A Natureza do Culto Cristão - Rev. Charles Dent Bell, M.A.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
Cultuar é um instinto religioso. É mais impulso que dever; é mais necessidade que obrigação. Quando Adão estava no Paraíso, sua adoração a Deus era perfeita, porém, quando caiu em pecado, seu culto se corrompeu. Já não havia mais a mesma comunhão livre e aberta com Deus; não havia mais a reverência e o amor a vibrarem em êxtase de adoração. Com o passar do tempo, o homem esqueceu-se completamente de Deus. O instinto de cultuar levou o homem a prestar culto à criatura e a se prostrar diante de coisas materiais, com as quais ele passou a se relacionar pelos signos da oração e do louvor, e às quais passou a oferecer sacrifícios com o intuito de conseguir perdão e favores.
Uma
indesculpável ignorância sobre Deus - “Eles não se importaram de ter
conhecimento de Deus”. Isso levou a humanidade a mais grosseira idolatria, pois
o instinto religioso sobrevive, porém, aquilo que originalmente era destinado à
salvação do homem tornou-se motivo para ser condenado. Os hebreus estavam sozinhos
na espiritualidade de seu culto. Primeiro tiveram um tabernáculo, depois um
Templo; em nenhum dos dois havia lugar para os ídolos, pois o uso de imagens
era totalmente proibido a serviço da religião. É verdade que, para um propósito
sábio, Deus deu a esse povo um cerimonial imponente e um ritual elaborado,
visando ensiná-lo, por meio da linguagem do símbolo e do signo, a respeito de
certas verdades espirituais que lhes dizia respeito. A primeira aliança era
muito bela aos sentidos e cheia de pompa exterior. As vestes dos sumos
sacerdotes eram ricas e esplêndidas; os altares eram de ouro puro ou latão
fino; as cortinas do santuário levavam as cores azul, púrpura e carmesim, além
de pesados bordados forrados; havia a fragrância do incenso; havia os acordes
da música melodiosa; havia forma, cor e cheiro. Mas, qualquer que tenha sido a
pompa da adoração levítica, seu objetivo certamente não era impressionar os
sentidos da nação inteira com uma exibição imponente.
O
ritual dos hebreus foi confinado a uma única cidade da Terra Santa, era
realizado em um único templo, e havia apenas um homem - o Sumo Sacerdote -
vestido com roupas cheias de glória e beleza, as quais brilhavam devido as
pedras preciosas. A maioria das pessoas raramente olhava para os requintados adornos,
ou participava das lindas cerimônias da Casa do Senhor. E mesmo aqueles que,
vivendo em Jerusalém, tinham acesso constante ao Templo, nunca penetravam além
do pátio externo, de modo que nada viam além do altar de bronze e da pia de
latão. Apenas os sacerdotes podiam entrar no lugar sagrado onde ficava o
candelabro de ouro, a mesa dos pães e o incenso queimando; no santuário
interior - o Santo dos Santos - somente o Sumo Sacerdote foi autorizado a ir, e
isso apenas uma vez por ano. Nenhum olho, a não ser o dele, podia contemplar a
arca da aliança, o propiciatório, o querubim, a Shekinah; e apenas ele
contemplava a terrível cerimônia da aspersão do sangue expiatório. De modo que
aqueles que defendem um culto sensorial – um culto voltado para os sentidos
naturais - não encontram precedentes no cerimonial, divinamente estabelecido,
dos judeus. Todavia, mesmo o sistema levítico para o culto, que em muitos de
seus aspectos pretendia proteger o povo da idolatria e inspirar na mente das
pessoas ideias espirituais, estava, por natureza, sujeito a perversão e
superstição. Os homens transformaram o simbolismo da lei em farisaísmo;
preferiram a letra ao espírito; escreveram os preceitos na testa e não no
coração; pensavam mais nas pedras do Templo e em sua beleza e esplendor do que
Naquele que habitava entre os querubins, atrás do véu impenetrável.
Dessa
forma o sistema religioso dos hebreus “coisa alguma aperfeiçoou”. Ele era
imperfeito. Era sombra, não a realidade; escravidão, não liberdade; infância,
não maturidade. Assim, gradualmente se corrompeu; "se envelhece, perto
está de acabar". A mesma mão divina que criou o templo, moldou o santuário
e pendurou a cortina, também rasgou o véu em dois. Aquele que era maior do que
o Templo pronunciou sua sentença com estas palavras: “Mas a hora vem, e agora
é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade.
Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em
verdade”. Essas palavras marcam o contraste entre a adoração do Antigo
Testamento e a adoração do Novo. Nosso Senhor não quis dizer a adoração dos
antigos não fosse verdadeira, ou que Ele tenha se satisfeito com um culto
falso, e muito menos que os sacerdotes, profetas, reis e homens santos da
antiguidade tenham depositado suas esperanças na letra que mata, “tendo
aparência de piedade, mas negando a eficácia dela”. O que Deus é agora, Ele
sempre foi. A adoração que Sua Natureza requer agora, sempre exigiu. Mas o
sistema judaico enfatizava a santidade de determinados lugares e pessoas, a
obrigatoriedade de sacrifícios diários, semanais e anuais, e as formalidades de
um elaborado cerimonial. Isso deve ser deixado em seu devido lugar, como tendo
servido ao fim para o qual foi estabelecido. Agora, um cerimonial externo não
deve ser colocado entre o homem e Deus. A adoração do homem "ao Alto e o
Sublime, que habita na eternidade", não deve mais ser dogmaticamente
atrelada a uma elaborada forma de culto.
O
verdadeiro sentido da adoração, marcado por fé, esperança e a alegria da alma
em Deus, deve ser claro e plenamente reconhecido. “Deus é Espírito, e importa
que os que o adoram o adorem em espírito” - não com um aparato litúrgico
sensorial, rudimentar e imperfeito -; “e em verdade”, não cheio de sombras e
tipologias, como o estabelecido sob a Lei mosaica, ou como uma adoração
meramente exterior. Esta declaração de nosso Senhor sobre como a adoração
cristã deve ser, nos apresenta um argumento em favor da simplicidade do Ritual
Cristão. Nada me parece mais anti-bíblico do que apelar a qualquer precedente
judaico para a introdução, no culto cristão, de um cerimonial imponente e um
simbolismo exacerbado. E nada pode ser tão mais anti-filosófico; pois o Ritual
da antiga dispensação era apenas uma parte de um sistema religioso nacional e temporário,
e que não estava baseado sobre axiomas que permitem a relação entre a alma do
Homem e o “Pai dos espíritos. Isto é verdadeiro sobre o Ritual e também sobre o
Templo. Uma ideia especial de sacralidade estava ligada àquele nobre e belo
Templo que foi construído por ordem de Deus, e cujas várias partes foram
construídas após Suas instruções expressas. Lembrem-se de como foi descrito
pelos judeus:
“A
habitação da tua casa e o lugar onde permanece a tua glória”. A promessa divina
a Salomão foi: “Escolhi e santifiquei esta casa, para que o meu nome esteja
nela perpetuamente; e nela estarão fixos os meus olhos e o meu coração todos os
dias”. Desse modo, a proximidade de Deus para com o Seu povo foi fortemente
afirmada pela existência de um único Templo autorizado, e Sua presença com
Israel assegurada pela Sua Divina condescendência em aceitar uma estrutura
material como Sua morada. Contudo, é evidente que tal arranjo não estava livre
de riscos. Ele tendia a obscurecer a espiritualidade e a infinitude da natureza
divina. Parecia limitar a Deidade. Os homens mais profundamente devotos
perceberam a presença de Deus em Jerusalém, e mais claramente sentiram a
ausência do consolo do poder de Deus quando o acesso ao Templo lhes era negado.
Estar longe do Templo tinha sabor de estar apartado de Deus; portanto, embora a
manifestação graciosa da presença Divina no Templo fosse quase necessária para
o pensamento religioso e para a vida do povo judeu, chegou a hora em que era
conveniente que Deus não fosse mais adorado apenas em Jerusalém, ou visto como
que morando em um santuário material, mas, sim, ser conhecido como Aquele cujo
Templo é o mundo, e cujo santuário é todo coração regenerado. Acredito que seja
contrário a plenitude do espírito da dispensação cristã supor que Deus esteja
mais próximo de nós em um lugar do que em outro, ou pensar que Ele confere
santidade peculiar a meras estruturas materiais. A presença especial de Deus é
prometida, agora, não a lugares específicos, mas a pessoas específicas. “A casa
do Senhor é o seu povo.”
Uma
casa construída de pedras vivas: uma habitação espiritual para um habitante
espiritual. “Sois o templo de Deus”, como Deus disse: “E meu tabernáculo estará
com eles, e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo”. Constroem-se casas
para o culto divino, mas elas não pretendem tomar o lugar do Templo; nem são em
qualquer sentido como o Templo. Nenhuma parte do edifício é mais sagrada que
outra. A consagração de uma porção do edifício pertence ao todo. Se, de fato,
nós consideramos o ministério cristão como um ofício a ser exercido por uma
ordem sacerdotal de homens que, como sacerdotes, devem oferecer sacrifícios e
mediarem o povo e Deus, então deveríamos ter um lugar sagrado, cercado de
zelosos cuidados e dedicado como uma capela-mor ou sacrário, para uso especial.
Se concebêssemos Cristo como local e substancialmente presente sob os elementos
consagrados do pão e do vinho, deveríamos ter um altar que, por sua
materialidade, sua posição e sua forma, seria um testemunho perpétuo do terrível
mistério que sobre ele se desenrola. Porém, o Novo Testamento condena tais
ideias e, a Igreja da Inglaterra fez ouvir na Reforma o seu protesto contra
elas, e seus mártires selaram esse protesto com sangue. O próprio Cristo é
agora nosso único Sumo Sacerdote, e cada um de nós tem acesso direto a Deus por
meio d’Ele. Sua presença não está no pão consagrado; mas nas almas regeneradas.
Todo crente como membro de Seu corpo pertence a um Sacerdócio Real, e a
promessa de Cristo nos assegura uma forma mais sublime da Presença Divina do
que aquela que foi conferida pelo Shekinah nos tempos antigos - “Não sabeis que
sois templo do Espírito Santo, e o Espírito de Deus habita em vós?”.
E,
pela mesma razão pela qual o Espírito de Deus está conosco, e em certo sentido
que não estava com a Igreja da antiga
dispensação; pela mesma razão pela qual um relacionamento mais próximo e
verdadeiro com Ele é concedido sob a atual aliança, muito mais do que que foi
concedida sob a primeira; pela mesma razão pela qual uma adoração superior é
possível para nós e despojada de tudo que era temporário e simbólico na velha
dispensação, é que nos gloriamos em um culto que é espiritual e não sensorial,
pois somos livres para “adorar a Deus em espírito e em verdade”. Atualmente, o
espírito que está influenciando o pensamento religioso busca o passado ao invés
de avançar para o futuro, e é preciso recordar que existe uma glória maior do
que qualquer que tenha aquilo que é exterior e visível. “A filha do rei é toda
ilustre lá dentro”. Seu “vestido” pode
ser “entretecido de ouro”, sua veste cheia de “bordados”, mas nada disso se
compara aos seus ornamentos mais importantes; aquilo que a torna realmente
gloriosa é a fé, a esperança e o amor, que a conduzirá a um mundo onde o que é
acidental no culto passará – a cerimônia, o sacramento e o símbolo; onde até
mesmo o Templo desaparecerá; onde nós “não mais conheceremos em parte, mas
conheceremos como somos conhecidos”.
Não
é este movimento algo retrógrado ao conduzir do Evangelho para a Lei, do
ministério do Espírito para o ministério da morte, um retorno às sombras e aos
tipos, em vez de seguir adiante na liberdade oferecida pelo próprio Cristo, “a
liberdade para qual Cristo nos libertou?” Por fim, observo que a própria
simplicidade do culto cristão é uma prova de sua superioridade. Você pode estar
inclinado a ter saudades ou lamentar a perda da magnificência do judaísmo - as
esplêndidas vestimentas; as lâmpadas de ouro; o altar sempre aceso; a música;
as prostrações em êxtase; o santuário misterioso; enfim, todo esse elaborado
simbolismo que já passou.
De
fato, para uma mente judaica, uma religião sem sacerdote, sem altar, sem
sacrifício, sem templo - cujos locais de reunião eram os simples cenáculos, o
pé da montanha, o deserto a beira mar- e cujos ritos mais solenes não envolviam
nada mais que que a aspersão com água e o partir do pão, deva ter parecido
pobre e pouco convidativa, desprovida de atrativos.
Mas,
o esplendor material da antiga religião era apenas uma indicação de sua
imperfeição, e a clareza cerimonial da nova é sua verdadeira dignidade e glória
– justamente por isso. O judeu precisava de toda uma elaborada e formal cerimônia,
com pessoas e objetos simbólicos para o ajudar a compreender a ideia de um
Messias, de sua obra e missão; para o judeu, Cristo era um Ser de cuja pessoa,
caráter e ofício ele tinha apenas percepções pouco definidas. Já para o
cristão, Cristo não é um personagem vago em um futuro, nem sonho nebuloso. Ele
foi “feito carne”.
Ele
está diante de nós com toda a clareza de alguém com quem estamos
familiarizados; e suas palavras, ações e obras são tão familiares a nós quanto
as de nossos amigos e conhecidos. Portanto, para trazê-lo à nossa lembrança,
nada é necessário além do mais simples e rudimentar: algumas gotas de água; um
pouco de pão partido e uma taça de vinho. Repito, o caráter simples do culto
cristão é uma indicação de avanço espiritual.
O
ritual do judaísmo recorreu aos sentidos, os serviços do cristianismo apelam para
o entendimento. Os judeus estavam em um estado de infância e, portanto, Deus
deu-lhes um sistema de símbolos e exercícios adequados à sua compreensão como
bebês. Mas a Igreja Cristã superou tais necessidades. Ela não precisa mais do
livro ilustrado e da lição sobre o bê-á-bá. É verdade que o coração cristão
exige tanto formas e ritos para encarnar a reverência, a gratidão, a devoção e
o amor dos quais ele é interiormente consciente.
É
verdade que a alma, em sua relação com um Pai invisível, ainda anseia por algum
meio externo que dê expressão ao sentimento e traduza em atos exteriores ou
palavras sua devoção a Deus. Mas aqui nada foi prescrito pela direção divina,
como no judaísmo; tudo foi deixado para a direção da Igreja. Em graciosa
condescendência às nossas necessidades, o Senhor nos deu os dois Sacramentos,
mas com a mais plena liberdade em relação à sua administração, deixando todos
os detalhes a serem estabelecidos de acordo com as diferentes necessidades do
Seu povo, em diferentes lugares, épocas e circunstâncias.
A
Igreja, em todos os tempos e lugares, sempre desejou, por causa de seu amor e
necessidade de chorar, um canal de comunhão com seu Senhor invisível, e
encontrou expressão para seus sentimentos nos atos da Oração Comum. O coração
da Igreja já ansiava por dar voz à sua adoração e gratidão, e assim, pelo fluxo
de sua devoção, descobriu o canal do Culto Comum. Todavia, a forma como a
oração deve ser feita, ou o culto oferecido, é deixado a ser definido pela
própria Igreja. Nosso gracioso Senhor, em Sua amorosa sabedoria, não prescreveu
nenhuma forma necessária de discurso ou canção - nenhuma linguagem inflexível
de adoração para Sua Igreja na terra. “Que tudo seja feito com decência e
ordem”, contém toda a vontade divina sobre o assunto; detalhes são deixados ao
instinto religioso e ao julgamento sóbrio do adorador. Hoje ouvimos muito sobre
termos o dever de tornar nossos serviços épicos e atraentes, e que por meio de
beleza para os olhos, e melodia para os ouvidos, agradáveis ao ímpio que, desse
modo, será conquistado para a Casa de Oração. Respondo somente isto: daremos a
Deus o nosso melhor. Deixe a beleza e o zelo continuarem sendo pilares da Sua
Casa. Feiura não é santidade. Desleixo não é espiritualidade. Não seremos
desculpados de nossa irreverência porque os outros são ritualistas e não
espirituais. Não precisamos tornar a adoração frígida para torná-la devota.
Tudo que se faz na Casa de Deus deve estar em harmonia com o propósito e missão
que lhe foi designado. Nossos hinos, imbuídos de profundo sentimento
devocional, devem ser ricos em expressão poética e se unirem à música da mais
rica harmonia.
Mas
o canto não deve ser o desempenho de um coro, mas a adoração e o louvor da
congregação. E poucos abusos no culto público podem ser mais dolorosos para o
coração desejoso de se unir ao serviço de Deus, do que uma assembleia de
adoradores professos em silêncio, enquanto um coro se apresenta para o seu
prazer. Isso pode, em algum sentido, ser chamado de adoração? E ainda assim,
ai! tal zombaria chamada de adoração é incomum? Não é o coro muitas vezes
transformado em palco para a exibição de artistas, e a Casa de Deus feita local
de entretenimento? Se quisermos desfrutar de música - das harmonias artísticas
dos grandes mestres da melodia - não é melhor que recorramos imediatamente às
salas de concertos para onde vamos cantarolar e não cantar? Lembremo-nos de
que, quando estamos na Casa de Oração, estamos no solo santo, estamos na
presença do infinito e eterno Deus, que exige que o adoremos em “espírito e
verdade”. Podemos tornar nossas igrejas atraentes devido adornos
arquitetônicos, rituais, cerimônias e serviços musicais para os ímpios, homens
que nunca se contentam, exceto com a concupiscência dos olhos e dos ouvidos,
incapazes de se alegrarem e confessarem o quão miseráveis são se não estiverem
embalados ao doce som da música.
Mas
o que nós ganharíamos? O que eles ganhariam? O orgulho teria sido humilhado? A
consciência despertada? Eles estariam mais próximos de Deus ao saírem de Sua
casa do que quando nela adentraram? Será que depois disso nós não teríamos apenas os levado
ao autoengano? Os enviaremos embora, satisfeitos por terem confundido seu
prazer com a glória da arte e da melodia do canto religioso, satisfeitos por
terem adorado a Deus com seus lábios enquanto o coração está longe Dele? O
verdadeiro culto cristão - o que é isso? Oração e louvor no Espírito Santo. O
Espírito Santo opera tão em nós para que nossos corações sejam elevados a Deus
em veneração e adoração. Sua verdadeira inspiração vem d’Aquele que nos ensina
a olhar para o benevolente rosto do nosso Pai no céu. A harpa que você coloca
na janela enquanto recupera o fôlego, não pode vibrar até que o vento varra
suas cordas. A simples respiração pode tocá-la gentilmente, apenas para
despertar notas sussurrantes; ou, por outro lado, pode vir com o poder da
tempestade e forçá-la a emitir notas sonoras de música. Em qualquer caso, deve
haver um sopro sobre as cordas antes que possamos ter qualquer música. De modo
semelhante, é preciso o sopro do Espírito na alma, antes que a verdadeira
adoração seja possível.
O
Espírito Santo deve mover a alma, sussurrando uma voz mansa e delicada, ou
falando em tons mais altos ou ritmos mais acelerados; contudo, em qualquer dos
casos, despertando o espírito de oração e, assim, nos capacitando a “adorar a
Deus em espírito e em verdade”. Não há perigo maior para um ritual elaborado do
que confundir emoção com sentimento religioso. A música de delicadas vozes, os
tons marcantes do órgão, a fragrância do incenso, a rica luz que flui através
dos vitais e lança um brilho suave sobre chão, pilar e corredor, tudo isso pode
emocionar a alma e lhe dar prazer, fazê-la se derreter em ternura; e essas
emoções facilmente excitadas podem ser confundidas com religião. Ai! Tais
sentimentos têm a ver apenas com nossos sentidos e estão muito distantes de uma
religião de consciência e convicção espirituais. Eles levam ao formalismo e autoengano.
O mais descuidado e ateísta pode ser levado às lágrimas pelos encantos da
música suave, ou ficar sem fôlego ao som tocante de palavras eloquentes. É
possível ser sentimental sem ser piedoso. Oh, tomemos cuidado para não
confundirmos o estranho fogo aceso pelo esplendor artístico, ou pelo brilho
poético, com aquela chama pura e celestial da devoção que é iluminada no altar
do coração pelo Espírito vivo do Deus vivo.
“Há
um caminho que parece certo aos olhos do homem, mas o seu fim são os caminhos
de morte”. Conhecemos a luta desesperada que, por algum tempo, tentou reintroduzir
as doutrinas e os ritos do medievalismo em nossos cultos. Como se você devesse
pensar que a vida e a morte eternas dependessem do ritual. Eu pergunto: o que o
ritualismo pode fazer para balizar o objetivo que, suponho, ele propõe a si
mesmo, ou seja, “a salvação das almas?”
O
que podem as armas carnais do ritualismo - procissões, incenso, música e
vestimentas? – fazer para conduzir pecadores das trevas para a luz? Foi por meio
de armas como essas que o mundo foi conquistado do paganismo ao cristianismo? É
por meio de tais armas que podemos vencer o pecado que nos assedia por todos os
lados, ressuscitar os mortos, socorrer os que são tentados, salvar os que
perecem?
Não
são todas essas perguntas imensamente triviais - indescritivelmente triviais! -
quando pensamos na infidelidade, no secularismo, no vício e no mundanismo que
nos cercam por todos os lados, e contra os quais somos chamados a batalhar em
nome de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo? E o que impediria o diabo
zombeteiro da luxúria e do ódio, da embriaguez, do ceticismo e do crime, dizer
em extremo desprezo a todas essas tentativas de exorcizá-lo, "Jesus eu
conheço, a Paulo também, mas são vocês quem são?". Eu tenho procurado
tratar este assunto de forma justa, sem nenhum desejo de trata-lo levianamente.
Todos
nós sabemos muito bem que existem homens na Igreja – nela, sem serem dela - que
buscam reintroduzir em seus cultos formas e cerimônias judaico-papistas e não
protestantes em sua concepção, e cerimônias, paramentos e ornamentos, que são
indecorosos para a gravidade, a pureza e a espiritualidade da religião cristã,
e que foram varridos pelo sopro da Reforma, como que por um vento impetuoso. O
"Culto Cristão" é espiritual e não sensorial: devocional, não
dramático; racional, não ritualístico.
Mas,
pelas práticas agora comuns em nossas igrejas, você pensaria que é justamente o
contrário. Eu te dou mais um exemplo selecionado de muitos. À medida que a
Sexta-feira Santa é reintroduzida, ano após ano, vemos nosso Senhor
ressuscitado e exaltado tratado como se estivesse morto. O sino do funeral é
tocado, a igreja é coberta de preto e “as três horas de agonia” é dramatizada.
Esta é uma representação verdadeira da fé de um homem cristão? Isso é
verdadeira adoração cristã? Certamente que não! "Cristo, morto, não morre
mais: a morte não tem mais domínio sobre Ele". Devemos encorajar tal
encenação infantil, teatral e supersticiosa, copiados que são da Igreja Romana?
Eu digo que não! Eu nego que o Crucifixo é o emblema apropriado da religião cristã.
É um Cristo vivo e não morto que adoramos! E qual será o fim desse crescimento
do erro na doutrina e na prática em nossa Igreja? As “cisternas partidas” de
uma falsa adoração são reparadas enquanto a fonte viva é abandonada? O ídolo da
superstição será restaurado ao seu pedestal, enquanto Deus é desonrado e
esquecido?
O
véu da separação deve ser novamente posto entre o homem e o propiciatório? Deve
o “novo e vivo caminho” que nos foi aberto ser fechado novamente, e o acesso
direto a Deus, nosso Pai Celestial, proibido? Teremos algum mediador terreno
para se intrometer entre nós e aquele Grande Sumo Sacerdote, que com amor em
Seu coração, ternura em Seus olhos e urgência em Sua voz, está com os braços
estendidos e prontos para receber a todos em Seu peito, clamando: vinde a mim e
eu te darei descanso?
Não!
Digo que mil vezes não”! “Nem ainda por uma hora” nos sujeitaremos a tentativa
de roubar nossa liberdade espiritual. Com a ajuda de Deus, devemos tomar
cuidado para que nosso candelabro não seja removido e nossa lâmpada apagada.
Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para impedir que a história de
nossa Igreja seja lida na história das sete Igrejas da Ásia, agora arruinadas,
sem teto, prostradas, desertas e caídas?
Foi
um ditado de Lutero que “a graça de Deus é como uma chuva de verão que passa”.
Será que a chuva vai embora e nos deixará estéreis, ressecados e infrutíferos?
Não estou disposto a pensar assim. Eu confesso que às vezes temo, mas minha
esperança é em Deus. O que quer que pensemos sobre isso, há um dever muito
solene que nos vincula como cristãos e ministros individuais: não devemos
sancionar de forma alguma, ou darmos preferência, àquilo que acreditamos ser
errado contra nossa fé cristã e nossa igreja. Sim, e deixe-nos como Igreja,
atentarmos à mensagem ao anjo da Igreja em Sardes:
“Sê
vigilante, e confirma os restantes, que estavam para morrer; porque não achei
as tuas obras perfeitas diante de Deus. Lembra-te, pois, do que tens recebido e
ouvido, e guarda-o, e arrepende-te. E, se não vigiares, virei sobre ti como um
ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei”. Estas palavras são aplicáveis
ainda hoje. Elas vêm zumbindo através dos séculos, e é como uma voz solene e
urgente para nós nestes últimos dias, “sobre quem o fim do mundo está vindo”.
Vamos ouvi-los, e ser advertidos, pois “o julgamento deve começar pela Casa de
Deus”. Portanto, “aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às
igrejas”.
Este artigo foi escrito pelo Reverendo Charles Dent Bell, M. A., Hon. Canon de Carlisle e Reitor de Cheltenham, maio de 1876. Lido na Conferência da Church Association, realizada no Willis’s Rooms, King Street, St James, em 10 de maio de 1876.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
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