sábado, 20 de agosto de 2022

 

A Existência de Deus Comprovada Pela Contemplação do Universo / Rev Dr. Athanase Charles Coquerel (1816).

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

The Creation of the World and the Expulsion from Paradise - Giovanni di Paolo 1445. 

“À Srta. Héléna Maria Williams, como uma fraca prova de minha admiração por sua inteligência, de meu respeito por suas virtudes e sobretudo de meu reconhecimento por suas generosidades.” 

Athanase Coquerel

L'existence de Dieu prouvée par la contemplation de l'univers.


TESE TEOLÓGICA:

 

I - A finalidade desta tese é provar a existência de Deus pela contemplação do universo.

 

II - Geralmente entende-se por universo a totalidade do que Deus criou.

 

III - Entretanto, uma vez que é necessário supor, por um momento, que essa grande questão seja duvidosa, definiremos o universo, a totalidade do que existe, exceto a causa primeira pela qual tudo existe.

 

IV - Se um ser organizado, dotado com os mesmos sentidos que os nossos, pudesse se achar colocado, com a idade da razão, no meio dessas maravilhas que nos cercam, de cuja existência sequer poderia suspeitar de antemão, seus sentidos, sem experiência, seriam atingidos por sensações novas e variadas que receberiam em massa de todos os lados. Tudo, sem exceção, seria para ele a causa de uma admiração forçada. Se sua segunda ideia fosse a de procurar o autor dos objetos que lhe dão essas sensações, que ele não pudesse adivinhar, reconhecendo não ser ele mesmo o autor, tampouco o criador de si mesmo, não concederia ao acaso a honra dessa criação.

 

V - O homem, porém, entrando na vida, sem ter nenhuma ideia, tendo ideias somente à medida que recebe das sensações, chega à idade em que pode comparar e refletir. Tão acostumado em ter seus sentidos afetados, de certa forma, pelos diferentes objetos que o cercam, se aborrece completamente da excelência deles. Esquecido de aprofundar suas propriedades, se eleva, em suma, do conhecido ao desconhecido, por gradações tão numerosas e pouco diferenciadas, que a admiração nele é inteiramente destruída pelo costume. A visão de uma planta estranha, que ele não conhecia, o surpreende mais do que a continuidade do curso deste rio majestoso que o sacia. As transformações dos corpos celestes não possuem mais nada que o impressione, e o campo de trigo que o alimenta não significa nada em comparação a um fogo-fátuo que se manifesta todos os dias.


VI - Que diferença quando a reflexão vem ampará-lo! Ele vê que os fenômenos mais comuns são tão surpreendentes quanto os mais raros. Reconhece que a mesma ordem reina em toda natureza, admira a exatidão com a qual inúmeras causas secundárias, divergentes nas suas ações, se parecem nos seus efeitos e se reúnem à causa primeira para manter tudo em um justo equilibro. Por toda parte ele encontra esta perfeição na organização, este zelo nas coisas mais pequenas, assim como nas maiores, esta aliança direta entre o objetivo desejado e os meios empregados. Importa que as maravilhas nas quais o hábito o aborrecera tenham uma natureza mais admirável que as demais, por esta continuidade de operações semelhantes, por esta sucessão ininterrupta de fatos que as distinguem. Com essas provas infindas, ele reconhece a existência de um Deus criador de tudo.

 

VII - A própria existência do homem talvez seja a prova mais forte que ele encontra no universo a existência de um Ser Supremo. Livros não seriam suficientes para dar uma ideia da excelência de sua organização animal. Sem mencionar a estatura majestosa e nobre que distingue este rei da terra, de quem um poeta da antiguidade disse: “Deu ao Homem um rosto elevado, em que se salienta a superioridade do Homem sobre os animais, que tem a cabeça voltada para a terra.” A liberdade de seus movimentos, os sentidos preciosos pelos quais ele recebe todas essas sensações, os órgãos que lhe são apropriados, a construção do cérebro que se acredita ser a sede da alma, do coração que recebe e envia o sangue, das veias que o fazem circular em todo o corpo, os  músculos, as artérias, todos os impulsos que o fazem respirar, mover-se, alimentar-se, viver, em suma; a invariabilidade de suas funções, a ordem que reina entre elas, sua delicadeza, sua irritabilidade, tudo no corpo do homem vem ao apoio de nossa verdade.

 

VIII - Seria pouca coisa (se uma obra qualquer pode ser muito para um Ser Supremo) ter construído este corpo, tão surpreendente nas suas partes indispensáveis, como nas que o são menos, em ter formado a parte material do homem, para deixar esta argila organizada em um estado de insensibilidade. Todavia, neste corpo feito de pó, e que deve retornar ao pó, habita este espírito que o faz existir moralmente, esta essência que o constitui, este eu espiritual que não pode me abandonar sem que o eu material cesse de existir, este sopro de vida e de imortalidade, esta alma, em suma, dotada de faculdades admiráveis que a distinguem.

 

IX - O desejo de perfectibilidade, que é uma das provas de sua imortalidade, talvez nos dê, no porvir, os mais doces prazeres.

 

X - O sentimento do bem e do mal, esta consciência que nunca nos engana, que sempre nos alerta e que nos conduziria à felicidade se quiséssemos escutá-la, porque ela conduz à virtude.

 

XI - A lembrança das ideias e das coisas passadas, esta memória que nos dá tantas lições e gozos, que revela aos nossos olhos a imagem do que foi e não será mais, e nos faz, de algum modo, reviver, recriando ao nosso espírito os momentos em que vivemos.

 

XII - O poder de comunicar facilmente aos nossos semelhantes todas as nossas ideias e de receber facilmente todas as suas, este dom da fala que faz do homem um ser essencialmente sociável e que por si só lhe garantiria a supremacia sobre tudo o que respira, se ele não tivesse muitas outras funções para exercer. Isso tudo prova Deus como Criador e, consequentemente, que esse Deus existe.

 

XIII - E se o homem, com as faculdades espirituais que possui, elevasse seus pensamentos aos céus e às suas hostes, que nova matéria de admiração, que nova fonte de provas! Aqui o infinito se abre, de certa forma, à sua imaginação, e sua imaginação se surpreende e se espanta. O sol, centro do sistema no qual nosso globo ocupa um pequeno lugar, nos deixa desconhecer sua natureza, os elementos que o compõem, e nos concede suas graças. Devemos a ele este calor que a tudo vivifica, as chuvas que refrescam a terra, a luz tão preciosa que o prisma decompõe em sete cores primitivas e cuja velocidade é inconcebível. Ela leva apenas um segundo para percorrer 75.000 léguas e sai do sol até nós em 7 minutos e ½.[1]

 

XIV - A lua, satélite do nosso globo, que recebe sua luz do sol e que, pelo reflexo dos seus raios, dissipa a obscuridade das noites, os diferentes planetas do nosso sistema solar que, como o nosso, gravitam em torno de um mesmo centro, a rapidez assustadora de seus cursos, a invariabilidade de seus movimentos, o acordo perfeito que reina entre eles, tudo isso confunde o incrédulo.

 

XV - Laplace, pela análise das probabilidades, provou que haveria apenas uma chance em duzentos bilhões de que nosso sistema fosse resultado do acaso.

 

XVI - Se quisermos acrescentar uma nova prova além das dos corpos celestes que já fornecemos, reflitamos na simplicidade das leis que os governam. Todos os astros que compõem nosso sistema, todos se atraindo e atraídos mais fortemente pelo sol, seu centro em comum, uma vez dada a impulsão, percorreram, percorrem e percorrerão o espaço, sem parar, porque não encontram nenhum obstáculo em uma órbita regular, porque o sol os mantêm, sem se confundirem, porque eles se sustentam entre si, desde que sua força motriz não suspenda essa atração que os governa.

 

XVII - E se quisermos passar do que é rigorosamente certo ao que é apenas hipotético, embora provável, lembremo-nos de Herschell, às vezes encontrando, no círculo do seu imenso telescópio, apenas um céu sem luz e sem estrelas, assegurando que existem algumas de cuja luz, desde o começo do mundo, não chegou até nós, ainda percorrendo 75.000 léguas por segundo, embora podendo nos alcançar a qualquer momento. O mesmo cientista nos diz que a via láctea é apenas uma reunião de estrelas tão afastadas que parecem se misturar, que todos os astrônomos supõem há muito tempo que todas essas estrelas são apenas sóis, incomparavelmente maiores que o nosso, e que todas têm, como o nosso, planetas e satélites, que todas são atraídas aos seus sóis em comum e que esses sistemas solares reunidos, por sua vez, são atraídos por um mesmo centro. Isso é obra do acaso?

 

XVIII - Voltemos ao nosso globo. Que variedade nas suas produções vegetais, nas suas formas, cores e aromas! Que variedade nos habitantes da terra, do ar e das águas, que todos seguem a lei do instinto, a lei da natureza, sabem escolher seus alimentos e preparar suas moradas! Que esmero na estrutura dos seus corpos, qualquer que seja o tamanho deles! A asa de uma mosca, vista em um microscópio, é uma obra prima de sutileza e delicadeza, e Lyonnet encontrou em uma lagarta comum três mil músculos diferentes. Que fenômeno é a organização animal desses milhares de insetos quase imperceptíveis, que, como nós, sofrem e gozam, têm sentidos e necessidades, respiram, alimentam-se, vivem e morrem como nós! Podemos saber se não existem insetos que são também pequenos para eles, assim como eles o são para nós? Uma vez que no sangue do homem encontram-se seres vivos, sabemos se nas veias dessas criaturas não ocorre o mesmo? Onde pararemos nesta linha diminuta? Porventura isso é resultado de uma causa cega?

 

XIX - Reflitamos, por um momento, sobre os graus que nos fazem, por assim dizer, subir de um reino a outro e que só Deus poderia estabelecer. Comecemos com estes corpos que não têm movimento nem vida. Partamos do reino mineral; a vegetação lenta e pedregosa do coral o liga ao reino dos metais. A organização da sensitiva [2] que foge ao toque, dessas plantas que se fecham à noite e se abrem ao nascer do sol, daquelas que o seguem no seu curso, os diferentes sexos que se reconhecem nas flores não aproximam sua existência da vida imperfeita e vegetal do pólipo, que, no entanto, vive e respira?

 

O castor, por sua destreza, o cachorro, por sua fidelidade e memória, o elefante, por seu instinto (somos quase tentados a dizer por sua razão) não possuem algumas relações com o homem; e o homem, por sua vez, não possui esta alma imaterial que o assemelha aos anjos? Estes são os graus que unem tudo na natureza, a escala dos seres que atravessa todos os mundos e termina próximo ao trono de Deus.

 

XX - Finalmente, a objeção que pode ser feita sobre a existência de um Deus criador é a que resulta do sistema da eternidade do mundo. Ocellus Lucanus [3] foi o primeiro que expôs essa ideia, e Aristóteles abraçou sua opinião, que foi difundida com muita frequência entre os filósofos antigos. Podemos dar várias respostas. As artes e as ciências teriam feito progressos muito mais consideráveis se o mundo fosse eterno, porque o homem, sendo um ser essencialmente social, e encontrando no estado de sociedade os meios mais adequados para desenvolver suas faculdades intelectuais, teria levado tudo a um grau de perfeição muito superior ao que vemos, se ele tivesse, de alguma forma, tempo para isso. Os monumentos históricos teriam um grau de antiguidade muito maior, pela razão de que as artes teriam sido mais aperfeiçoadas; enquanto que a história pagã não faz o mundo mais antigo que Moisés e, após certo número de séculos, tudo está coberto com um véu que nada poderá levantar. A China, entre todas as nações, é a que reivindica a mais alta antiguidade. Entre Pan Ku [4], que eles consideram como o primeiro homem, e a morte de seu célebre Confúcio, em 479 a.C., eles contam 96.961.740 anos.

 

Vemos, todavia, aprofundando estes fatos, que as relações históricas chinesas, anteriores a Yao [5], que viveu 2057 anos a.C., tudo é fabuloso e cheio de contradição. Aliás, admitindo um Adão, reconhecem um começo e, se o mundo fosse eterno, o próprio sistema de sua eternidade teria, por sua antiguidade, uma prova muito mais forte em seu favor.

 

XXI - Finalmente, as Sagradas Escrituras declaram formalmente que Deus é o Criador de todas as coisas: Gn 1.1; Ex 20.11; Sl 145.5; Jr 10.12; 51.15; 32.17; Zc 12.1; Jn 1.9; Mt 11.25; Jo 1.3; At 4.24; 1 Co 8.6; Cl 1.16; Hb 3.4; 11.3; Ap 10.6; 14.7; 4.11.

 

[1] Optamos por manter as medidas originalmente expressas pelo autor, mesmo não correspondendo precisamente ao que se conhece hoje, ou seja, que a velocidade da luz equivale a 299.792.458 m/s ou 300.000 Km/s [Nota dos Editores].

 

[2] Mimosa pudica, popularmente conhecida como sensitiva ou dormideira, é um grupo de plantas que respondem a estímulos externos como a luz, gravidade, mudanças de temperatura, interferências químicas e toques, por exemplo, suas folhas se fecham ao serem tocadas [Nota dos Editores].

 

[3] Filósofo grego pitagórico, nascido em Lucania no século VI a.C., em sua única obra conhecida ‘Sobre a Natureza do Universo’ defendia a doutrina de que o Universo era incriado e eterno [Nota dos Editores].

 

[4] O primeiro ser vivo e protagonista na criação do Universo segundo o mito chinês da criação, nascido do grande ovo cósmico depois de uma disputa entre as forças Yin e Yang [Nota dos Editores].

 

[5] Etnia que deu origem ao povo chinês. [Nota dos Editores].

Revrerendo Dr. Athanase Laurent Charles Coquerel. 

Revrerendo Dr. Athanase Laurent Charles Coquerel (1795 - 1868), teólogo protestante francês, nascido em Paris, eleito deputado da Assembleia Constituinte após a revolução de fevereiro de 1848. Ele completou seus estudos teológicos no seminário protestante de Montauban, e em 1816 foi ordenado ministro. Em 1817, ele foi convidado a tornar-se pastor da capela de São Paulo em Jersey, mas recusou, não querendo assinar os Trinta e nove artigos da Igreja da Inglaterra. Nos doze anos seguintes, ele residiu na Holanda e pregou diante das congregações calvinistas em Amsterdã, Leiden e Utrecht.

Após a revolução de fevereiro de 1848, Coquerel foi eleito membro da Assembleia Nacional, onde se sentou como republicano moderado, tornando-se posteriormente membro da Assembleia Legislativa após as eleições de maio de 1849, vencidas pelo conservador Parti de l'Ordre.

 

Ele apoiou o primeiro ministério de Louis Napoleon e deu seu voto a favor da expedição a Roma e da restauração do poder temporal do papa. Após o golpe de Estado de 1851, ele se limitou ao trabalho pastoral. Escritor prolífico, bem como um orador popular e eloquente. Ele morreu em Paris em 10 de janeiro de 1868. Ele é o autor dos best-sellers Histoire sainte et analise da Bíblia (1839); Orthodoxie moderne (1842); Christologie (1858). 

Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.

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