quinta-feira, 18 de agosto de 2022

 

Carta de João Calvino ao Lorde Protetor da Inglaterra Edward Seymour.

AO LORDE PROTETOR DA INGLATERRA EDWARD SEYMOUR, 1º DUQUE DE SOMERSET.

Edward Seymour, 1º duque de Somerset, nomeado o Protetor, também chamado (1523-36) Sir Edward Seymour, ou (1536-37) Visconde Beauchamp de Hache, ou (1537-47) conde de Hertford, (nascido c. 1500 / 06 - morreu em 22 de janeiro de 1552, em Londres), o Protetor da Inglaterra durante parte da menoridade do rei Eduardo VI (reinou entre 1547 e 1553).

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

O CONTEXTO HISTÓRICO DA CARTA:

Após a morte de Henrique VIII (28 de janeiro de 1547), Seymour foi nomeado protetor pelo conselho de regência que Henrique havia nomeado para dirigir o governo do rei Eduardo VI, de nove anos de idade. Ele logo se tornou o duque de Somerset (1547) e por dois anos e meio atuou em tudo como monarca, menos no nome.

 

Somerset tentou ajudar os pobres das áreas rurais proibindo as expropriações para o gado - isto é, a tomada de terras comuns cultiváveis pelas classes proprietárias para uso como pastagens; e essa ação levou à sua queda. Os proprietários de terras frustraram seus esforços; os camponeses desesperados se revoltaram em Norfolk sob a liderança de Robert Kett; e em outubro de 1549 Somerset foi escorraçado do poder e aprisionado por uma coalizão de Warwick e as classes proprietárias. Quando esta   coalizão ruiu, ele foi libertado em fevereiro de 1550 e ostensivamente reconciliado com seu rival. Acredita-se que a carta de Calvino chegou logo após sua libertação em 1550.

 

João Calvino Ao Senhor Protetor Da Inglaterra Edward Seymour, 1º Duque De Somerset.

 

*(Data e local desconhecidos)*

 

Meu senhor, é fato que demorei muito a escrever-te, não por falta de inclinação, mas, abstive-me de fazê-lo, do que me arrependo, pelo receio de que, diante das últimas dificuldades, minha carta pudesse causar-te algum novo aborrecimento. Agradeço ao meu Deus por dar-me agora a oportunidade que tanto esperava. E não sou o único que se regozija com a feliz questão de que Deus concedeu a ti o livramento de tua aflição, mas igualmente todos os verdadeiros crentes que desejam o avanço do reino de nosso Senhor Jesus Cristo; na medida em que eles conhecem as dores e dificuldades que atravessaste, para que o evangelho pudesse ser restaurado em toda a sua integridade e que todas as superstições pudessem ser vencidas; e não duvido que estejas, com todas as tuas forças, pronto para fazer o que é necessário. Tratando-se do senhor, meu Lorde, deves não só reconhecer a bondade de Deus em estender a mão para tua libertação, mas deves também guardar na memória a visitação divina, de modo que possas utilizar tudo isso para teu proveito.

 

Estou ciente do pesar que possas sentir e de como podes ser tentado a vingar-se contra aqueles que te causaram tamanho dano, querendo retribuir esse dano em maior medida do que te foi causado; mas conheces a repreensão de São Paulo sobre isto, a saber, que nós não temos que lutar contra carne e sangue, mas contra os artifícios ocultos de nosso inimigo espiritual. Não devemos, portanto, ser indiferentes com as responsabilidades dos homens, mas sim voltar nossa atenção para Satanás, para resistir a todas as suas maquinações contra nós. E como não há nenhuma dúvida de que ele foi o autor do mal infligido contra ti, a fim de que, desta forma, o progresso do evangelho pudesse ser prejudicado e tudo terminasse em confusão; destarte, meu senhor, esquecendo e perdoando os erros daqueles que foram considerados teus inimigos, amando-os mesmo quando eles buscarem sua destruição, aplique todas as tuas forças para repelir a maldade daquele que fez uso dela contra ti. Esta nobreza de espírito não só será aceitável a Deus, mas vai tornar-te mais amável diante dos homens. Não tenho dúvidas de que darás a devida consideração a este assunto: se tua gentileza se estender generosamente, tanto mais tenho certeza de que receberás favoravelmente o que estou dizendo agora, sabendo que não tenho outro motivo para dar-te tais exortações, exceto a consideração que tenho nutrido por tua honra e bem-estar. E, de fato, é tão difícil essa virtude de superar as próprias paixões, de modo a pagar o mal com o bem, que nunca é demais ser exortado para esse fim, visto que o Senhor ordenou isto mais enfaticamente do que muitas pessoas suponham.

 

É necessário que tenhas em mente, meu senhor, o exemplo de José. Seria difícil encontrar nos dias de hoje tal modelo de integridade, no entanto, percebendo que Deus havia transformado para seu benefício todo o mal que haviam planejado contra ele, resolveu mostrar-se para com seus irmãos, que o haviam perseguido, como um servo da bondade de Deus. Esse triunfo será muito superior ao que Deus já te conferiu, quando preservou e protegeu tanto a ti mesmo, quanto a tua propriedade e tua honra. No entanto, meu senhor, deves também considerar que, se Deus achou por bem humilhar-te por um breve tempo, ele não o fez sem motivo: por mais irrepreensível que tenhas sido em relação aos homens, sabes que antes disso, diante do grande Juiz celestial ninguém há que não se encontre culpado. Veja como os santos consideraram os severos castigos de Deus, às vezes dobrando o pescoço e curvando a cabeça debaixo da correção divina. Davi andou muito retamente, mas mesmo assim reconheceu que foi bom para ele ter sido humilhado pela mão de Deus. Assim, logo que percebamos que somos castigados de qualquer forma, é bom que façamos uma análise de nós mesmos, para examinarmos completamente a nossa vida, para descobrir os pecados que nos estão encobertos.

 

Pois, sempre que uma grande prosperidade nos ofuscar os olhos, de modo que não percebamos porque Deus está nos corrigindo, há certamente razão para reconhecer que pertence a Ele o revelar dos nossos males interiores que de nós mesmos eram desconhecidos; como o reverente respeito que deveríamos a um médico que melhor sabe aplicar a cura, assim, deve ser com Deus, que age, não de acordo com as nossas vontades, mas de acordo com o que sabe e julga como apropriado. Além disso, ele faz às vezes o uso de um remédio preventivo, não querendo esperar que sucumbamos à doença, mas combatendo-a previamente. Deus tem te colocado em uma posição de alta dignidade, além de sua posição comum, tem feito grandes coisas por teu intermédio, que, possivelmente, terá maior reconhecimento após a tua morte, do que é agora valorizado em teu tempo de vida; e acima de tudo, fez com que Seu Nome Santo fosse engrandecido através de ti. Mesmo as personalidades mais virtuosas e excelentes estão em maior perigo, do que quaisquer outras pessoas, de serem tentadas a esquecer disso. Sabes, meu senhor, o que é registrado do santo rei Ezequias, que depois de ter realizado ações memoráveis, tanto o bem pela religião e serviço de Deus, quanto para o proveito comum de sua nação, o seu coração se vangloriou.

 

Se Deus escolheu te livrar disso, é um favor especial que ele fez a ti, mesmo que ele não tivesse outro motivo, além de ser glorificado em sua libertação, talvez se fizesse conhecido a ti e a toda a humanidade através de tua pessoa, reconhecido como um verdadeiro protetor de seu povo. Que isso seja o bastante para ti. Resta-me dizer, meu senhor, que desde que Ele concedeu a ti supremacia sobre teus inimigos, deves louvá-Lo por essa bênção, como é devidamente justo fazê-lo. Ao termos o privilégio de sermos libertos de uma tão perigosa cilada, devemos ser duplamente cuidadosos em exaltar e glorificar nosso gracioso Deus, como se Ele tivesse nos concedido uma segunda vida. Não deves fazer nada menos que exaltar com zelo o nome de Deus e restaurar a pureza da pregação de Seu Evangelho; como sabes, meu senhor, nesta questão tão importante, mesmo que façamos tudo que está ao nosso alcance, ainda estaremos falhando diante de tudo que nos é requerido. Contudo, se Deus, unindo-se a ti novamente, pretende, por estes meios, encorajar-te a cumprir teu dever melhor do que jamais fizeste antes, esforça-te e aplica-te com todos os teus esforços ao avanço da obra sagrada que Ele começou por ti, e eu não duvido que o faras; também estou confiante de que, conhecendo o tipo de sentimento pelo qual sou conduzido a exortar-te, receberás isto com gentileza, como costuma fazer. Quando a honra de Deus requer este procedimento, é certo que ele cuidará de ti e de tua família, para distribuir Suas graças abundantemente; ele te fará sentir o valor de Sua bênção, pois sua promessa por nós nunca falhará, “Aqueles que me honram, honrarei” [I Samuel 2.30].

 

É verdade que aqueles que cumprem o seu dever da melhor forma são também afligidos por muitos ataques, mas é suficiente que Deus esteja com eles para libertá-los. Grande é o benefício de olhar para Deus e contentar-se em render-se ao seu serviço; todavia, meu senhor, é uma grande consolação para ti ver o Rei favoravelmente disposto a promover a restauração da Igreja, da pura doutrina e de tudo mais; é uma virtude admirável nele que, com tão pouca idade, as vaidades deste mundo não superem no governo de seu coração o temor a Deus e a verdadeira religião, isso é uma bênção especial para o teu reino e, do mesmo modo, uma grande satisfação e conforto para ti, que está a serviço da vontade e dos desígnios do Rei Celestial, o Filho de Deus. Principalmente, meu senhor, tendo me recomendado humildemente à tua boa graça, imploro ao nosso bondoso Deus que, tendo-te em Seu santo cuidado, aumente em ti mais e mais os dons de Seu Espírito Santo e os faça servir à Sua glória, para que possamos ter todos os motivos para nos regozijar.

 

João Calvino.

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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