ordenanças do evangelho. Este é precisamente o caso da magistratura. Esta é a ordenança de Deus, assim como o ministério. As qualificações são especificadas nas escrituras, e são indispensáveis tanto em um caso como no outro. Não basta dizer que muitas coisas boas podem ser feitas sem essas qualificações: podemos reconhecer isso. Tampouco se pode negar que coisas boas podem também ser feitas por um ministro não qualificado no evangelho; e nós o estimamos em proporção ao bem que ele faz: mas nunca podemos considerá-lo como o ministro de Cristo. No entanto, se a mera nomeação dá direito a sujeição, como é discutido em relação aos magistrados, esse ministro não qualificado tem a mesma reivindicação que o magistrado qualificado.

 

E ele faz o mesmo clamor sobre dissidências, subavaliação de ordenanças, etc., como os ultrarrealistas fazem contra aqueles que renegam a autoridade de magistrados não qualificados - ao rejeitar a ordenança de Deus, etc. Há nisto uma grande falta de honestidade e sinceridade. Para aqueles que se incubem de desprezar a ordenança da magistratura, eles mesmos são, exatamente pelos mesmos motivos, igualmente culpados em desprezar a ordenança do ministério do evangelho.

 

Ambos agem de acordo com o mesmo princípio ao rejeitar, não o ofício, mas o ministro, e isso acontece exclusivamente por falta de qualificação nas Escrituras. Quando essas coisas são consideradas com calma, e os argumentos são pesados na balança do santuário, presume-se que não haverá espaço para a acusação de ser contraria, condescendente ou hostil a qualquer ordenança de Deus; tais pensamentos, no entanto, são surpreendentemente aplicáveis àqueles que preferem a luz da natureza à da revelação divina.

 

Pode-se pensar que foi dito muito mais do que o necessário sobre o assunto. Este, no entanto, não é de forma alguma o caso. Tal pensamento pode surgir apenas de uma meditação imperfeita do assunto. Visto que é uma ordenança que vem do Céu: não é, então, parte da verdade da Bíblia - um artigo da fé que foi entregue aos santos, pelo qual devemos sinceramente defender? Mas analisemos também o assunto em sua íntima conexão com todos os preceitos da lei moral, e sua importância se mostrara ainda maior. Embora os magistrados não possam, nem tenham a autoridade para fazer os homens crerem no evangelho, ou mesmo guardar os mandamentos com um coração puro e com um amor não fingido, - ainda assim eles podem fazer muito para impedir o descumprimento aberto da lei de Deus.

 

O principal objetivo deles é restringir, e não aplicar a lei. Vemos que muitas coisas boas resultam da punição pela violação de muitos preceitos da segunda tábua da lei: e que terríveis consequências seguiriam se a segunda tábua fosse tão negligenciada quanto a primeira! Considere, novamente, quão glorioso e honrado seria para Deus: se a primeira tábua da lei fosse guardada e defendida como a segunda. Isso, no entanto, os adeptos do método pagão da magistratura não irão admitir de forma alguma. Eu sei que as reivindicações de consciência serão apresentadas como uma oposição contra a interferência magistrática em questões religiosas: mas a consciência está subordinada, sob a autoridade da lei divina, que é o padrão supremo e infalível de toda ação moral. É verdade, que seria bom se os preceitos da consciência fossem mais observados do que são; mas quando a consciência se torna tão inflamada e insensível a tudo que é bom, a ponto de aprovar erros, superstições e idolatria, em vez da pura adoração a Deus; ou aprovaria matar os discípulos de Jesus, na observância de sua santa religião (João 16: 2); então essas pessoas devem ser tratadas como faríamos com aqueles que perderam sua razão: - elas devem ser contidas. Entretanto, nessa restrição, nenhum dano é causado ou violência é oferecida:

 

Eles são restringidos apenas naquilo que eles não têm o direito de fazer. Neste caso: eles são privados apenas de uma liberdade sem lei, que eles viviam injustamente, dos quais não têm direito de desfrutar e que não podem praticar, sem ser à custa de violar alguma lei de Deus. Deus nunca deu tal liberdade, nem está no poder de qualquer criatura se dar esta liberdade. Portanto, ao se privar dessa liberdade usurpada, não há mais danos, do que resgatar do ladrão as propriedades de seu vizinho que ele havia roubado. Isso mostrado claramente no caso de Neemias, que restringiu os vendedores de peixe, etc. no sábado, e protestou contra os nobres que permitiram a profanação do sábado; e levavam sobre si mesmos tal violação, porque eles o tinham em seu poder, e era seu dever restringi-lo, mas [eles] não o fizeram [Neemias. 13: 15-18]. Deste ponto de vista, parecerá que os magistrados não têm apenas o direito, mas é seu dever sagrado impedir a violação da primeira e da segunda tábua da lei moral: caso contrário, por que se diz: “Porque ele é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal”? Certamente é uma suposição sem fundamento dizer que isso se diz respeito aos assuntos do homem, mas não os de Deus.

 

Ele não é o ministro de Deus, tanto para Deus quanto para homens? A ideia acima é sustentada também em (I Tim. 1: 9,10). O que é dito sobre a natureza restritiva da lei moral, se aplicará muito bem aos magistrados como guardiões dessa lei. Ali descobrimos que não apenas as violações da lei afetam mais imediatamente a sociedade - assassinos e homicidas, etc. devem ser contidos; mas também os que corrompem a adoração do evangelho, - como encontramos na expressão, "se houver algo contrário à sã doutrina". Sei que isto será contestado, que os magistrados não são juízes adequados da sã doutrina. Esta é uma verdade incontestável em relação à maior parte dos reis nos tempos do Novo Testamento; a maioria deles se dedicava ao apoio do papismo e a outros falsos sistemas de religião: mas falo do relato das Escrituras sobre os deveres e qualificações dos governantes civis. Deviam manter o livro da lei diante deles e lê-lo todos os dias de sua vida, como é ordenado em (Dt. 17:19), assim eles estariam mais qualificados para os importantes deveres de seu cargo. Esses deveres, como já observado, mostram a necessidade das qualificações prescritas na palavra divina: e é onde elas são obtidas, os deveres são simples; como no caso de Davi, Salomão, Asa, Josafá, Josias, Ezequias, etc.

 

Cujos sentidos foram usados para discernir o bem e o mal; para que não tivessem dificuldade em distinguir entre a verdade e o erro; entre o que a lei de Deus proíbe e o que ela exige. Os deveres do cargo de magistrado, em relação à primeira tábua da lei, foram exemplificados nesses casos; onde mostram que não há nada utópico ou impraticável no serviço de seu oficio; desde que possuam as qualificações exigidas para o oficio; sem o qual, de fato, isto é impossível. Existe vergonha para os reis de agora agirem para a glória de Deus, como fizeram esses dignos Reis da antiguidade? E será que existe algum risco em chamar sua interferência nas questões religiosas de "Absurdo pernicioso?" A infiel acusação é proferida contra o próprio Deus, de quem eram os ministros e por cuja autoridade agiam. Para melhor ilustrar, apresentarei novamente o ofício do ministério evangélico. Todo mundo sabe, ou deveria saber, que várias qualificações são necessárias para o oficio; todavia, quão miseravelmente qualificados são muitos que ocupam esse alto posto! Quais são as consequências? Os deveres do cargo serão miseravelmente cumpridos, na esfera de meras observâncias, sem a menor edificação para um público inteligente. São estes apropriadamente chamados vigias cegos e cães mudos que podem ladrar; (Isa. 56:10).

 

Quão diferentes são aqueles que dizem estarem de acordo com o coração de Deus e que estão qualificados para alimentar seu povo com conhecimento e entendimento; Partilhando a todos corretamente a palavra da vida e dando a cada um à sua porção no devido tempo? Tais ministros não são mais preferíveis a outros na igreja, assim como magistrados no estado, qualificados de acordo com a palavra de Deus, são preferíveis aos qualificados apenas pela luz da moralidade pagã; para quem todas as religiões são muito parecidas; e que estão prontos (ainda mais) para apoiar sistemas falsos de religião, ao invés dos que estão de acordo com a verdade.

 

As Escrituras mostram as consequências sombrias para uma nação sob governantes civis desqualificados; (Ec. 10:16), "Ai de ti, ó terra, quando teu rei é uma criança." (Isa. 3:12), “Os opressores do meu povo são crianças, e mulheres dominam sobre eles.” Se tais governantes ignorantes e covardes são uma maldição em relação aos interesses civis de uma nação, eles são ainda mais em relação à igreja: é por causa de tais governantes desonestos que ela é perseguida no deserto; o erro, que é muito prejudicial, é propagado sob as asas de uma diabólica tolerância; e a imoralidade é exemplificada e incentivada. (Sl. 12.8), “Os ímpios andam por toda parte, quando os mais vis dos filhos dos homens são exaltados”. Quando o braço da repressão civil é retido; quando governantes, em vez de ser um terror para o mal, e um louvor para os que fazem bem [ver Rom. 13: 3], são o oposto: a voz de advertência, reprovação e disciplina, na igreja, será pouco útil para conter a torrente de impiedade [ver 2 Tim. 4: 2-4].

 

Mas veja a magistratura, à luz da palavra divina, por um momento; - como nas mãos de quem teme a Deus e guarda seus mandamentos; que estão à frente e prontos para ajudar a igreja a suprimir a imoralidade, a blasfêmia e a profanação do sábado: então o trabalho de ambos seria fácil; a justiça e a paz seriam nossos ornamento e felicidade; e o próprio Senhor se agradaria em morar no meio de nós. A importância desse assunto aparece mais adiante em outra consideração: - Pelo método pagão da magistratura, uma gema é arrancada da coroa do Redentor. Essa ordenança não é, com todos os seus oficiais, algo de “tudo aquilo” que foi entregue nas mãos do Mediador [João 13:3]? "Todo poder", diz ele, "é dado a mim no céu e na terra" [Mat. 28:18] - "Todas as coisas me foram entregues por meu Pai" [Mat. 11:27]: O Pai “sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja” [Ef. 1:22]. Visto que “ele (o Pai) não deixou nada que não lhe esteja sujeito” [Heb. 2: 8]; Como alguém ousa fazer exceções; especialmente de um assunto tão importante quanto a ordenança da magistratura civil? Quando se diz que Ele é “o Príncipe dos reis da terra” [Ap. 1: 5], isso não indica a sujeição deles a Ele? E é expressamente prometido em (Sl. 72: 10,11):

 

“Os reis de Társis e das ilhas trarão presentes; os reis de Sabá e de Seba oferecerão dons. E todos os reis se prostrarão perante ele; todas as nações o servirão”. À vista disso tudo, o salmista, no segundo salmo, os admoesta ao seu dever de se submeterem ao Senhorio de Cristo. “Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos instruir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos com tremor. Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se acender a sua ira”. Sua ira se acende contra aqueles que usurpam Sua liderança sobre a igreja; e apoia seus inimigos declarados. Aqueles que se opõem a Ele nesses aspectos Ele destruirá totalmente: para aqueles que fazem guerra com o Cordeiro, Ele os vencerá [Ap. 17:14]; O Senhor, à tua direita, ferirá os reis no dia da sua ira [Sl. 110: 5]. Horrível, de fato, será a condição daqueles que não reconhecerão sua sujeição a Ele [cf. Sl. 2: 8], e agir por seu interesse próprio no mundo [Sl. 9:17]! Não é uma questão para surpresas que os reis sem princípios recusem a sujeição; mas os que se professam cristãos e que apoiam o pensamento de que eles não têm obrigação de fazê-lo, este certamente é motivo de grande surpresa! Mas essa é uma consequência nativa de seu método pagão de magistratura.

 

Ele não está irado com aqueles que não virão ao socorro do Senhor, ao socorro do Senhor contra os poderosos [Juízes 5:23]? E quem deveria vir, senão aqueles que têm tanto poder para se opor e suprimir os inimigos do Senhor e de sua igreja? Descobrimos que, por uma terrível perversão das coisas, a própria ordenança de magistratura de Deus se volta contra si mesma! O Redentor, na realização de sua obra mediadora, tem que lutar com esse mesmo instrumento, na nomeação Divina, para propagar os interesses de Sua igreja e do reino no mundo! Em seu trabalho vingativo de destruir o anticristo, Ele empregará os reis da terra como instrumentos, embora eles não o conheçam: odiarão a prostituta, etc. [Ap. 17:16]. A decisão deles até agora tem sido: "Não queremos que este reine sobre nós" [Lucas 19:14]. Esta rejeição ímpia ao Filho de Deus, como o Príncipe dos reis da terra, obteve aprovação geral em outras ordenanças - a do ministério evangélico [cf. Ap. 13:12]! Assim como nas duas grandes testemunhas de Deus na terra [cf. Zc. 3,4; Josué e Zorobabel; em especial 4:14], - a magistratura e o ministério se unem contra seu Autor e negam sua sujeição a Ele [cf. Ap. 13]! Mas essa inversão de coisas não continuará para sempre [cf. Ecl. 3:15]. O mistério de Deus, a esse respeito, está chegando ao fim.

 

Os desenvolvimentos da Providência são maravilhosos. Ele está abrindo caminho para que os reinos deste mundo se tornem rapidamente os reinos de nosso Senhor e de seu Cristo [Ap. 11:15]; quando a magistratura e o ministério se unirem na propagação da glória do Redentor no mundo; então, toda língua alegremente "confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai" [Flp. 2:11]. Na questão da interferência magistrática em questões religiosas, talvez eu seja levado a apoiar os princípios do erastianismo [isto é, a persuasão teológica que encontra um poder no magistrado para exercer o poder da igreja; particularmente em relação ao governo da igreja e disciplina - excomunhão; etc]; ou o de incorporar o reino do Messias aos do mundo: além do qual, no entanto, posso dizer com confiança, nada está mais longe da minha intenção. Também não creio que, não encontraremos nada parecido a isso, se houver sinceridade de julgamento. Isto é como a oposição apresentada contra a doutrina da justificação das Escrituras, ou seja, que tende à licenciosidade, etc. Nada, porém, nos leva a estas conclusões a não ser a ignorância ou o preconceito, seja em um caso ou no outro. Sei que, segundo o princípio erastiano, há muita inferência criminal.

 

Isso pode ser evitado apenas com a devida atenção aos deveres prescritos e exemplificados na palavra divina. É ainda mais observado quando, Cristo diz em (João 18:36), “Meu reino não é deste mundo”, os magistrados, como tais, não têm nada a ver com esta questão. Apenas mostra que o reino de Cristo não é propagado por medidas violentas empregadas por monarcas ambiciosos, na aquisição de reinos e oscilações de cetros. Propõe uma poderosa repreensão aos apóstolos iniciada na igreja romana [i.e., os jesuítas], que empregam varas e fogo para fazer discípulos, etc. Mas nada diz contra essa defesa, à qual a igreja do Redentor onde os que são intitulados ministros de Deus que, como guardiões [cf. Isa. 49:23], deve protegê-la de incômodos externos. O emprego dessa passagem, como é invariavelmente feito, para se opor à doutrina das Escrituras da interferência magistrática em questões religiosas, é exatamente como é feito em muitos outros casos, onde não há a menor utilidade. Um exemplo pode ser dado em; Marcos 16:16, “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado”. Portanto, os batistas argumentam: como as crianças não podem crer, então, não devem ser batizadas. Mas, com o mesmo princípio, elas também não podem entrar no céu, pois, é dito:

 

"Quem não crer será condenado". Mas, evidentemente, a passagem não tem aplicação no batismo infantil, mas apenas no adulto. Da mesma maneira, as palavras “meu reino não são deste mundo" não têm aplicação na questão discutida sobre a interferência magistrática em questões religiosas.                

A vontade de Cristo era evidentemente mostrar, que seu reino é de natureza espiritual e celestial, para que Pilatos entendesse que não era preciso ter nenhuma preocupação a ponto de armar seus servos para arrancar o reino de Israel do domínio romano. Era isso que Herodes e Pilatos temiam. Mas, apesar de o reino de Cristo não ser deste mundo, está no mundo e precisa ser defendido dos males do mundo; contra a qual como se vê nas passagens não é feito por meios militares. Isso mostra uma falta miserável de argumento, quando passagens são usadas para apoiar uma hipótese favorita, a qual não existe fundamento. Escrevo este discurso pelos seguintes motivos: [1.] A importância do assunto; [2.] As concepções impróprias que geralmente são ditas sobre ele, especialmente que se procede de uma origem pagã e que não exige qualificações superiores, nem deveres, além dos que são entendidos pela luz da natureza; [3.] E por isso a magistratura é realmente negada como sendo uma ordenança de Deus para sua glória e o bem da igreja, e subordinada apenas aos interesses civis dos homens; [4.] E, finalmente, por causa da pouca atenção geralmente prestada ao assunto; embora seja um aspecto de destaque no livro divino, e de toda a importância atribuída a ele nas observações anteriores; no entanto, com uma atenção ministerial ou cristão indigna, raramente interferimos nisto: e por quê? "Para que não escandalizemos" [Mat. 17:27].

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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