sexta-feira, 19 de agosto de 2022

 

A Inglaterra sob as Bênçãos da Reforma - Bispo J. C. Ryle / Parte IV

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

The Trial of the Seven Bishops, by John Rogers Herbert.

Me proponho ainda a demonstrar, resumidamente, as BÊNÇÃOS que a Reforma Inglesa proporcionou a este país. Até agora vimos apenas os imensos males dos quais fomos libertos. Vamos agora mudar o foco e olhar para a imensa quantidade de bem que ela trouxe. Vocês ouviram sobre o que a Reforma destruiu. Você agora ouvirá a respeito do que a Reforma construiu em seu lugar. Antes de mais nada, devemos à Reforma uma Bíblia inglesa e a liberdade de todo homem, mulher e criança ter acesso a ela. Com a Bíblia inglesa veio o direito e o dever do livre exame e a afirmação do grande princípio contido em nosso Artigo VI, que diz: “a Sagrada Escritura contém todas as coisas necessárias à salvação”, sendo ela nossa única regra de fé e prática.

De todos os meios que provocaram a derrubada do papado neste país, a tradução da Bíblia foi a primeira e a mais poderosa. Foi um golpe direto no nariz de todo o sistema romanista. Com o advento de uma Bíblia livre, e da liberdade para aqueles que a usavam, os defensores do Papa não podiam permanecer por muito tempo. Todo o enorme sistema do papado rachou, estremeceu e caiu no chão como um baralho     de cartas. Com uma Bíblia em todas as paróquias da nação, todo inglês letrado e inteligente logo percebeu que a religião sacerdotal não tinha base na Sagrada Escritura. É um fato marcante e revelador que, de todos os meios que se combinaram, viabilizando a Reforma Inglesa, nada sofreu maior oposição que a tradução e a circulação das Escrituras. Mesmo em 1519, muito antes de Cranmer começar seu bom trabalho, Fox registra que seis homens e uma mulher foram queimados em Coventry por ensinarem a seus filhos o Pai-Nosso e os Dez Mandamentos. E a acusação contra eles não era a posse de uma Bíblia, mas de uma Bíblia inglesa, ou “livro da nova lei na Inglaterra”. Fiel a si mesma, a Igreja de Roma sempre amou as trevas e desprezou as Escrituras. Depois, quando a Reforma começou de fato, nada parece ter alarmado e enfurecido mais o sacerdócio romano quanto a disseminação da Bíblia em inglês.

 

Foi isso que custou a vida do reformador Tyndale. Ele foi queimado porque traduziu e divulgou as Escrituras. É história conhecida a inimizade implacável com a qual ele foi perseguido e finalmente caçado até a morte por Sir Thomas More e outros. Os sacerdotes sabiam que o jogo deles acabaria se as pessoas conhecessem as Escrituras. Impedir o progresso da causa protestante, assim que os leigos começaram a ler as Escrituras, teria sido como tentar impedir que a maré subisse em Chepstow, ou que os satélites de Júpiter girassem em volta dele. Em vão, o bispo Tunstall apreendeu a tradução e o bispo Bonner queimou o mártir na cruz de St. Paul. Seus ideais percorriam a terra como fogo e, desde então, a causa do papa na Inglaterra foi abalada desde suas bases. Você que lê a Bíblia diariamente e “se deleita na lei do Senhor”, jamais se esqueça dessa dívida para com a Reforma. Devemos à Reforma uma estrada aberta para o trono da graça e à grande fonte de paz com Deus. Essa estrada abençoada havia sido bloqueada há muito tempo, e feita intransitável por montões de lixo oriundos das invenções humanas. Sob o pretexto de consertar e melhorar a estrada, os clérigos de Roma haviam estragado tudo. Aquele que desejava obter o perdão tinha que procurá-lo através de uma selva de sacerdotes, santos, culto a Maria, missas, penitências, confissões, absolvições, e assim por diante.

 

Os poços de água cavados pelos apóstolos foram entupidos com terra pelos filisteus romanistas e praticamente inutilizados. Esta enorme massa de lixo foi removida pelos reformadores. A doutrina do nosso glorioso Artigo XI foi toda pregada, publicada e proclamada. Se passou a ensinar que a justificação era pela fé sem a letra da lei, e que todo pecador tinha o direito de ir direto ao Senhor Jesus Cristo para remissão dos pecados, sem depender de Papa, sacerdote, confissão ou absolvição, missas ou extrema unção. A partir desse momento, a espinha dorsal do Papismo Inglês foi quebrada. Vocês que estão andando pela fé e desfrutando da paz com Deus pela simples confiança no precioso sangue da Expiação, nunca se esqueçam de que possuem uma dívida com a Reforma. Devemos à Reforma um verdadeiro conceito do culto cristão. Enquanto o Romanismo governou a Inglaterra sem ser perturbado, o serviço da casa de Deus parece ter sido, para a maioria dos ingleses, uma performance misteriosa e que eles deixaram inteiramente nas mãos dos sacerdotes. Se estivessem presentes em qualquer culto, podiam apenas partilhar o sono em comum; eram espectadores ignorantes. Era um mero culto histriônico e formal, para o qual os leigos podiam trazer apenas seus corpos, mas no qual suas mentes, razão, espírito e compreensão não podiam tomar parte alguma.

 

Tal solene farsa foi completamente interrompida pelos nossos reformadores. Eles estabeleceram o grande princípio presente em nosso Artigo XXIV: “é coisa claramente repugnante à Palavra de Deus, e ao costume da Igreja primitiva, que a oração pública na igreja, ou ministração dos sacramentos, seja em uma língua que as pessoas não compreendam”. Eles introduziram em todas as paróquias inglesas a Bíblia no idioma comum, um Livro de Oração na língua comum, a pregação passou a ser feita na língua comum, os cultos passaram a ser simples e a ministração dos Sacramentos despojada de teatralidade. Claro que os Reformadores não poderiam tornar as pessoas cristãs. Porém, em todos os recantos da nação, foi estabelecido em cada paróquia um culto que o trabalhador mais pobre pudesse compreender, desde Land’s End até North Foreland. Você que realmente gosta do serviço simples de nossa Liturgia (que quando realizado com entusiasmo e devoção é inigualável), não se esqueça, a cada Domingo, que também isso você deve à Reforma... Devemos à Reforma um conceito correto sobre o papel do ministro cristão.

 

Antes que os olhos dos ingleses fossem abertos pela Bíblia, acreditava-se que todo ministro cristão era um sacerdote, como nos dias do judaísmo, e que todo clérigo oferecia sacrifícios a Deus. Era o clero que possuía as chaves dos céus, e servia como um mediador entre Deus e os homens. Naturalmente, o resultado foi, geralmente, terem se tornado tiranos espirituais e exaltados a uma posição que era o suficiente para corromper a mente de qualquer mortal. De tão exaltados, os sacerdotes se tornaram senhores e déspotas. De tão afastados, os leigos tornaram-se servos e escravos.

 

Os reformadores conduziram o ofício do clero ao seu nível escriturístico. O despojaram inteiramente de qualquer caráter sacerdotal. Extirparam as palavras como “sacrifício” e “altar” do Livro de Oração, e embora mantivessem a palavra “sacerdote”, o interpretavam apenas no sentido de “presbítero” ou “ancião”. Ensinavam ao povo que os clérigos não eram os senhores da Igreja, mas, como Paulo e Timóteo, deviam ser servos (Filipenses.1:1), embaixadores, mensageiros, testemunhas, evangelistas, mestres e ministros da palavra e dos sacramentos. Declararam, acima de tudo, como mostra nossa liturgia de Ordenação, que o principal trabalho de um ministro cristão é “pregar a palavra, ser diligente em oração e ler as Escrituras”. E quanto ao poder de ter as chaves dos céus, para ligar e desligar, ensinaram, como se lê claramente na Apologia escrita por Jewell, que isso devia ser exercido pela pregação do Evangelho aos pecadores, colocando diante deles uma porta aberta, e advertindo aos pecadores impenitentes de que encontrariam os portões do céu fechados. Você que conhece o valor de um verdadeiro ministro cristão, e o quanto o púlpito é superior ao confessionário, nunca se esqueça de que, para chegar a tal compreensão, você adquiriu uma dívida para com a Reforma. Finalmente, devemos à Reforma um padrão correto de santidade cristã.


Antes dos dias de Henrique VIII foi amplamente aceito e vista como inquestionável a opinião de que a vida monástica, e os votos de celibato, eram os únicos meios para se alcançar a eminente santidade e escapar do pecado. Miríades de homens e mulheres continuamente se tornando monges e freiras sob a vã esperança de se tornarem religiosos, afastando-se da sociedade e do mundo. Na prática, essa teoria falhou completamente e ruiu. Os reformadores cortaram pela raiz essa ideia falaciosa, dissolvendo casas religiosas e dispersando seus habitantes. É verdade que isso foi feito de modo grosseiro, e que as propriedades de muitas abadias e mosteiros foram desgraçadamente aplicadas.

 

Mas, à medida em si foi sábia e, como uma operação cirúrgica severa, salvou a saúde à custa de um sofrimento temporário. O grande princípio escriturístico de que a verdadeira religião não deve andar as escondidas, nem fugir das dificuldades, mas deve cumprir seu chamado onde quer que Deus nos chame para enfrentar nossos inimigos, foi estabelecido. Não é fugindo do demônio e entregando-lhe a gestão do mundo, e sim resistindo com coragem ao diabo e vencendo-o, que a verdadeira santidade deve ser exibida. Os Reformadores ordenaram que os Dez Mandamentos fossem expostos em todas as paróquias, e ensinados a todas as crianças, e que o dever para com Deus e nosso próximo fosse ensinado no velho catecismo. Eles se recusaram a dar o menor encorajamento à noção de que seria possível se tornar santo esquivando-se das responsabilidades cotidianas. Não é exagero dizer que nesse processo o tom da moralidade inglesa tenha sido elevado.

 

Se a Inglaterra, apesar de todos os seus muitos defeitos, tem hoje um padrão mais elevado de vida diária do que a maioria dos países, nunca nos esqueçamos de que devemos isso à Reforma. Este foi um breve e condensado relato das bênçãos que a Reforma proporcionou à Inglaterra. Não me alonguei muito sobre elas, de propósito; afinal, não são coisas antigas como superstições papistas, mas privilégios vivos com os quais todos nós estamos familiarizados.  Elas são uma parte do ar que respiramos, e do sol que nos deleita. São uma rica herança que todos os que vivem na Inglaterra, temo que inconscientemente em muitos casos, gozam aqui e agora. E nossa familiaridade com elas é um perigo. Não podemos nem imaginar quão grandes as bênçãos religiosas de que desfrutamos em comparação com nossos ancestrais de quatrocentos anos atrás. Sequer podemos imaginar adequadamente quão graves os males das quais a Reforma nos libertou. Mas tenho coragem de afirmar o seguinte: seja qual for a posição da Inglaterra entre as nações do mundo, como um país cristão; seja qual for o nível de liberdade política que temos; seja qual for nossa luz e liberdade religiosa; seja qual for a pureza e a felicidade de nossos lares; seja qual for a proteção e o cuidado para com os pobres; devemos isso à Reforma Protestante. O homem incapaz de enxergar isso é, no meu humilde julgamento, um homem muito cego e ingrato.

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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