sexta-feira, 19 de agosto de 2022

 

A Presença Real na Ceia do Senhor - Ven. Dr. William F. Taylor

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

The Last Supper, Leonardo da Vinci (1452-1519).

I. É da maior importância compreendermos corretamente o significado da expressão “Presença Real”; caso contrário, podemos entrar em uma briga inexistente, ou deixar de lutar por aquilo que devemos defender.

II. A Igreja da Inglaterra jamais usa, em qualquer dos seus formulários, a expressão “Presença real” para se referir à Ceia do senhor. Na mente dos Reformadores essa expressão era um sinônimo para a doutrina papista chamada transubstanciação.  Como nessas palavras de Cranmer:

 

“A doutrina papista da Transubstanciação, da presença real da carne e do sangue de Cristo no sacramento do altar, como eles dizem”.

 

Apesar disso, a presença real de CRISTO não apenas pode, mas deve ser defendida por todo cristão verdadeiro; uma presença real, que é de "CRISTO e seu Espírito Santo por seu grande e santificante poder, virtude e graça, não em ou sob a forma de pão e vinho, mas em todos aqueles que dignamente os recebem". Nem é esta presença real limitada ao uso correto da Ceia do Senhor, mas é real também no uso correto de todas as ordenanças da Igreja de Cristo, e em todos os meios de graça, sejam públicos ou privados.

 

III. Os Ritualistas, no entanto, usam a expressão de modo diferente. Se não a utilizam exatamente no sentido papista, ou seja, como equivalente a Transubstanciação, o fazem expressando, substancialmente, a mesma doutrina; e negar isso é mero jogo de palavras insignificante.  A doutrina dos ritualistas é como se segue: "Que, em virtude da consagração, o corpo e o sangue de Cristo, Nosso Salvador, estão real e verdadeiramente presentes, apesar de espiritualmente e inefavelmente sob a forma de pão e vinho". "Esta presença é conferida pela Palavra de Cristo, tal como proclamada pelo sacerdote, através da operação do Espírito Santo, independentemente da fé e de qualquer qualificação pessoal, seja por parte do consagrante, seja por parte do receptor" (Declaration of twenty-one priests: and Mackonochie’s pastoral).

 

O significado de tais palavras é claro. Não importa se é chamado de transubstanciação ou consubstanciação; super-local ou supra-local; inefável, transcendental, misterioso ou espiritual. O significado é simples, a saber, que o corpo e o sangue reais de Cristo estão real e verdadeiramente presentes na mesa, sob a forma de pão e vinho.

 

IV. Não é necessário explicar que se essa opinião estiver correta, são consequências legítimas adorar o sacramento e aceitar o sacrifício da Missa. No entanto, o objetivo deste texto é demonstrar que a doutrina da presença real, como definida pelos ritualistas, é contrária à doutrina da Igreja da Inglaterra.

 

1. Na oração de consagração rogamos a Deus que conceda que "recebamos o pão e o vinho, de acordo com a abençoada instituição de nosso Salvador, Jesus Cristo, em lembrança de sua morte e paixão, a fim de sermos participantes de seu abençoado corpo e sangue".

 

Esta petição seria totalmente desnecessária se Cristo estivesse literalmente presente sob os elementos do pão e do vinho, já que receber um implicaria receber o outro. Seria necessário pedir para sermos, não participantes, mas participantes dignos.

 

2. Na segunda oração pós-comunhão, agradecemos a Deus por Ele dignar-se a "alimentar-nos, os que devidamente receberam esses sagrados mistérios (isto é, sagrados sinais) com o alimento espiritual do precioso corpo e sangue de Cristo, Nosso Salvador".

 

Se diz aqui que a recepção do corpo e do sangue é limitada aqueles que "devidamente recebem". Não seria assim caso a presença real estivesse sob os elementos do pão e do vinho, independentemente de qualquer qualificação pessoal por parte de quem os recebem.

 

3. Ao termino da Comunhão, declaramos que "nenhuma adoração deve ser dada a qualquer Presença Corporal do corpo e sangue naturais de Cristo. O corpo e sangue naturais de nosso Salvador, Cristo, estão no céu, não aqui".  É contra a verdade afirmar que o corpo natural de Cristo possa estar em vários lugares ao mesmo tempo.

 

Observe que qualquer Presença Corporal é negada pela Igreja.  A palavra corporal é exatamente o que diz, nenhum outro significado é possível. De modo que, a Igreja rejeita qualquer presença corporal de CRISTO: não importa que palavras são usadas para mistificar as coisas, como supra-local, inefável ou misterioso - para tudo isso nós respondemos que a Igreja rejeita qualquer presença corpórea. Os Ritualistas tentam escapar do peso desse argumento alegando que, enquanto o Corpo natural de CRISTO está no céu, seu Corpo espiritual está sobre a mesa. Que pensamento absurdo e herético. Tem Cristo dois corpos, um natural e um espiritual: um no céu e outro na terra? Seria um insulto à inteligência até de uma criança tentar refutar tal coisa que traz consigo sua própria refutação; seria como tentar provar que 1 + 1 é igual a 3.

 

4. Na Comunhão dos Enfermos nos é dito que “se o enfermo realmente se arrepende de seus pecados e crê firmemente no Sangue de CRISTO derramado por sua redenção, ele come e bebe o Corpo e o Sangue de Cristo proveitosamente para a saúde de sua alma, ainda que incapaz de receber o sacramento com sua boca”.

 

Aqui temos a presença real na alma do penitente, e de modo totalmente independente do sacramento. O Catecismo nos ensina que “o Corpo e o Sangue de Cristo são verdadeiramente tomados e recebidos pelos fiéis na Ceia do Senhor”. Essa limitação da recepção à qualificação pessoal do receptor, ou seja, “pelos fiéis”, é fatal para a ideia de uma presença real independente da fé. Os fiéis, e somente os fiéis, isto é, aqueles que são de fato crentes em Cristo, encontram uma presença real; uma presença real de CRISTO dentro de seus corações, não nos elementos.

 

5. O Artigo XXVIII declara que “o Corpo de Cristo é dado, tomado e comido na Ceia somente de uma maneira celestial e espiritual. E o meio pelo qual o Corpo de CRISTO é recebido e comido na Ceia é a Fé.”

 

Isso não seria verdade se o Corpo fosse comido pela boca; porque isto não seria algo espiritual, mas natural e carnal. Nem seria verdade que o Meio, o único meio de recepção, é a Fé, caso o recebêssemos também nas mãos. A doutrina do artigo XXVIII é, portanto, contra a noção da Presença Real Ritualística, e concorda com a bela expressão de Hooker, que disse: “A fé é a única mão que toca em Cristo para a justificação, e Cristo é a única vestimenta que, sendo por fé vestida, encobre a vergonha de nossa natureza corrompida”.

 

6. O título do Artigo XXIX diz “Sobre os iníquos, que não comem o Corpo de Cristo na Ceia do Senhor”.

 

Este artigo é conclusivo, mesmo se tomado isoladamente. Porque declara que “Os ímpios, e os destituídos da fé viva, ainda que carnal e visivelmente comprimam com os dentes (como diz Santo Agostinho) o Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo; nem por isso são, de maneira alguma, participantes de Cristo: mas antes, para sua condenação, comem e bebem o sinal ou Sacramento de uma coisa tão importante”.

 

Digno de nota: aqueles que são destituídos de uma fé viva, não são participantes de Cristo, embora comam e bebam o sinal exterior ou Sacramento. Isso não seria verdade se houvesse uma presença real que independesse da fé; pois, neste caso, eles de algum modo, mesmo que para sua condenação, receberiam CRISTO. Mas é dito que eles “de maneira nenhuma” recebem o Corpo, mas apenas o sinal do Corpo. Observe ainda o contraste entre estas afirmações e as encontradas no Catecismo. Os fiéis recebem, na verdade, o corpo e o sangue de Cristo verdadeira e realmente na ceia do Senhor; sim, sendo capazes de tomá-la ou não. (Comunhão de Visitação dos Enfermos). Os incrédulos não são de modo algum, participantes de Cristo, comendo ou não eles o sacramento. (Art. XXIX).

 

É evidente, a luz disso, que a doutrina da Igreja sobre este assunto está em perfeita concordância com a das Sagradas Escrituras. CRISTO é o pão da vida. Aquele que vem a mim, diz o Salvador, jamais terá fome; aquele que crê em mim, jamais terá sede. Portanto, vir é comer; acreditar é beber. Novamente: “Aquele que crê em mim tem a vida eterna; e quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna”.

 

O mesmo resultado - a vida eterna - está ligado à crença em CRISTO, ou a comer a sua carne e beber o seu sangue. Essas expressões são equivalentes -significam a mesma ação espiritual; a menos que, de fato, passemos a defender que podemos ter vida eterna comendo sem acreditar, ou crendo sem comer.

 

7. A Presença Real Ritualista é contrária aos pontos de vista dos reformadores ingleses:

 

Cranmer: “Afirmam que CRISTO está corporalmente sob ou na forma de pão e vinho.  Afirmamos que Cristo não está ali, nem corporalmente nem espiritualmente, mas sim que está espiritualmente naqueles que dignamente comem e bebem o pão e o vinho, e corporalmente no céu. (P.S. p. 5).

 

Hooker: “A Real Presença do Corpo e Sangue de Cristo não deve, portanto, ser procurado no Sacramento, mas no receptor digno do Sacramento”. (Vol. ii. P. 5.)

 

Jeremy Taylor: “CRISTO está presente no sacramento apenas para nossos espíritos, ou seja, não em qualquer outro sentido que não seja o da fé. CRISTO está presente da mesma forma como o Espírito de DEUS está presente nos corações dos fiéis por bênção e graça”. (p. 522).

 

Onde está a diferença? Por "espiritualmente", os ritualistas querem dizer presente de modo espiritual. Nós, por "espiritualmente", queremos dizer presente apenas em nossos espíritos; isto é, assim como Cristo não está presente em qualquer outro sentido além da fé, um susto espiritual”. (Presença Real, p. 15). Novamente: “Mas nós, sobre a verdadeira presença espiritual de Cristo, entendemos que Cristo está presente, pois o Espírito de Deus está presente nos corações dos fiéis por bênção e graça.” (Ibidem). Por último, a seguinte citação extraída da sentença do Conselho Privado (Privy Council) no caso Bennett, de 8 de junho de 1872: “Qualquer outra presença além desta - QUALQUER PRESENÇA QUE NÃO A PRESENÇA PARA A ALMA DO RECEPTOR FIEL - a Igreja, por seus Artigos e Formulários, não ensina ou exige que seus ministros aceitem”. Impossível dizer isso de modo mais claro. Já foi dito o suficiente, não apenas para afirmar, mas também provar que a doutrina da Presença Real como ensinada pelos Ritualistas de nossos dias é antibíblica, anti-reforma e expressamente condenada pelos formulários da Igreja. Onde quer que esta doutrina seja posta em prática estará acompanhada pelo blasfemo Sacrifício da Missa e pela adoração idólatra da Hóstia. Este já é o caso em inúmeras igrejas em todo o País. Se a praga não for contida e eliminada, a Igreja Nacional Inglesa perderá sua influência sobre a opinião pública e ruirá. Vamos nos esforçar para evitar essa catástrofe.

 

Artigo escrito pelo Ven. William Francis Taylor, D.D., LL. D (1820 - 1906). Dr. Taylor foi um teólogo reformado do tipo de Cranmer, Ridley e Jewel, com cujas obras seu ensinamento, tanto do púlpito quanto do meio de publicações, provou-o completamente familiar. Em combinação com este conhecimento, ele trouxe um modelo de evangelismo mais profundo e espiritual dos grandes puritanos do século XVII, tais como Owen, Howe e Goodwin, cujos volumes maciços sobre as coisas profundas de Deus ele obviamente leu com prazer e grande vantagem. Ele serviu como Capelão do Bispo de Liverpool, Reitor Rural de Walton, Cânon Honorário da Catedral de Liverpool, Arquidiácono de Warrington e finalmente Arquidiácono de Liverpool.

 

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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