A Herética Sucessão Apostólica Romana Rev. W. Hay M. H. Aitken.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
Lido na Conferência de Outono da Church
Association, em Norwich, novembro de 1903.
O sistema do Sacerdotismo
baseia-se na suposição fundamental de que Jesus Cristo criou certas ordens distintas
de ministérios e atribuiu a cada ordem prerrogativas e funções específicas.
Além disso, Ele teria instituído uma ordenança quase sacramental - a imposição
de mãos - pela qual a capacidade de exercer tais ofícios devem ser transmitida,
de modo que aqueles a quem Ele primeiro habilitou, pela imposição de suas mãos,
passassem adiante e sucessivamente todos os poderes ministeriais que receberam,
mantendo, dessa forma, uma sucessão ministerial regular até o fim dos tempos.
Chamo esse dogma de suposição e parece-me que estou certo em fazê-lo, porque há
muito pouco para embasá-lo no Novo Testamento, ou mesmo na literatura cristã
mais antiga posterior a conclusão do Cânon do Novo Testamento. Nosso Senhor, de
fato, designou doze indivíduos, a quem Ele chamou de Apóstolos, os quais
estavam com Ele, para que compartilhassem seus labores e dessem testemunho de
seus ensinamentos.
É indiscutível que esses
homens tinham um ofício peculiar. Nenhum outro ministro, de épocas posteriores,
poderia exercer algumas das proeminentes funções que, necessariamente,
pertenciam a estes, o que é evidente. Primeiro, eles seriam Seus companheiros
de viagem e assistentes, estendendo a influência de Sua missão e, de várias
maneiras, contribuindo para seu sucesso. Segundo, eles foram diretamente
encarregados de curar os enfermos, expulsar demônios e realizar outras obras poderosas.
Terceiro, eles deveriam ser testemunhas pessoais de seu caráter e dos grandes fatos
de Seu ministério. Quarto, eles seriam os repositórios de seu ensino oral; cuja
recordação e transmissão exatas foram garantidas pela ação do Espírito Santo,
para que pudessem transmitir a outros aquilo que eles mesmos haviam aprendido
de Cristo. Em quinto lugar, como o nome indica, eles foram enviados para levar
o Evangelho ao mundo.
Eles deveriam ser
evangelistas itinerantes, em vez de pastores estabelecidos; e todas as
histórias sobre terem se estabelecido como “Bispos” de localidades específicas
são meras tradições de uma data comparativamente tardia, destituídas de
qualquer valor histórico. Em sexto lugar, eles deveriam ser os fundamentos
humanos da Igreja, compartilhando, entretanto, segundo São Paulo, essa distinção
com outra ordem de obreiros - os profetas da Igreja cristã. Na visão de São
João, sobre a Cidade Santa, ela é descrita como tendo doze fundamentos nas
quais estão gravados os nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro. Observa-se aqui
que o número daqueles que possuem este título em seu sentido original e
restrito é limitado a doze, seja esse número formado pela escolha de São Matias
pelos Apóstolos ou pela escolha de São Paulo por parte de Cristo.
Em sétimo lugar,
inquestionavelmente, como acabamos de considerar, possuíam certa autoridade
limitada na Igreja - uma autoridade que, naturalmente, fluiu das peculiaridades
de seu cargo e posição. Agora, se existe uma sucessão apostólica, e se os
bispos são seus sucessores, pode apenas ser no sentido encontrado no ponto
sete. Nos outros seis aspectos os bispos não podem ser sucessores dos
apóstolos. Antes de continuarmos a considerar se os Bispos são mesmo sucessores
dos Apóstolos, mesmo neste aspecto específico (7), e, em caso afirmativo, até
que ponto o são, observemos que a única outra designação que Nosso Senhor fez
foi a dos Setenta. Estes obreiros não parecem ter sido Bispos, sacerdotes ou
diáconos, e ainda assim foram comissionados por Nosso Senhor e é deles que Ele
diz: “Quem vos recebe, a mim me recebe”.
Estamos longe de nosso
Senhor ter instituído diretamente as três ordens de ministério que ainda
existem, quando ele separou apenas duas classes de obreiros e não há nada que
mostre que qualquer uma delas seja idêntica a qualquer uma das atuais três
ordens. Mas é isso que deveríamos
esperar, se, de fato, é verdade que a própria existência da Igreja Cristã
depende da presença de uma classe particular de obreiros no meio dela? Eram os bispos,
de algum modo, os sucessores dos apóstolos? Vimos que eles só poderiam ter sido
de forma muito limitada, pois em seis dos sete aspectos de seu ofício, fica
bastante claro que os Apóstolos não poderiam ter sucessores. E quanto a sétima
característica do ministério deles? Os bispos são os herdeiros da autoridade
apostólica? Claramente, a autoridade exercida pelos apóstolos era tão singular
quanto qualquer outra coisa sobre o seu ministério. Primeiro, sua autoridade
não se limitava a nenhuma diocese particular, mas se estendia por toda a Igreja
de Deus. Em seguida, observamos que era uma autoridade que fluía da inspiração
Divina diretamente concedida a eles pelo Espírito Santo com o propósito
especial de comunicar a vontade de Deus à Igreja. Não é exagero dizer que São
Paulo baseia seu direito de exercer autoridade na Igreja sobre essa revelação
divina a ele concedida; distinguindo cuidadosamente entre aqueles seus
enunciados nos quais ele simplesmente expressava seu próprio julgamento não inspirado
e aquele seu usual ensino com autoridade e pelos quais se considerava um porta-voz,
de fato, da vontade de Deus. Sua autoridade era, portanto, intransferível, não
podendo ser exercida por aqueles a quem tal revelação não foi dada.
Em terceiro lugar, não há
evidências de que tal obreiro, o Bispo - no sentido em que agora usamos a
palavra - existisse até muito depois de os apóstolos (ou seja, os doze
originais) terem morrido. É verdade que o termo veio a ser mais vagamente
aplicado a certos obreiros da Igreja Cristã, tais como Barnabé e talvez Tiago
“o irmão do Senhor”, e certos “outros irmãos”, que são mencionados por São
Paulo como “apóstolos das Igrejas”. Porém, a aplicação deste título a eles não
os constituía Bispos. Em quarto lugar, descobrimos que, no final do primeiro
século e início do segundo, o ofício de Apóstolo ainda era tratado a partir de
algumas de suas características originais. Os Apóstolos são classificados, na
literatura cristã primitiva, como profetas exercendo um ministério irregular e
itinerante, distintos dos governantes locais e regulares da Igreja, denominados
Bispos, e assistidos por diáconos, de modo que não há prova de que os Bispos
eram sucessores dos Apóstolos, mas há evidências claras de que eles não eram
nada disso. Em um notável tratado recentemente descoberto, chamado Didache (ou,
O Ensinamento dos Doze Apóstolos), e que deve datar do final do primeiro século
ou começo do segundo, não deixa margem para dúvidas a respeito. Geralmente,
aqueles que creem no Episcopado, aceitam que Timóteo e Tito eram Bispos em
sucessão direta com os Apóstolos; mas também isso é, não apenas uma suposição,
mas uma suposição que se opõe às evidências que temos. Em primeiro lugar, suas
conexões com Éfeso e Creta deviam-se a circunstâncias de caráter especial, e
não a qualquer plano regular e reconhecido por um governo da Igreja sob
determinação dos apóstolos. Isto é evidente a partir das palavras de abertura
da Primeira Epístola a Timóteo e da Epístola a Tito.
Eles foram deixados nesses
lugares para enfrentar certos perigos que haviam surgido e para aperfeiçoar uma
organização que Paulo não teve tempo de terminar. E sua nomeação foi apenas
temporária. Eles foram instruídos a retomar sua posição como companheiros de
trabalho ao lado do grande Apóstolo assim que seu trabalho especial terminasse.
(Veja 2 Tim. 1:9 e Tito 3:12.). Segundo, não há evidências de terem sido ordenados
pela imposição de mãos para o exercício de qualquer ministério especial ou
episcopal. A inferência, de fato, aponta para outra direção. Pois Timóteo é
exortado a não negligenciar o dom que lhe foi dado pela profecia com a
imposição das mãos do presbitério. Agora, é absolutamente contrário à teoria da
Sucessão Apostólica que os Presbíteros deveriam ter sido capazes de criar um
Bispo, no sentido moderno da palavra. Os oficiais inferiores não poderiam chamar
a existência algo maior. Se esta passagem se refere à ordenação de Timóteo, ela
é muito difícil para aqueles que sustentam essa teoria. Primeiro porque prova
que a ordenação presbiteral é válida; e, segundo, fornece a mais clara evidência
de que Timóteo nunca foi consagrado bispo por imposição de mãos. Pergunto a
qualquer homem de bom senso e honesto: é concebível que, se São Paulo tivesse
escrito para um oficial que havia sido consagrado Bispo, o exortando a fazer
justiça ao dom que ele recebeu, não o fizesse como bispo ao invés de presbítero? Essa conclusão, que bagunça
completamente a teoria, é geralmente explicada com uma suposição absolutamente
gratuita: ao escrever uma segunda epístola, dois ou três anos depois, São Paulo
completa sua declaração explicando que, afinal de contas o dom veio através de
suas próprias mãos. (Veja 2 Timóteo I 6).
Fosse assim, por que, em
nome da razão, ele não falou isso desde a primeira carta? Foi o modo de São Paulo
atribuir a outros oficiais o exercício de funções que deviam sua validade à sua
posição oficial? Pergunto mais uma vez: é concebível que, se a condição
essencial para Timóteo receber seu dom estivesse na imposição das próprias mãos
do Apóstolo, ao invés de mencionar isso logo de início optou por palavras que
sugerem uma conclusão diferente? Além disso, quando examinarmos cuidadosamente
a passagem de 2 Timóteo encontramos uma razão mais forte para crer que São
Paulo não está se referindo à ordenação, mas sim àquele dom pentecostal que é
descrito como sendo comunicado pela imposição de suas mãos em Atos 19. Toda a
passagem tem a ver com a experiência pessoal de Timóteo, não com o seu ministério;
e o teor do versículo está em harmonia com o contexto, se considerado paralelamente,
mas fora de harmonia quando é interpretado como referindo-se à ordenação.
O Apóstolo está falando
da fé não fingida que habitava em Timóteo e, então, acrescenta: “Por cujo
motivo te lembro que despertes o dom de Deus que existe em ti pela imposição
das minhas mãos”. E então, associando a si mesmo a Timóteo, como um
companheiro-beneficiário deste dom, continua: “Porque Deus não nos deu o
espírito de covardia, mas o Espírito de poder, de amor e de moderação.”
Certamente estes são os mesmos dons que a efusão pentecostal concedeu e essa
interpretação sobre a imposição das mãos torna toda a passagem auto consistente
sob qualquer ângulo. Mas, pode-se perguntar: O status episcopal de Tito não é
provado pelo fato de ter sido comissionado para ordenar presbíteros em todas as
cidades? É suficiente responder que não existe, no Novo Testamento, tal palavra
como "ordenar" no sentido em que usamos a palavra.
Das duas palavras mais
comumente usadas e traduzidas como "ordenar", uma significa designar
para um cargo, e a outra diz apenas designar, mas nenhuma delas especifica como
isso deve ser feito. O espaço nos proíbe de discutir o assunto mais
detalhadamente. Apenas direi corajosamente que não há nenhuma evidência
realmente confiável sobre a existência de tal oficial como um bispo
“monárquico” até o tempo das epístolas de Inácio, isto é, a partir de algum
momento no primeiro quarto do segundo século. Sua origem naquele momento é
explicada por Jerônimo: “Após um presbítero ser eleito, pode ser colocado sobre
os demais; o que é feito para prevenir contra o cisma”. Sem dúvida a Igreja foi
sabiamente orientada, complementando assim suas instituições eclesiásticas
originais. Na medida em que os Apóstolos e os principais vieram a morrer,
tornou-se conveniente que outros substituíssem os líderes e a Igreja, não tendo
recebido nenhuma revelação expressa sobre o assunto, estava agindo dentro de
sua competência ao decidir por esta forma de governo. Além disso, admitimos
prontamente que, uma vez tomada essa decisão, tornou-se dever de todo filho
leal da Igreja aceitá-la e submeter-se ao governante devidamente designado como
representante da autoridade da mesma.
Totalmente diferente é
afirmar que essa forma particular de governo é uma questão de revelação divina
e que, portanto, é necessária à própria existência da Igreja. Na verdade, a
Igreja existiu sem bispos monárquicos por pelo menos cem anos e não há, portanto,
nenhuma razão para que não deva fazê-lo novamente, caso exista real necessidade
de dispensar o serviço destes. Não havia, portanto, nada que impedisse que as
grandes comunidades protestantes, incapazes de garantir os serviços dos Bispos
na época da Reforma, voltassem à uma forma anterior de governo; em lugar algum,
nem no Novo Testamento, nem na constituição da Igreja primitiva, se pode
mostrar que, ao fazê-lo, se desligam de todos os benefícios do ministério
cristão. Podemos resumir a questão em algumas poucas proposições:
(1)
Não pode haver sucessão apostólica, porque os Apóstolos (no sentido original da
palavra) não tiveram sucessores.
(2)
Aqueles que posteriormente foram chamados por este nome não pertenciam ao
ministério local regular, antes, eram os líderes no que tem sido chamado de
“ministério do entusiasmo”. Eles eram, de fato, pregadores itinerantes da
Missão e os catequizadores de seu tempo.
(3)
Não há uma palavra para mostrar que alguém foi separado para o ofício apostólico,
em qualquer sentido da palavra, pela imposição das mãos, enquanto este parece
ter sido o modo pelo qual os presbíteros foram separados para o seu trabalho.
Os bispos, portanto, devem traçar sua sucessão ao presbiterato, não aos
apóstolos.
(4)
Os governantes originais da Igreja nomeados pelos Apóstolos eram presbíteros, os
quais também levavam o nome de bispos, e essa ordem continuou, aparentemente,
de modo universal até o final do primeiro século e o começo do segundo.
(5)
Não há nada que mostre que os assistentes dos Apóstolos, como Timóteo e Tito,
pertenciam a uma ordem superior de ministério. Mas a sua associação com os
Apóstolos no trabalho missionário deu-lhes uma autoridade especial em igrejas
recém plantadas, igual à dos missionários que hoje pastoreiam os nativos.
(6)
Os bispos, no sentido tardio da palavra, foram posteriormente escolhidos entre
os presbíteros e não há nada que mostre que eles foram primeiramente
consagrados a este ofício por imposição de mãos.
(7)
Inicialmente, nos dias em que Inácio escreveu suas epístolas (se, de fato, são
dele), os bispos eram paroquiais e não diocesanos, exercendo autoridade apenas
em uma congregação particular e presidindo o colégio local de anciãos.
(8)
Pelo menos em alguns casos, parece que foram levados a esta posição de
presidência - se podemos julgar o caso a partir da declaração de Jerônimo sobre
a Igreja de Alexandria - pela eleição de seus companheiros presbíteros, assim
como hoje o papa é escolhido pelos cardeais; e, como neste caso, sem qualquer
nova consagração pela imposição das mãos.
(9)
O ofício episcopal, portanto, só pode reivindicar uma origem humana, não
diretamente divina. Foi trazido à existência não por uma revelação divina da
vontade de Deus, mas por uma combinação de circunstâncias que tornaram
desejável a criação de tal cargo.
(10)
A Igreja tinha o perfeito direito de assim organizar seu ministério, de modo
que ninguém tem o direito de repudiar a autoridade episcopal, a menos que, de
fato, essa autoridade seja abusiva e se torne instrumento de opressão
sacerdotal ou de oposição à verdade.
(11)
Quando tal abuso ocorreu, ou ocorrer, é absurdo supor que os cristãos que se
ressentem precisam ser deixados sem qualquer ministério autorizado, como se
essa instituição humana fosse necessária à existência da Igreja. Uma Igreja não
perde seu direito de delegar a autoridade que nela reside àqueles que ela tem o
direito de eleger como seus ministros, porque ela é fiel à verdade e não aos
ministros infiéis; nem o Deus Todo-Poderoso deu a Sua sanção a qualquer sistema
eclesiástico que tornasse possível um resultado tão monstruoso.
(12)
A imposição de mãos representa uma solene delegação de autoridade, mas a
recepção dos dons espirituais que qualificam para os ofícios sagrados deve
depender, não de um mero ato manual que pode ser algo meramente mecânico, mas
da relação pessoal com Deus, que liberará Seu poder para abençoar e fazer tornar
fonte de benção o digno receptor da graça da ordenação.
Reverendo William Hay Macdowell Hunter Aitken, M.A. (1841-1927) William foi o filho mais novo de Robert Aitken, vigário de Pendeen, na Cornualha. Ele foi educado no Wadham College, Oxford (BA em honras, 1865). Ele foi ordenado para a curadoria de St. Jude's, Mildmay Park, em 1865. Tornou-se titular da Christ Church, Everton, Liverpool, em 1871, mas renunciou em 1875 para se dedicar ao trabalho missionário paroquial. Tornou-se superintendente geral da Sociedade Missionária Paroquial da Igreja em 1877 e foi o Canon residente de Norwich, 1900–27. Ele publicou doze volumes de sermões, inúmeros hinos e outras obras.
Pesquisador, Tradutor, Editor e Organizador: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
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