A Inglaterra e a Estrada Ritualista para Roma - Bispo J. C. Ryle / Parte V
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
Admito que não temos nada do que nos gloriarmos. Nossas Bíblias
abertas, nosso Evangelho pregado, nossas liberdades civis e religiosas, nossos
abundantes meios de graça - todas essas coisas são tristemente negligenciadas e
mal utilizadas. Nosso abuso de tais privilégios clama aos céus contra nós. Mas,
ainda assim, estamos num estado muito melhor do que há quatrocentos anos. Há
fatos mais eloquentes que palavras, e fatos que os saudosistas do antigo
sistema católico, jamais poderão eclipsar.
A
Reforma encontrou os ingleses mergulhados na ignorância e deu-lhes a posse do
conhecimento; os encontrou sem Bíblias e deu-lhes a Bíblia em cada paróquia; os
encontrou em trevas e deu-lhes luz; os encontrou como escravos de sacerdotes, e
fez-lhes gozar a liberdade dada por Cristo; os encontrou ignorantes sobre o
sangue da Expiação, a fé, a graça e a santidade, e deu-lhes a chave para tudo
isso; os encontrou feito cegos, e lhes
permitiu enxergar; os encontrou feito escravos, e fez-lhes livres. Para sempre,
agradeçamos a Deus pela Reforma! Acendeu-se uma vela que nunca deve ser apagada
ou deixada esmaecer. E para sempre, recordemos que a Reforma nos foi conquistada
pelo sangue dos mártires tanto quanto pela pregação, oração, escrita e legislação.
Foi forjado nas fogueiras de Oxford e Smithfield. Custou a vida de um
arcebispo, quatro bispos e 280 outros, homens e mulheres que morreram em vez de
se renderem ao papado. Será que nós, neste século XIX, falaremos levianamente
da grande obra que realizaram? Devemos vender barato os privilégios que eles
adquiriram? Devemos cogitar, por um momento que for, a ideia de abandonar os
princípios da Reforma e voltar para Roma? Mais uma vez eu digo: Deus me livre!
O homem que recomenda tal apostasia fundamental e loucura suicida deveria ser
judicialmente interditado como incapaz, e certamente é um membro indigno da
Igreja da Inglaterra. O jugo de ferro foi quebrado; não vamos colocá-lo novamente.
A prisão foi aberta; não vamos retornar aos jugos e correntes. Me proponho, por
fim, salientar o perigo no qual a causa da Reforma é colocada, nos dias de
hoje, por esse travesso movimento romanizante dentro da Igreja da Inglaterra, que, com ou sem razão, é chamado de
ritualismo.
De
início surge logo uma questão que precisa ser analisada. Esse movimento caminha
em direção à Roma ou não? Os Ritualistas realmente desejam suprimir o
protestantismo e reintroduzir o papado? Centenas de clérigos bem-intencionados
e simplórios respondem: Não! Eles querem que acreditemos que os ritualistas
estão apenas visando um cerimonial mais ornamentado do que outros homens da
Igreja, e que eles não são Romanizadores
de forma alguma. Trata-se, dizem eles, de uma
questão de mais ou menos flores, mais ou menos ornamentos, e de mais ou menos
esteticismo e alta arte. Não teria nada a ver com o papado. Não tenho simpatia
para com estes amistosos apologistas. Acredito que estão completamente equivocados.
Sobre essa questão não tenho qualquer tipo de dúvida. Que esse ritualismo é um
movimento romanizante, alheio a Reforma, e que isso leva ao papado é tão claro para minha mente
quanto o sol do meio-dia. As provas, no meu humilde julgamento, são claras,
completas e irrespondíveis.
(a)
São prova disso os escritos de todos os principais Ritualistas da atualidade. Sugiro
que qualquer membro honesto e imparcial da Igreja pesquise publicações como o
Church Times; que leia alguns dos Catecismos e Manuais para Devoção publicados
pelos clérigos Ritualistas, e que examine as controvérsias legais que promovem
e fomentam, como o fazem por meio da English Church Union, e conte-nos claramente
a impressão que tudo deixa. Eu o desafio a evitar a conclusão de que o ritualismo
é uma estrada para Roma.
(b)
São provas disso a constante debandada de Ritualistas da Igreja da Inglaterra
para a Igreja de Roma. Por que homens como Manning, Newman, Oakley, Dodsworth,
Faber e Wilberforces foram para o acampamento do papa? Simplesmente porque eles
foram fieis aos princípios de sua escola e não poderiam fugir de sua conclusão
lógica. A migração deles é mais uma prova de que o ritualismo é uma estrada para
Roma.
(c)
São prova disso, o fato de que repetidamente o assunto vem sendo denunciado por
documentos episcopais nos últimos trinta anos. Ainda que suaves, gentis e conciliatórios
ao extremo, como esses documentos têm sido com demasiada frequência, é impossível
não ver que a maioria de nossos Prelados detecta uma tendência romanista no
ritualismo. Suas advertências aos ritualistas, reparem, quase sempre apontam a direção. “Tomem cuidado, meus
queridos filhos”, eles parecem dizer, “que vocês não vão longe demais. Vocês
são excelentes, eruditos, encantadores, agradáveis, sinceros e úteis companheiros;
mas não se aproximem demais. Estão em perigo de cair nos braços de Roma”.
(d)
Outra prova é a alegria demonstrada pelos próprios católicos frente o movimento
ritualista, e o desprezo com que é tratado pelos presbiterianos escoceses,
não-conformistas e pela maioria dos metodistas ingleses. Tanto a alegria de uns
quanto o desgosto de outros surgem pelo mesmo motivo. Os dois lados compreendem
claramente que o ritualismo é prejudicial ao protestantismo e favorável ao
Papado. A plateia serve como um bom juiz.
(e)
Acima de tudo e todas as provas, esta: a natureza de todas as novidades cerimoniais
que os Ritualistas inseriram no culto da Igreja durante os últimos vinte e
cinco anos. Sejam vestes, gestos, posturas, ações ou quaisquer outras coisas,
são novidades que apontam a mesma direção. Tudo feito para soar o menos protestante
possível. Tudo emprestado ou imitado do Papado. Tudo demonstrando um viés
comum, e um mesmo ânimo: um ansioso desejo de se afastar o máximo possível dos
caminhos dos reformadores e chegar o mais perto possível, seja legal ou
ilegalmente, dos caminhos de Roma. Tudo demonstrando a sistemática determinação
para tornar não Protestante, tanto quanto possível, o culto simples da pobre
Igreja da Inglaterra, e mesclá-lo, tanto quanto possível, à adoração berrante,
teatral e sensual do papado. Alguns poucos exemplos mostrarão o que quero dizer.
Os reformadores encontraram o sacrifício da missa em nossa igreja. Eles o
repudiaram como uma “fábula blasfema” e “engano perigoso”, e chamaram a Ceia do
Senhor de um sacramento. Os ritualistas reintroduziram a palavra “sacrifício” e
se gloriaram em chamar a Ceia do Senhor de “Missa”! Os reformadores encontraram
altares em todas as nossas igrejas. Eles ordenaram que fossem retirados, retiraram
completamente a palavra “altar” de nosso Livro de Oração, e passaram a falar somente
da Mesa do Senhor. Os ritualistas se deliciam em chamar a mesa do Senhor de
“altar”, e em estabelecerem altares papistas em todas as suas igrejas! Os reformadores
encontraram sacerdotes que ofereciam sacrifício, e os tornaram ministros da Palavra
e dos Sacramentos de Deus. Os Ritualistas se gloriam em chamar cada clérigo de
sacerdote que oferece sacrifício!
Os
reformadores encontraram em nossa Igreja a doutrina da presença corporal de
Cristo na Ceia do Senhor, sob os elementos do pão e do vinho. Eles deram a vida para combater essa doutrina.
Eles sequer permitiriam a expressão “presença real” ter lugar em nosso Livro de
Oração. Os ritualistas, no entanto, reintroduziram essa doutrina e adoram os
elementos consagrados como se o corpo e o sangue naturais de Cristo estivessem neles.
Os reformadores encontraram imagens em todas as nossas igrejas, além de
quadros, crucifixos e lugares sagrados. Eles os expulsaram ou os proibiram
veementemente. Os Ritualistas estão incessantemente tentando trazê-los de volta.
Os reformadores encontraram a nossa adoração recheada de procissões, incenso,
velas, gestos, posturas, flores e roupas sacerdotais vistosas. Ordenaram que tudo
isso fosse deixado de lado. Os ritualistas trabalham constantemente para reintroduzir
tais coisas. Os reformadores encontraram orações feitas aos santos mortos como
uma parte regular do culto inglês e as aboliram. Eles descreveram a invocação
dos santos, em nosso Artigo XXII, como “é uma coisa fútil e vãmente inventada,
que não se funda em testemunho algum da Escritura, mas ao contrário repugna à
Palavra de Deus”. Os Ritualistas, porém, advogam que se deve orar aos santos. O
Arcebispo de Canterbury, na Câmara dos Lordes, em 20 de abril de 1874,
apresentou provas documentais de que tais orações são recomendadas pelos Ritualistas:
“Eu imploro à Maria Santíssima, nossa Virgem, ao Abençoado Miguel Arcanjo, ao
Abençoado João Batista, aos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e a todos os
santos, que orem ao Senhor nosso Deus em meu favor”.
Os
reformadores declararam que o Rei tinha toda autoridade e poder neste reino,
tanto sobre assuntos eclesiásticos quanto civis. Já os ritualistas sustentam
que a Igreja está acima do Estado. As decisões dos tribunais eclesiásticos são
tratadas por eles com indisfarçado desprezo. Esquecem que a tentativa de tornar
a convocação do Parlamento independente, em 1640, foi uma das muitas coisas que
custaram a cabeça do Arcebispo Laud e provocaram as guerras da Comunidade das
Nações. Por último, e ainda pior, os Ritualistas estão revivendo a detestável
prática da Confissão Auricular. Esta é a prática claramente denunciada pelos
Reformadores na Homilia sobre o Arrependimento e na Apologia, de Jewell. Esta é
a prática que, colocada em tempos passados, levou a uma imoralidade tão abominável,
que até mesmo um papa emitiu uma bula contra as coisas relacionadas na Espanha.
Esta é a mesma prática miserável e detestável que os Ritualistas ressuscitaram
e estão tentando reintroduzir em todos os lugares. De todos os perniciosos reavivamentos
papistas pelos quais eles são responsáveis hoje, nenhum é pior que este. Não
admiro todos os ditos e feitos do falecido bispo Wilberforce, todavia, não
posso esquecer que um de seus últimos discursos públicos continha a seguinte
frase cheia de sabedoria: “o sistema de Confissão é uma das piores invenções do
papado”.
Alguém em sã consciência pode duvidar do que tudo isso significa? É possível ver para que lado o vento sopra. Ninharias cerimoniais mostram a corrente do sentimento religioso. Aquele que olha os fatos aqui apresentado e diz que o ritualismo não caminha para Roma, está além de todo argumento e deve ser deixado em paz. Não há ninguém tão cego quanto aqueles que não querem ver. "Temos o dever", disse o Dr. Johnson, "de encontrar argumentos para as pessoas, mas não somos obrigados a encontra-las com cérebros”. Porque, mesmo Dean Burgon, o decano de Chichester – inconfundivelmente um High Church - publicou um sermão sobre o assunto, chamado “a romanização na Igreja da Inglaterra”. É um sermão que merece leitura atenta devido sua indignação contra o ritualismo. Ele denuncia, em linguagem contundente, o culto a Maria e os ensinamentos antibíblicos sobre a Confissão e a Sagrada Comunhão. Dentre dezenas de coisas verdadeiras e boas, ele nos brinda com esta frase notável: "O único resultado lógico de tais princípios e práticas dentro da Igreja da Inglaterra será entregar muitas almas dúbias nas mãos da Igreja de Roma”. Certamente, diante de uma testemunha como esta, é absurdo nos dizerem que o ritualismo não tende para o papado e não é a estrada para Roma!
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
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