sexta-feira, 19 de agosto de 2022

 

A Inglaterra Livre da Ignorância Religiosa - Bispo J. C. Ryle / Parte I

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

Beeldenstorm in een Kerk, Dirck van Delen.

A Inglaterra Livre da Ignorância Religiosa:

Nossa sorte está lançada nestes dias em que é moda desprezar tudo o que é antigo.  Existe uma mórbida prontidão para abandonar tudo que tem a menor marca da antiguidade, e para tratar-lhes com tão pouco respeito quanto os almanaques do ano passado ou roupas gastas. As únicas exceções são antiguidades com valor financeiro, como moedas, fotos antigas ou vinhos antigos! Mas, como regra geral, opiniões e instituições antigas são muitas vezes condenadas como madeira inútil, sendo tiradas do caminho apenas porque são velhas. Contudo, não sou daqueles que se opõem a todas as mudanças e reformas das coisas antigas.

 

Nada desse gênero. Sinceramente agradeço a Deus pela maioria das mudanças do último meio século, seja política ou social, cientifica ou educacional. Eu seria desonesto se não declarasse minha convicção de que, em geral, são grandes melhorias.  Mas há um assunto sobre o qual não posso aceitar novos pontos de vista, e esse assunto é a Reforma Inglesa. Eu não posso concordar com aqueles que agora nos dizem que a Reforma foi um erro, que os reformadores são supervalorizados, que aquilo que o protestantismo fez a este país não é bom, e que pouco importaria se a Inglaterra colocasse seu pescoço mais uma vez sob os pés do Papa de Roma.  Contra essas novas opiniões, faço meu solene protesto.  Eu não quero deixar de lado os antigos caminhos protestantes que foram lançados por Cranmer, Ridley e Latimer, trezentos anos atrás.  Em suma, sobre o valor da reforma inglesa eu não quero releituras.  Eu, sem hesitar, sustento que "os antigos são melhores". O assunto deste artigo pode parecer muito simples.  Mas temo que exista uma quantidade estranha de ignorância sobre o tema, e uma disposição amplamente difundida para subestimar a Reforma Protestante. O tempo tem um surpreendente poder de obscurecer os olhos dos homens e amortecer sua lembrança de benefícios, tornando-os ingratos.

 

Três séculos se passaram desde que a Inglaterra rompeu com Roma e uma nova geração surgiu; semelhante aquele Israel dos dias dos Juízes, pouco sabe essa geração a respeito dos dias do Êxodo Protestante e das lutas no deserto.  Isto se deve em parte também a uma aversão covarde à controvérsia religiosa, e também a um desejo secreto de parecer liberal e tolerante às opiniões de todos, o que leva o período histórico da Reforma a ser, infelizmente, tratado na História Inglesa de modo indolente nas Universidades e escolas públicas. Parece um assunto inconveniente, e as pessoas respondem com indiferença.  Seja qual for o motivo, o período da Reforma, período formador de valores, é muitas vezes esquecido e não tem o merecido lugar de destaque na educação da jovem Inglaterra.

 

O resultado é que poucas pessoas parecem compreender os males dos quais a Reforma nos libertou, ou as bênçãos que nos trouxe. Resumindo, atualmente muitos consideram o assunto do papado como "chato". Cegamente se convenceram de que não existe lá grande diferença entre protestantes e papistas, afinal.

 

“Todos têm lá seus podres!” – pensam em seus corações – “São farinhas do mesmo saco”.

 

O objetivo deste texto é remover um pouco dessa ignorância e permitir entrar um pouco de luz. Quero fazer com que alguns dos meus compatriotas entendam que NÓS TEMOS UMA ENORME DÍVIDA PARA COM A REFORMA PROTESTANTE. Deixe-me esclarecer que não pretendo endossar o caráter de todos os agentes pelos quais a Reforma inglesa foi realizada, ou aprovar tudo o que eles fizeram. Eu não sustento, de modo algum, que Henrique VIII era um homem piedoso. Não! Muitas vezes ele foi um tirano brutal - e não digo que os estadistas que o rodeavam fossem personagens impecáveis. Longe disso. Muitos deles fizeram da Reforma um negócio e enriqueceram suas famílias pilhando terras papais. Também não lhe peço para acreditar que Cranmer e outros reformadores, sejam nos dias de Henrique VIII, Eduardo VI ou de Elizabeth, fossem anjos e não cometessem erros. Eu francamente admito que eles fizeram algumas coisas que não deveriam ter feito, e deixaram de fazer algumas coisas que deveriam ter feito. Mas você deve se lembrar de que Deus faz o seu bom trabalho com ferramentas muito imperfeitas, como Senaqueribe, Nabucodonosor e Ciro. Me limito a sustentar que o resultado da Reforma Protestante foi um enorme ganho para este país. E afirmo seguramente que a Inglaterra antes da Reforma era tão diferente da Inglaterra do pós Reforma quanto o preto e branco, a escuridão e a luz, a noite e o dia são distintos. Os fatos são teimosos, e existem para provar a exatidão desta afirmação; tentarei trazer alguns desses fatos para a consideração de vocês. Começo dizendo que a Reforma libertou a Inglaterra de uma imensa quantidade de males. Ao descrever esses males, é difícil saber por onde começar e quando parar. Seu número é legião. O máximo que posso fazer é dar-lhe um breve resumo e pedir-lhe que acredite que não é nem a metade.

 

(a) A Reforma libertou a Inglaterra da grosseira ignorância religiosa e de uma escuridão espiritual que era palpável. Sem dúvida, havia uma professa Igreja de Cristo na terra quando Henry VIII subiu ao trono: uma Igreja cheia de riquezas e guarnecida um grande exército de bispos, abades, frades, padres, monges e monjas. Mas dinheiro e clérigos não fazem uma Igreja de Cristo mais do que “homens com mosquetes” formam um exército. Para quaisquer fins úteis e salvíficos, a Igreja Inglesa estava praticamente morta, e se São Paulo saísse de seu túmulo e a visitasse, duvido que a tivesse chamado de Igreja. A verdade é que era uma Igreja sem Bíblia; e tal Igreja é tão inútil quanto uma casa de luz sem luz - um candelabro sem vela - ou um motor a vapor sem fogo. Exceto algumas cópias espalhadas da tradução que Wycliffe verteu a partir da Vulgata, não havia Bíblias em inglês na nação, e a consequência natural era que sacerdotes e leigos pouco sabiam sobre a verdade de Deus e o caminho da salvação. Quanto ao clero, em geral sua religião era mero formalismo, e dificilmente merecia ser chamada de cristianismo.

 

A maioria deles, lamentáveis vira-casacas sem consciência, e estavam prontos para mudar de lado em matéria de religião segundo a conveniência. Na verdade, assim fizeram pelo menos quatro vezes: uma vez sob o governo de Henrique VIII, outra vez sob o governo de Eduardo VI, outra sob o regime de Maria Sanguinária e, mais uma vez, sob o comando de Elizabeth.

 

A imensa maioria do clero pouco fazia, a não ser rezar missas e oferecer pretensos sacrifícios - repetiam orações em latim, cantavam hinos latinos que, claro, o povo não conseguia entender, recebiam confissões, concediam absolvições, extrema-unção e recebiam dinheiro para tirar pessoas mortas do purgatório. Pregar era totalmente opcional. Como o bispo Latimer observou: “Quando o diabo adquire influência em uma igreja, velas se ascendem e a pregação é apagada”. Era prescrito que sermões deviam ser feitos trimestralmente, mas nem isso era de fato, cobrado. Latimer diz que, embora a missa nunca negligenciava um único domingo, os sermões podiam ser omitidos por vinte domingos consecutivos, e ninguém era punido. Afinal, quando os sermões eram pregados, eles eram totalmente inúteis; e pregar muito era incorrer na suspeita de ser um herege protestante.... Quando o bispo Hooper foi nomeado à rica diocese de Gloucester, que não era nenhum cantão bárbaro e incivilizado da Inglaterra, em 1551, descobriu algo que revela de modo claro o cúmulo da ignorância dos tempos pré-Reforma:

 

Ele descobriu que, de um total de 311 clérigos de sua diocese, 168 eram incapazes de repetir os Dez Mandamentos; 31 dos 168 não poderiam dizer em que parte da Escritura o decálogo estava escrito; 40 não sabiam onde a Oração do Senhor estava escrita; e 31 dos 40 não sabiam quem era o autor da Oração do Senhor! Quanto aos leigos, não é exagero dizer que, em sua maioria, eram irreligiosos, exceto se eram levados à forca, ficavam doentes ou estavam à beira da morte.

 

E mesmo nestes momentos, ninguém havia para lhes falar do amor de Deus, da mediação de Cristo, da alegre felicidade da salvação pela graça, do precioso sangue da expiação e da justificação pela fé. Eles só podiam mandar chamar o padre, que nada sabia e nada podia ensinar aos outros; e então, finalmente, eles receberam a absolvição e a extrema unção, dando um verdadeiro salto no escuro.

 

"O cego guiou o cego e ambos caíram na vala."

 

Em poucas palavras, a religião de nossos antepassados ingleses antes da Reforma era uma religião sem conhecimento, sem fé e sem viva esperança; uma religião sem justificação, regeneração e santificação; uma religião sem visões claras de Cristo ou do Espírito Santo. Exceto por raras exceções, era quase apenas um sistema organizado de adoração à Maria, adoração aos santos, adoração às imagens, adoração de relíquias, peregrinações, formalismo, cerimonialismo, procissões, prostrações, inclinações, gestos, jejuns, confissões, penitências, indulgências, missas e obediência cega aos sacerdotes.

 

Era uma imensa e desprezível tolice de ignorância e idolatria, servindo por procuração a um Deus desconhecido. O único resultado prático foi que os sacerdotes pegavam o dinheiro do povo e se comprometiam a garantir sua salvação, e o povo se gloriava de si mesmo, achando que, quanto mais davam aos sacerdotes, mais seguramente iriam para o céu. Sobre a mais importante das perguntas, “O que devo fazer para ser salvo?”, provavelmente nem um inglês a cada cinquenta poderia ter lhe dado uma resposta tão boa quanto qualquer criança comum da escola dominical é capaz de fornecer nos dias de hoje. Tal foi a IGNORÂNCIA soprada para longe pelos ventos da Reforma Inglesa. Lembre-se de não se esquecer disso.

 

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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