A Presença Real na Ceia do Senhor - Ven. Dr. William F. Taylor
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
I. É da maior importância compreendermos corretamente o significado da expressão “Presença Real”; caso contrário, podemos entrar em uma briga inexistente, ou deixar de lutar por aquilo que devemos defender.
II.
A Igreja da Inglaterra jamais usa, em qualquer dos seus formulários, a
expressão “Presença real” para se referir à Ceia do senhor. Na mente dos
Reformadores essa expressão era um sinônimo para a doutrina papista chamada
transubstanciação. Como nessas palavras
de Cranmer:
“A doutrina papista da Transubstanciação, da
presença real da carne e do sangue de Cristo no sacramento do altar, como eles
dizem”.
Apesar
disso, a presença real de CRISTO não apenas pode, mas deve ser defendida por
todo cristão verdadeiro; uma presença real, que é de "CRISTO e seu
Espírito Santo por seu grande e santificante poder, virtude e graça, não em ou
sob a forma de pão e vinho, mas em todos aqueles que dignamente os
recebem". Nem é esta presença real limitada ao uso correto da Ceia do
Senhor, mas é real também no uso correto de todas as ordenanças da Igreja de
Cristo, e em todos os meios de graça, sejam públicos ou privados.
III.
Os Ritualistas, no entanto, usam a expressão de modo diferente. Se não a
utilizam exatamente no sentido papista, ou seja, como equivalente a
Transubstanciação, o fazem expressando, substancialmente, a mesma doutrina; e
negar isso é mero jogo de palavras insignificante. A doutrina dos ritualistas é como se segue: "Que,
em virtude da consagração, o corpo e o sangue de Cristo, Nosso Salvador, estão
real e verdadeiramente presentes, apesar de espiritualmente e inefavelmente sob
a forma de pão e vinho". "Esta presença é conferida pela Palavra de
Cristo, tal como proclamada pelo sacerdote, através da operação do Espírito
Santo, independentemente da fé e de qualquer qualificação pessoal, seja por
parte do consagrante, seja por parte do receptor" (Declaration of
twenty-one priests: and Mackonochie’s pastoral).
O
significado de tais palavras é claro. Não importa se é chamado de
transubstanciação ou consubstanciação; super-local ou supra-local; inefável,
transcendental, misterioso ou espiritual. O significado é simples, a saber, que
o corpo e o sangue reais de Cristo estão real e verdadeiramente presentes na
mesa, sob a forma de pão e vinho.
IV.
Não é necessário explicar que se essa opinião estiver correta, são
consequências legítimas adorar o sacramento e aceitar o sacrifício da Missa. No
entanto, o objetivo deste texto é demonstrar que a doutrina da presença real, como
definida pelos ritualistas, é contrária à doutrina da Igreja da Inglaterra.
1.
Na oração de consagração rogamos a Deus que conceda que "recebamos o pão e
o vinho, de acordo com a abençoada instituição de nosso Salvador, Jesus Cristo,
em lembrança de sua morte e paixão, a fim de sermos participantes de seu
abençoado corpo e sangue".
Esta
petição seria totalmente desnecessária se Cristo estivesse literalmente
presente sob os elementos do pão e do vinho, já que receber um implicaria
receber o outro. Seria necessário pedir para sermos, não participantes, mas
participantes dignos.
2.
Na segunda oração pós-comunhão, agradecemos a Deus por Ele dignar-se a
"alimentar-nos, os que devidamente receberam esses sagrados mistérios
(isto é, sagrados sinais) com o alimento espiritual do precioso corpo e sangue
de Cristo, Nosso Salvador".
Se
diz aqui que a recepção do corpo e do sangue é limitada aqueles que
"devidamente recebem". Não seria assim caso a presença real estivesse
sob os elementos do pão e do vinho, independentemente de qualquer qualificação
pessoal por parte de quem os recebem.
3.
Ao termino da Comunhão, declaramos que "nenhuma adoração deve ser dada a
qualquer Presença Corporal do corpo e sangue naturais de Cristo. O corpo e
sangue naturais de nosso Salvador, Cristo, estão no céu, não aqui". É contra a verdade afirmar que o corpo
natural de Cristo possa estar em vários lugares ao mesmo tempo.
Observe
que qualquer Presença Corporal é negada pela Igreja. A palavra corporal é exatamente o que diz, nenhum
outro significado é possível. De modo que, a Igreja rejeita qualquer presença
corporal de CRISTO: não importa que palavras são usadas para mistificar as
coisas, como supra-local, inefável ou misterioso - para tudo isso nós
respondemos que a Igreja rejeita qualquer presença corpórea. Os Ritualistas
tentam escapar do peso desse argumento alegando que, enquanto o Corpo natural
de CRISTO está no céu, seu Corpo espiritual está sobre a mesa. Que pensamento
absurdo e herético. Tem Cristo dois corpos, um natural e um espiritual: um no
céu e outro na terra? Seria um insulto à inteligência até de uma criança tentar
refutar tal coisa que traz consigo sua própria refutação; seria como tentar
provar que 1 + 1 é igual a 3.
4.
Na Comunhão dos Enfermos nos é dito que “se o enfermo realmente se arrepende de
seus pecados e crê firmemente no Sangue de CRISTO derramado por sua redenção,
ele come e bebe o Corpo e o Sangue de Cristo proveitosamente para a saúde de
sua alma, ainda que incapaz de receber o sacramento com sua boca”.
Aqui
temos a presença real na alma do penitente, e de modo totalmente independente
do sacramento. O Catecismo nos ensina que “o Corpo e o Sangue de Cristo são
verdadeiramente tomados e recebidos pelos fiéis na Ceia do Senhor”. Essa
limitação da recepção à qualificação pessoal do receptor, ou seja, “pelos
fiéis”, é fatal para a ideia de uma presença real independente da fé. Os fiéis,
e somente os fiéis, isto é, aqueles que são de fato crentes em Cristo,
encontram uma presença real; uma presença real de CRISTO dentro de seus
corações, não nos elementos.
5.
O Artigo XXVIII declara que “o Corpo de Cristo é dado, tomado e comido na Ceia
somente de uma maneira celestial e espiritual. E o meio pelo qual o Corpo de
CRISTO é recebido e comido na Ceia é a Fé.”
Isso
não seria verdade se o Corpo fosse comido pela boca; porque isto não seria algo
espiritual, mas natural e carnal. Nem seria verdade que o Meio, o único meio de
recepção, é a Fé, caso o recebêssemos também nas mãos. A doutrina do artigo
XXVIII é, portanto, contra a noção da Presença Real Ritualística, e concorda
com a bela expressão de Hooker, que disse: “A fé é a única mão que toca em
Cristo para a justificação, e Cristo é a única vestimenta que, sendo por fé
vestida, encobre a vergonha de nossa natureza corrompida”.
6.
O título do Artigo XXIX diz “Sobre os iníquos, que não comem o Corpo de Cristo
na Ceia do Senhor”.
Este
artigo é conclusivo, mesmo se tomado isoladamente. Porque declara que “Os
ímpios, e os destituídos da fé viva, ainda que carnal e visivelmente comprimam
com os dentes (como diz Santo Agostinho) o Sacramento do Corpo e Sangue de
Cristo; nem por isso são, de maneira alguma, participantes de Cristo: mas antes,
para sua condenação, comem e bebem o sinal ou Sacramento de uma coisa tão
importante”.
Digno
de nota: aqueles que são destituídos de uma fé viva, não são participantes de
Cristo, embora comam e bebam o sinal exterior ou Sacramento. Isso não seria
verdade se houvesse uma presença real que independesse da fé; pois, neste caso,
eles de algum modo, mesmo que para sua condenação, receberiam CRISTO. Mas é
dito que eles “de maneira nenhuma” recebem o Corpo, mas apenas o sinal do
Corpo. Observe ainda o contraste entre estas afirmações e as encontradas no
Catecismo. Os fiéis recebem, na verdade, o corpo e o sangue de Cristo
verdadeira e realmente na ceia do Senhor; sim, sendo capazes de tomá-la ou não.
(Comunhão de Visitação dos Enfermos). Os incrédulos não são de modo algum,
participantes de Cristo, comendo ou não eles o sacramento. (Art. XXIX).
É
evidente, a luz disso, que a doutrina da Igreja sobre este assunto está em
perfeita concordância com a das Sagradas Escrituras. CRISTO é o pão da vida.
Aquele que vem a mim, diz o Salvador, jamais terá fome; aquele que crê em mim,
jamais terá sede. Portanto, vir é comer; acreditar é beber. Novamente: “Aquele
que crê em mim tem a vida eterna; e quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem a vida eterna”.
O
mesmo resultado - a vida eterna - está ligado à crença em CRISTO, ou a comer a sua
carne e beber o seu sangue. Essas expressões são equivalentes -significam a
mesma ação espiritual; a menos que, de fato, passemos a defender que podemos
ter vida eterna comendo sem acreditar, ou crendo sem comer.
7.
A Presença Real Ritualista é contrária aos pontos de vista dos reformadores
ingleses:
Cranmer:
“Afirmam que CRISTO está corporalmente sob ou na forma de pão e vinho. Afirmamos que Cristo não está ali, nem
corporalmente nem espiritualmente, mas sim que está espiritualmente naqueles
que dignamente comem e bebem o pão e o vinho, e corporalmente no céu. (P.S. p.
5).
Hooker:
“A Real Presença do Corpo e Sangue de Cristo não deve, portanto, ser procurado
no Sacramento, mas no receptor digno do Sacramento”. (Vol. ii. P. 5.)
Jeremy
Taylor: “CRISTO está presente no sacramento apenas para nossos espíritos, ou
seja, não em qualquer outro sentido que não seja o da fé. CRISTO está presente
da mesma forma como o Espírito de DEUS está presente nos corações dos fiéis por
bênção e graça”. (p. 522).
Onde
está a diferença? Por "espiritualmente", os ritualistas querem dizer
presente de modo espiritual. Nós, por "espiritualmente", queremos
dizer presente apenas em nossos espíritos; isto é, assim como Cristo não está
presente em qualquer outro sentido além da fé, um susto espiritual”. (Presença
Real, p. 15). Novamente: “Mas nós, sobre a verdadeira presença espiritual de
Cristo, entendemos que Cristo está presente, pois o Espírito de Deus está
presente nos corações dos fiéis por bênção e graça.” (Ibidem). Por último, a
seguinte citação extraída da sentença do Conselho Privado (Privy Council) no
caso Bennett, de 8 de junho de 1872: “Qualquer outra presença além desta -
QUALQUER PRESENÇA QUE NÃO A PRESENÇA PARA A ALMA DO RECEPTOR FIEL - a Igreja,
por seus Artigos e Formulários, não ensina ou exige que seus ministros
aceitem”. Impossível dizer isso de modo mais claro. Já foi dito o suficiente,
não apenas para afirmar, mas também provar que a doutrina da Presença Real como
ensinada pelos Ritualistas de nossos dias é antibíblica, anti-reforma e
expressamente condenada pelos formulários da Igreja. Onde quer que esta
doutrina seja posta em prática estará acompanhada pelo blasfemo Sacrifício da
Missa e pela adoração idólatra da Hóstia. Este já é o caso em inúmeras igrejas
em todo o País. Se a praga não for contida e eliminada, a Igreja Nacional Inglesa
perderá sua influência sobre a opinião pública e ruirá. Vamos nos esforçar para
evitar essa catástrofe.
Artigo escrito pelo Ven. William
Francis Taylor, D.D., LL. D (1820 - 1906). Dr. Taylor foi um teólogo reformado do tipo de
Cranmer, Ridley e Jewel, com cujas obras seu ensinamento, tanto do púlpito
quanto do meio de publicações, provou-o completamente familiar. Em combinação
com este conhecimento, ele trouxe um modelo de evangelismo mais profundo e
espiritual dos grandes puritanos do século XVII, tais como Owen, Howe e Goodwin,
cujos volumes maciços sobre as coisas profundas de Deus ele obviamente leu com
prazer e grande vantagem. Ele serviu como Capelão do Bispo de Liverpool, Reitor
Rural de Walton, Cânon Honorário da Catedral de Liverpool, Arquidiácono de
Warrington e finalmente Arquidiácono de Liverpool.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
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