Em tempos de tanta confusão
teológica (heresias de ordem: pentecostal, neopentecostal, carismátismo católico, adventismo e outras pragas...); por que passa a igreja cristã neste final do século XX e início do XXI, não é aconselhável
professar o cristianismo sem afirmar com clareza aquilo em que se crê. A igreja
de Cristo sempre foi uma igreja confessional, porque a genuinidade da nossa fé
tem que ser evidenciada naquilo em que cremos e confessamos.
Temos que ter a ousadia
de afirmar clara e abertamente e, de preferência, de forma escrita, as coisas
em que cremos. Reconheço que vivemos numa era que rejeita a noção do sagrado confessional,
mas esta posição tem que ser repensada.
Tantas são as heresias e
as tentativas de assalto à fé genuína que se torna necessária a formulação e a
confissão daquilo em que cremos, para que a igreja, na sua inteireza, não venha
a ficar perdida, lançada de um lado para outro por quaisquer ventos de doutrina.
Em todas as épocas os crentes
foram chamados a expressar a sua fé de uma forma confessional. É importante nos
lembrarmos de que não é necessária a adesão a um credo para que uma pessoa se
torne cristã, mas, uma vez cristã, a pessoa tem que confessar a sua fé. Essa
confissão é, em algum grau, um credo.
I. A Definição de
Credo e Confissão:
Philip Schaff diz que: “um credo, regra de fé ou símbolo é
uma confissão de fé para uso público, ou uma forma de palavras colocadas com autoridade…
que são consideradas como necessárias para a salvação, ou, ao menos, para o
bem-estar da igreja cristã.” Esta definição parece contradizer a sentença do
parágrafo anterior, mas obviamente devemos entender que Schaff está falando da necessidade de confissão antes
que da necessidade da elaboração escrita de um credo.
Um credo é uma elaboração
científica daquilo que cremos com base na Escritura Sagrada. “Um credo ou regra
de fé é uma afirmação concisa daquilo que alguém deve crer a fim de ser um cristão.”
Se alguém se confessa cristão, tem que possuir um conjunto de verdades
devidamente elaboradas em que professa crer. É necessário que o cristão
confesse a sua fé de forma que outros venham a saber em que ele crê. É uma insensatez
professar fé em Cristo sem saber o conteúdo do que se confessa.
Paul Wooley definiu credo como: “uma série de afirmações
conectadas que são cridas como verdadeiras e que são derivadas de fontes de
informação tais como os registros dos acontecimentos na história.” A definição
de uma confissão não difere basicamente da de um credo, senão na forma. Uma
confissão contém mais ou menos os mesmos elementos de um credo, mas de forma
bem mais elaborada, com detalhes que um credo não possui, por ser mais conciso.
Uma confissão aborda mais assuntos do que um credo, e os apresenta de forma mais
sistemática. Um credo sempre começa como credo ou credemus (“eu creio” ou “nós cremos”), enquanto que as confissões geralmente não
possuem essa característica.
II. A Importância da Historicidade
da Fé:
Os credos são extremamente
importantes para os cristãos que vivem no limiar do terceiro milênio, porque
estes não são essencialmente diferentes dos crentes que viveram nos primeiros
séculos da era cristã. Para os cristãos da era patrística, os credos foram
absolutamente necessários para a definição teológica e para a vida cristã
prática. A nossa fé tem que possuir raízes históricas, e os credos nos ajudam a
entendê-las. Por exemplo, o Credo Apostólico dá-nos
informações sobre quem foi Jesus Cristo. Ali se diz que ele nasceu da virgem
Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e
sepultado, ressurgindo dos mortos ao terceiro dia. Esses todos são dados
históricos. Eles são uma afirmação de nossa fé histórica. Se a redenção trazida
por Cristo não é um fato histórico, como alguns “teólogos contemporâneos”
chegaram a afirmar, então nós não somos realmente redimidos. Se a queda no Éden
não foi um fato histórico, então não existe corrupção nem culpa. Se negamos a historicidade
do Éden haveremos de negar a historicidade da redenção em Cristo e a autoridade
do próprio Cristo, que creu nas afirmações do Gênesis. É absolutamente
essencial que levemos em conta as raízes históricas de nossa fé.
Na mente de uma porção de
teólogos e de cristãos individuais, as coisas mencionadas acima são meras ideias,
não fatos. Se o pecado humano é uma mera ideia, e não um fato, a salvação que
se diz ter sido trazida por Cristo também o é. Mas a escravidão ao pecado é
algo tão real que ninguém pode negar, nem mesmo os homens mais ímpios, e a
redenção trazida por Cristo é uma realidade histórica em nossa vida pessoal, e
é absolutamente inegável. Que o digam os que foram alcançados por ela! Por essa
razão, precisamos confessá-la.
Se a nossa fé não tem raízes
históricas, ela perde o seu fundamento. Uma fé sem essas raízes é docética, isto
é, solta no espaço, sem qualquer ligação com o real, e nada tem a ver conosco. Os credos, catecismos e as confissões de
fé; sempre nos
situaram historicamente com respeito a pessoas e eventos, especialmente os
relacionados com Jesus Cristo, o Senhor e Redentor. Deus, que é eterno e
a-histórico, fez com que seu Filho se tornasse um personagem da história para
poder ser um de nós, um membro de nossa raça, a fim de que pudesse realizar a
obra da redenção em nosso favor. Por essa razão, a Escritura sempre nos situa
no tempo e na história (falando, por exemplo, de Belém no tempo de Herodes), e
os credos fazem exatamente o mesmo.
Portanto, os credos e
confissões da igreja cristã reformada sempre nos reportam às origens e ao desenvolvimento histórico de nossa
fé. Como já vimos anteriormente, primeiro vieram os credos, expressões
resumidas da fé cristã. Posteriormente, vieram as confissões, que foram
expressões mais elaboradas, sendo ambos, credos e confissões, resultado direto
das controvérsias vigentes na época em que foram preparados. Nenhum de nós pode
dizer, em sã consciência, da falta de importância dos credos e confissões nos
tempos modernos, embora o tempo presente nos convide a isso. É um tempo de antidogmatismo
e de aversão a afirmações confessionais. No entanto, os genuínos cristãos
sempre se importaram com a historicidade da sua fé. Nisso também não sejamos
diferentes daqueles com quem queremos ser parecidos!
III. A Origem
Eclesiástica dos Credos e Confissões:
Os credos tiveram a sua
origem nos primeiros séculos da igreja cristã, especialmente quando das
controvérsias dos séculos IV e V. O primeiro credo conhecido historicamente foi
o chamado Credo Apostólico, que provavelmente tenha sido formulado no segundo
século, mas sofreu algumas alterações até o século VI, quando algumas coisas
lhe foram acrescentadas. Não conhecemos a sua verdadeira origem, nem quem foram
os seus autores. Há outros credos na história da igreja dos quais sabemos bastante,
embora o espaço aqui não nos permita dizer muito sobre eles.
No ano 325, cerca de 300
bispos formularam um credo no Concílio de Nicéia, na Ásia Menor, que tratou das
controvérsias cristológicas relacionadas à trindade e condenou as heresias de Ário.
Depois houve o Credo de Constantinopla (381), elaborado por 150 bispos, que é
popularmente conhecido como o “Credo Niceno” simplesmente por refletir o ensino
de Nicéia. Todavia, ele vai além dos ensinos de Nicéia, pois afirma a plena divindade
do Espírito Santo.
O Credo de Calcedônia
(451) trata especificamente das duas naturezas de Jesus Cristo, sobre as quais
a igreja pouco acrescentou posteriormente, em virtude da precisão das suas ideias.
Além desses primeiros credos, vários outros apareceram posteriormente,
expressando a fé da igreja e dando-lhe um norte teológico para fazer face às
heresias.
Somente bem mais tarde,
na época da Reforma, é que apareceram as confissões de fé, que trataram da
doutrina cristã de um modo bem mais elaborado que os credos. Inicialmente
surgiu a Confissão de Augsburgo (1530), de tradição luterana. Depois vieram as de cunho calvinista: a Segunda Confissão Helvética (1566), a Confissão Escocesa (1560) e a Confissão de Fé de Westminster (1646), que foi a última das grandes confissões e
certamente a que veio a apresentar as definições mais precisas da doutrina
reformada. Houve outras confissões de menor importância histórica, além dos catecismos que formaram a base doutrinária das igrejas,
especialmente as de cunho luterano e calvinista.
IV. A Origem
Escriturística dos Credos:
O cristianismo é a única
grande religião do mundo que tem esboçado o conteúdo de sua fé na forma de
credos. Um credo não é a Palavra de Deus aos homens, mas é composto de palavras
de homens a respeito de Deus, uma resposta humana à revelação divina. Uma
afirmação credal é a primeira elaboração de teologia feita pelos cristãos.
Todavia, os credos não precisam ser necessariamente escritos, pois nos começos
do cristianismo a fé era expressa oralmente aos catecúmenos ou professada por
eles no batismo, muito antes de eles serem colocados em forma escrita.
O começo das formulações
confessionais está evidenciado nas afirmações proto-credais das páginas do Novo
Testamento. O eminente historiador Schaff disse que
“os credos nunca precedem a fé, mas a pressupõem.” A fé elaborada pela igreja é
apenas uma exteriorização daquilo que os cristãos creem no coração. Se creem com
o coração, disse Paulo, eles têm que confessar com a boca (Rm 10.9-10). Schaff diz ainda que os credos “emanam da vida
interior da igreja, independentemente da ocasião externa… Em um certo sentido
pode se dizer que a igreja cristã nunca ficou sem um credo.”
Parece que as formulações
doutrinárias já eram comuns no tempo dos apóstolos. O gérmen dos credos está
afirmado nos escritos apostólicos. Judas, por exemplo, faz referência direta a
algum tipo de formulação existente no seu tempo. Ele fala da “fé que uma vez
por todas foi entregue aos santos” (v. 3). Essa fé é o conjunto de verdades
reveladas que estavam de alguma forma sistematizadas e eram aceitas pelos
crentes de então. No v. 20 Judas fala da edificação dos crentes na fé
santíssima, o que pressupõe a existência de uma formulação pré-credal. Em
contraste com as doutrinas errôneas ensinadas no seu tempo (1 Tm 1.3; 6.3),
Paulo fala a Timóteo (e a Tito) a respeito da “sã doutrina” (1 Tm 1.10; 4.6; 2
Tm 4.3; Tt 2.1), que ele devia ensinar (2 Tm 4.2-3) e pela qual deveria zelar
(1 Tm 4.16; 6.1). A pregação da “palavra fiel” deve ser “segundo a doutrina”
(Tt 1.9), e a doutrina deve ser “ornada” pelo proceder dos crentes (Tt 2.10).
No período apostólico já
havia algumas doutrinas elaboradas que o escritor aos Hebreus chama de “princípios
elementares da doutrina de Cristo” (ver Hb 6.1-3). Ele também expressa a sua
preocupação com a entrada de “doutrinas várias e estranhas” no seio das igrejas
(Hb 13.9), que exigiam a definição da verdadeira doutrina. Portanto, nos tempos
do Novo Testamento já se via a grande importância de se crer corretamente, isto
é, a importância de permanecer na doutrina ensinada por Cristo (ver 2 Jo 8-11).
Os escritores bíblicos
usam outros sinônimos para doutrina nos seus escritos: fé (Gl 1.23; Fp 1.27; Cl
2.7; 1 Tm 1.19-20; Tt 1.13; Judas 3); tradição, significando a verdade passada
adiante (1 Co 11.2,23; 15.3; 2 Ts 2.15); padrão das sãs palavras (2 Tm 1.13);
bom depósito (1 Tm 6.20; 2 Tm 1.14); a palavra que vos foi evangelizada (1 Pe 1.25).
Essas doutrinas já eram elaboradas, embora não exaustivamente e, de alguma
forma, confessadas publicamente pelos crentes do Novo Testamento.
Contudo, a essa altura,
não se pode falar que havia credos formalmente elaborados na igreja do Novo
Testamento, mas a ideia de um credo já estava perfeitamente a caminho. Segundo Bruce Demarest, “Paulo em Rm 10.9-10 esboça três elementos
essenciais de uma confissão que salva: crença na divindade de Cristo, sua morte
expiatória, e sua ressurreição.” Mesmo não havendo uma elaboração propositada,
podemos perceber os fragmentos de um credo em alguns escritos do Novo Testamento,
especialmente os elementos relacionados com a obra redentora de Jesus Cristo:
Antes de tudo vos
entreguei o que também recebi: Que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo
as Escrituras, Que foi sepultado, Que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
Escrituras. E apareceu a Cefas, E, depois, aos doze.
Depois foi visto por
mais de quinhentos irmãos de uma só vez…. Depois foi visto por Tiago, E, então,
por todos os apóstolos, E, finalmente, por mim… (1 Co 15.3-8).
Parece-nos que este
texto revela algum propósito de catequese ou pregação. Kelly justifica tal possibilidade dizendo que este
sumário “dá a essência da mensagem cristã numa forma concentrada.” (Ver outros
exemplos similares em Rm 1.3-5; 8.34; 1 Co 8.6; 1 Tm 3.16; 1 Pe 3.18-22.).
Um texto que fala de uma
espécie de credo-confissão está patente em 1 Tm 6.13-14. Provavelmente essa
confissão preparava as pessoas para o batismo. Um texto semelhante é II Tm
4.1 (ver também Rm 4.24). Esses exemplos não devem ser considerados credos no sentido
usual do termo, mas parecem indicar a presença dos elementos de um credo. Philip Schaff estava absolutamente certo quando afirmou
que “num certo sentido, a Igreja Cristã nunca existiu sem um credo.”
V. A Necessidade dos
Credos e Confissões:
As Igrejas Reformadas sempre primaram pela elaboração de credos e
confissões. É característica das mesmas serem confessionais. Com base nas afirmações
confessionais da Escritura, as Igrejas Reformadas viram a necessidade
de possuírem uma identidade teológica. E há algumas razões que tornam necessária
a formulação de um credo:
A. A Natureza da
Igreja:
A igreja de Cristo não é
simplesmente uma reunião de pessoas que coincidentemente pensam a mesma coisa.
Elas devem pensar basicamente as mesmas coisas porque para elas existe um só
padrão de referência que é a Santa Escritura. A igreja de Cristo sempre foi
confessante, porque a fé do coração deve ser expressa em proposições, em termos
lúcidos, de forma que todos possam saber claramente em que a igreja crê.
Um credo deve ser a
expressão exterior daquilo que a igreja crê interiormente. Ele é o produto da
reflexão da igreja sobre a revelação divina. “Quanto mais rica for a reflexão
da igreja, mais pleno e mais profundo torna-se o tom de sua confissão.” Um credo
ou confissão sempre deve expressar o labor da igreja sob a orientação do Espírito
Santo. Todavia, houve uma outra razão para a elaboração dos credos e confissões
na história da igreja:
B. O Ataque de Outras
Tradições Religiosas:
Onde quer que a igreja
professe abertamente a sua fé, ela irá encontrar oposição. Quanto mais definida
em sua teologia, mais oposição a igreja receberá. É importante observar que foi
nos períodos de maior confrontação que a igreja mais produziu em termos de credos
e confissões. Qual é a razão por que a igreja contemporânea não tem sido perseguida
e atacada? É porque ela tem deixado de ser definida teologicamente. Historicamente,
todas as vezes em que a igreja enfrentou oposição, ela se definiu. Certamente, a
igreja contemporânea haverá de enfrentar discriminação quando tiver definido os
seus rumos teológicos de maneira inequívoca. Será que a igreja contemporânea
está disposta a pagar esse preço?
Os credos e as confissões
mostram que a igreja tem definições a fazer e rumos a seguir. A verdadeira
igreja de Cristo tem que possuir um norte teológico a ser seguido; ela não pode
permanecer neutra nas questões espirituais, éticas e morais. Ela tem que ser confessional
para poder combater os inimigos teológicos. Do contrário, ficará desnorteada. Uma
outra razão que torna necessária a existência de credos e confissões na
atualidade é:
C. O Espírito do
Tempo Presente:
Vivemos num tempo muito
diferente do período da Reforma, quando as confissões foram formuladas. Havia
então muitos inimigos da fé protestante, mas agora a situação é absolutamente
diferente. Os protestantes não são tratados da mesma forma, e ninguém os tem
atacado como aconteceu no passado.
Contudo, essa situação
não dispensa a necessidade de credos e confissões, pois é exatamente num tempo
como o de hoje, de indefinição teológica, que se faz necessária a afirmação da
verdade de forma objetiva.
O ambiente teológico
atual é o de um pluralismo onde as
pessoas fogem de verdades objetivamente afirmadas. A Escritura tem sido abordada
por óticas diferentes, que geralmente são chamadas de cosmovisões. Ela tem sido interpretada por pessoas que
possuem cosmovisões muito diversas, que ocasionam entendimentos bastante
diferentes dos mesmos textos.
A fé reformada é uma tentativa justa e consistente de interpretar a Escritura de acordo com a própria Escritura. Portanto, ao encerrar-se o século XX, as Igrejas Reformadas têm que fazer jus à sua história e reafirmar veementemente a fé que uma vez por todas nos foi entregue, da forma em que está interpretada pelos símbolos reformados de fé. Uma outra razão que torna absolutamente necessária a afirmação objetiva da nossa fé é:
D. O Experiencialismo
Vigente em Nossos Dias:
O subjetivismo de nossa geração
obriga a igreja a voltar aos padrões confessionais. Muitos evangélicos estão
embarcando num experiencialismo desenfreado, onde os sentimentos têm sido a
medida de todas as coisas, assim como no Iluminismo a razão tornou-se a medida de todas as coisas. Muitos ministros têm desprezado
a verdade da Escritura e preferido as experiências místicas, que têm se tornado a sua “regra de fé.” O resultado disso é que a
igreja evangélica no mundo se tornou uma Babel teológica, onde ninguém consegue
falar a mesma língua, porque não existe padrão objetivo de verdade em que se
possa confiar.
No cristianismo atual não
há paradigmas confiáveis. A ênfase está na subjetividade das opiniões que
controlam todo o arcabouço teológico de muitos líderes espirituais, os quais,
com muita facilidade e maestria, controlam a mente e os sentimentos de “seus
fiéis.” É patente a necessidade dos credos nos dias de hoje, para que tenhamos
um paradigma confiável baseado na totalidade da Palavra de Deus. Há mais uma
razão a evidenciar a necessidade da reafirmação dos credos e confissões.
Trata-se de um problema específico de nossa geração:
E. A Influência do
Pluralismo Religioso:
A presente geração anda tateando às cegas, sem saber onde apoiar-se. Tem sido ensinado nas escolas e, o que é mais desconcertante, em muitas igrejas da Europa, dos Estados Unidos e em algumas aqui do Brasil, que as religiões não-cristãs são caminhos alternativos para Deus. Jesus não é o único modo de chegar-se a Deus. Alguns cristãos admitem que Jesus é até o melhor, mas não o único. Por causa dessa filosofia religiosa, a verdade que foi pregada até o período pré-moderno não é mais a única. Não existe uma verdade na qual as pessoas possam confiar, porque elas têm sido ensinadas que ninguém possui a verdade, e sim que as verdades dependem do ponto de vista de cada um.
Há uma variedade de
verdades, dependendo do gosto do freguês.
E, como não possuem
discernimento espiritual, as pessoas andam desnorteadas.
Este tempo é de grande
urgência para a igreja cristã, que pode e deve assumir posições teológicas e
ético-morais a fim de poder ser uma bússola para as pessoas desorientadas.
O tempo presente exige
dos genuínos cristãos uma fé seguramente formulada e confessada, a fim de que
seja o único caminho de salvação, um guia seguro para o céu, pois aponta a
única verdade que é Jesus, e tudo o que ele disse e fez por pecadores perdidos.
Há uma última razão que
torna necessária a reafirmação dos credos e confissões em nossos dias. Talvez
esta seja a mais importante de todas, porque tem uma conotação positiva:
F. A Pureza da
Doutrina:
Escrevendo à igreja de
Filipos, Paulo disse de maneira inequívoca que os irmãos deviam “lutar juntos
pela fé evangélica” (Fp 1.27). Essa fé mencionada por Paulo era o conjunto de
verdades que os crentes haviam recebido dos apóstolos e que deviam preservar
até mesmo ao custo de suas próprias vidas. Esse espírito de união na luta pela
fé deveria unir todos os cristãos. Estes é que deveriam preservar a pureza da
doutrina. Se os cristãos genuínos não fizerem isto, eles põem a perder todo o
seu fundamento teológico.
A mesma ideia teve
Judas, provavelmente o irmão do Senhor, quando escreveu aos seus leitores,
exortando-os a batalharem “diligentemente pela fé que uma vez por todas foi
entregue aos santos” (v. 3). É responsabilidade nossa defender a fé, mas como
defendê-la se não a temos afirmada e confessada? A Escritura tem que ser
entendida da maneira mais clara possível e este entendimento tem que ser
afirmado confessionalmente, a fim de mostrarmos ao mundo aquilo em que cremos,
sendo homens e mulheres teologicamente definidos. Além disso, Judas diz que
essa batalha tem que ser diligente, mostrando todo o nosso esforço na preservação
da pureza da doutrina.
Na época em que Judas escreveu,
o Novo Testamento ainda não havia sido reunido canonicamente. As verdades eram
conhecidas dos crentes de um modo verbal. Só um pouco mais tarde é que as
cartas foram colecionadas. Judas, portanto, referia-se aos conceitos doutrinários
que os crentes haviam recebido dos apóstolos e pelos quais deveriam batalhar diligentemente.
Eles não deviam permitir que a fé fosse deturpada, como alguns costumavam fazer
(2 Pe 3.16). A pureza da doutrina é uma questão prioritária e fundamental em todas
as épocas, especialmente quando ela se encontra debaixo de tantos ataques.
Não há como preservar
a pureza da doutrina de Deus se ela não for devidamente escrita e confessada.
VI. Os Principais
Propósitos na Formulação dos Credos:
Originalmente os credos
foram elaborados para serem úteis à vida da igreja. Eles eram a confissão
daquilo que estava no coração dos crentes; serviam para que os crentes se
tornassem conhecidos na sociedade como seguidores de Jesus Cristo; e serviam
também para conduzir outras pessoas a ele pela influência do seu testemunho.
Mas, poderíamos dizer de
forma mais elaborada que:
A. Jesus Sempre quis que os Homens Fizessem uma
Confissão Daquilo em que Criam Sempre houve a necessidade de se confessar aquilo
em que se crê (Mt 10.32-33; Rm 10.9-10). Segundo Mt 16.15, Jesus perguntou aos
seus discípulos: “Mas vós quem dizeis que eu sou?” Ele queria que os seus
discípulos afirmassem sua posição com relação à sua pessoa. Todos nós temos que
confessar Jesus, quem ele é, o que ele fez. Talvez a primeira formulação de uma
doutrina ou dogma cristão esteja relacionada com a resposta de Pedro: “Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo.” Obviamente, esta confissão de Pedro foi, posteriormente,
expandida e melhor articulada.A confissão é um elemento essencial da fé. Este
princípio fundamental não pode ser negado, segundo o ensino do Novo Testamento.
Melanchton, uma das mentes mais brilhantes do tempo da
Reforma, disse: “Nenhuma fé é firme se não é mostrada em confissão.” Não existe
uma fé em Cristo que não se expresse em uma formulação doutrinária ou
dogmática. “Uma fé sem dogma, sem confissão, está continuamente em perigo de
não mais saber o que realmente crê e, portanto, em perigo de cair ao nível de
uma mera religiosidade.”
B. Na Igreja Apostólica os Crentes Começaram a Orar ao Senhor Exaltado Este é um fato que não pode ser ignorado. Mas qual é a dificuldade, alguém perguntaria. De forma correta, cria-se que as orações deviam ser dirigidas somente a Deus. Se eles estavam orando a Jesus Cristo, eles teriam que começar a elaborar uma formulação doutrinária que justificasse aquela sua atitude de oração. Logo, a questão do relacionamento entre Deus e Jesus Cristo tinha que ser estabelecida. Não havia outra forma de tratar o problema. Algum tempo mais tarde começaram as formulações credais oriundas das controvérsias sobre a doutrina da trindade e dos problemas cristológicos. Obviamente, as elaborações mais sofisticadas foram posteriores, somente nos séculos IV e V, nos primeiros concílios ecumênicos. Não é de se estranhar, portanto, que os primeiros dogmas a serem formulados na igreja cristã tenham sido o da trindade e o das duas naturezas de Cristo. Também não foi acidente que, logo em seguida, aparecessem problemas de antropologia, com as doutrinas do pecado e da graça sendo esclarecidas na igreja ocidental nas lutas que Agostinho teve com Pelágio.
C. O Aparecimento de Crenças Estranhas Levou à Necessária Formulação dos Credos, para que a Genuína Fé Cristã fosse Distinguida das Heresias que Apareciam Com frequência os credos tinham que ser elaborados para explicar melhor a formulação doutrinária já existente na igreja. Em todos os tempos a formulação de doutrinas revelou uma preocupação séria da igreja com algum ponto fundamental da fé. Todas as doutrinas apareceram para explicar problemas de importância fundamental para a vida da igreja, tanto sobre o entendimento como sobre o conteúdo da fé. Era a melhor maneira de educar e catequizar a igreja — que estava em franco crescimento — a respeito das verdades cristãs mais importantes.
VII. Os Credos e Confissões
São o Resultado de Uma Experimentação?
Se considerarmos que tais documentos são formulados cientificamente, então temos que admitir que revelam o resultado de uma experimentação. Neles os teólogos trabalham arduamente para chegarem a uma conclusão bem elaborada que reflita a interpretação correta das Escrituras, após analisarem as várias interpretações disponíveis no decurso da história da igreja e na averiguação das interpretações correntes. Qual deve ser a fonte última de pesquisas para os credos e confissões cristãs? Obviamente, é a Escritura Sagrada. Ela é a fonte básica para a formulação dos credos, assim como a natureza é a fonte básica para as outras formulações científicas. A Escritura deve ser a fonte de toda pesquisa porque ela é uma revelação singular de Deus.
Uma outra questão surge
na mente das pessoas: os credos devem ter como fonte única a Escritura, ou a
experiência cristã também deve contribuir para a formulação dos mesmos? Wooley diz que a experiência de fato lança luz sobre
a Bíblia, mas uma ou a outra deve ter a prioridade. Se a Bíblia é apenas um
registro da experiência humana, então a questão está resolvida. A fonte básica
é a experiência. Mas se as reivindicações da Bíblia devem ser aceitas, ela é um
livro que contém um registro singular, totalmente distintivo, da verdade dada
por Deus. Em outras palavras, não há nada mais igual a ela. Se isto é verdade,
a Bíblia é a fonte definitiva. Neste ponto, a escolha tem que ser feita. O
cristão diz que ela tem que ser feita com a assistência de Deus.
Qual é o significado da
Bíblia? O que a Bíblia realmente quer dizer a nós? Os credos e confissões são
uma tentativa de responder a estas perguntas de forma sistemática, porque a Bíblia
não é um compêndio sistematizado de doutrinas. Quando da formulação de tais
documentos, os estudiosos trabalham cientificamente para produzir aquilo que creem
ser expressão da verdade de Deus, com base
nas informações que possuem.
O investigador da Escritura
começa por tentar descobrir o que o autor humano tinha em mente quando escreveu,
o que ele estava tentando dizer. Mas o investigador não pode parar aí se ele
crê que a Bíblia é a
revelação, ou mesmo um meio de revelação.
O investigador também tenta
descobrir o que Deus pretendeu que o texto significasse para o leitor de então,
e para o leitor de agora. Wooley diz ainda
que os estudiosos da Escritura devem usar outras ferramentas que os ajudem na
sua interpretação e que, consequentemente, ajudem na formulação dos credos e
confissões:
Uma das ferramentas usadas
na descoberta do significado da Escritura é a história daquilo que as pessoas
pensaram sobre ela. A história usa com um propósito didático a evidência do que
aconteceu aos homens no passado.
A história de como os
homens formularam os credos, por que assim o fizeram, qual a utilidade que os
credos têm tido na prática, e qual a sua real utilidade, é de extrema
importância na avaliação de nossa situação presente.
Portanto, quando
estiverem reafirmando as verdades credais e confessionais, os cristãos deste
final de século devem levar em conta a fonte autorizada que é a Escritura e as
fontes secundárias de pesquisa, que estão na experiência dos homens verificadas
na história da igreja.
VIII. São os Credos
uma Imposição da Igreja sobre os seus Membros?
Muitos cristãos de hoje não
aceitam as formulações doutrinárias estabelecidas pelo simples fato de pensarem
que são uma imposição das autoridades da igreja sobre eles.
De fato, dentro da Igreja
Católica Romana a ideia de “dogma” tem alguma ligação com imposição.
Todos os católicos têm que aceitar as formulações infalíveis da igreja, sem
qualquer possibilidade de questionamento ou posterior alteração.
Roma reivindica
infalibilidade para todos os pronunciamentos do magistério da igreja. Cristo
fundou a igreja e ordenou que ela deveria ser a guardiã infalível e intérprete
da verdade… Inspirados pelo Espírito de Deus, os concílios da igreja não podem
errar. Justiniano I (morto em 565)
considerou os ensinos dos quatro concílios ecumênicos da igreja como Palavra de
Deus e seus cânones como leis do império. Gregório, o Grande (morto em 604), colocou os decretos dos
primeiros quatro concílios em pé de igualdade com os quatro evangelhos. O catolicismo
medieval, na plenitude da sua exuberância, elevou os credos acima da Bíblia… Por
esta razão, a perspectiva de Roma é que as antigas formulações dos credos contêm
verdades reveladas imediatamente por Deus e, assim, são dotadas de autoridade para
todas as épocas.
Os protestantes reformados; têm uma atitude diferente com relação aos credos
e confissões. Embora eles considerem o Credo dos Apóstolos e os decretos dos
quatro concílios ecumênicos em consonância com a Escritura, esta última é a única regra de fé e prática para
a igreja. Os dogmas e as confissões sempre têm que estar sujeitos à Escritura.
Devem ser testados à luz
da Escritura e sua interpretação deve estar sempre em
consonância com a mesma. Quando isto acontece, então pode-se dizer que as
doutrinas dos credos e das confissões são uma expressão de um correto entendimento
das Escrituras e devem ser aceitas pela igreja.
Os protestantes sempre
reconheceram concílios fiéis e concílios infiéis. Portanto, alguns expressaram-se
corretamente e outros não, em matéria de fé. É exatamente esse o pensamento da Confissão de Fé de Westminster.
Todos os sínodos e
concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem
errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e
prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa (Confissão de Fé de Westminster, XXXI,
3).
Para que os cristãos
aceitem os credos e confissões, estes têm que refletir o pensamento da
Escritura e têm que ser julgados pela própria Escritura. Se isto acontecer, os
credos nunca serão uma imposição da igreja, mas os crentes terão o dever de
aceitá-los.
IX. A Possibilidade
de Revisão dos Credos:
Um credo ou confissão,
pelo menos dentro da teologia reformada, não é um sistema de doutrina absolutamente
fechado que não possa ser alterado com o desenvolvimento sério dos estudos
sobre uma determinada matéria. Wooley diz que “os
credos existem para o propósito de aplicação e deveriam ser frutíferos para experimentação
e teste posteriores, e sujeitos a constante mudança e revisão.”
É importante observar
que a teologia reformada não é um sistema hermeticamente fechado ou irreformável. Não possuímos
um credo sacrossanto, que nenhum concílio possa alterar. A teologia reformada sempre se desenvolveu, desde a Reforma
Protestante do Século XVI. Quanto mais os teólogos refletem sobre a revelação
divina da Escritura, mais eles podem aprender com ela. A teologia reformada permite a revisão dos credos para que se melhore
a formulação das doutrinas.
Um padrão de fé não pode
ser mudado sem um exame acuradíssimo das Escrituras. Toda e qualquer alteração
tem que possuir uma base escriturística justificável. A ideia de reformar os
credos e confissões não é algo simples, nem deve ser tratada levianamente.
“A revisão de uma
confissão é sempre possível, mas tal revisão é proveitosa somente se a própria
igreja estiver num plano espiritual elevado e for capaz de inteligentemente
descobrir com precisão, nas Escrituras, as expressões da sua fé.”
Embora a teologia reformada não seja irreformável, por causa da sua solidez
ela não tem sido alterada em sua história. As gerações presentes têm que possuir
um elo de ligação com as gerações passadas. Esses elos nunca podem ser quebrados.
O que cremos hoje tem que refletir a fé dos nossos antepassados. Devemos diferir deles naquilo em que eles não foram absolutamente justos com o ensino geral das Santas Escrituras, mas onde estiveram certos, devemos seguir com eles. O que foi verdade no passado, deve ser verdade para o povo de Deus no presente. A verdade de Deus conforme revelada na Escritura nunca muda. O entendimento da Escritura é que pode ser melhorado. Nesse sentido, a fé reformada se desenvolve.
X. As Razões para a
Depreciação dos Credos:
Vivemos numa época antidogmática
e muitos crentes querem que a igreja viva sem um corpo de doutrinas. Eles dizem
que somente a Bíblia é necessária. Eles querem saber somente de Jesus Cristo, e
não de doutrinas, o que é uma grande insensatez. Como pode haver amor a Cristo
e à sua Palavra sem haver amor pela sã doutrina ensinada de maneira inequívoca
na Escritura?
Contudo, há algumas
razões para esse comportamento da igreja contemporânea:
A. O Subjetivismo Radical do Iluminismo e do Pós-Modernismo Uma razão para esse comportamento pode sem depreendida do fato de que desde o período do Iluminismo apareceu dentro da igreja um subjetivismo radical que levou a uma depreciação dos credos. No período pós-iluminista, com Schleiermacher, Kierkegaard e toda a tradição existencialista, creu-se que a realidade de Deus não podia ser objetivamente conceptualizada. A verdade tinha que ser alcançada pela exploração do caráter intrínseco da existência humana. O teólogo católico Karl Rahner insiste que “o conteúdo da fé não é visto como um número vasto e quase incalculável de proposições que, coletiva e diversamente, estão garantidas pela autoridade formal de um Deus que se revela.” Segundo Rahner, a verdade é subjetiva, não objetiva.
B. A Aridez do Protestantismo Escolástico A segunda razão para a depreciação dos credos
e confissões pode ser vista na aridez do protestantismo escolástico dos séculos
XVII e XVIII, com sua tonalidade racionalista, que enfatizava as formulações
confessionais esvaziadas de verdadeira piedade cristã. Essa aridez resultou no
aparecimento do Pietismo, que rejeitou quase todas as formulações doutrinárias.
Mais recentemente, como resultado da aridez ortodoxa dentro do catolicismo,
começou-se a enfatizar a ortopraxia ao invés da
ortodoxia. Demarest diz que “os
modernos católicos progressistas tais como Schillebeeckx, Dulles and Küng insistem que o que vale não é um credo
cristão, mas os atos concretos dos cristãos.”
Por causa da ênfase extremada nos credos e confissões do protestantismo escolástico e da aridez com que ensinavam as doutrinas, sofremos ainda hoje algumas consequências. Todas as igrejas que são confessionais levam sobre si o estigma de “ortodoxia morta.” Num certo sentido isto tem sido verdadeiro. Várias igrejas confessionais têm perdido historicamente o gosto pela evangelização, pelo testemunho cristão e pela vibração com o evangelho de Cristo. Por essa razão, o evangelicalismo moderno tem apelado mais para a religião prática e para a experiência individual do que para confissões de fé objetivamente afirmadas. Esse erro comportamental do passado não é justificativa para abandonar-se os credos. É perfeitamente possível afirmá-los e confessá-los e ainda assim possuir ardor pela evangelização, missões e comunhão pessoal com Deus, pois eles próprios ensinam estas coisas.
C. O Relativismo Cultural Uma terceira razão para a depreciação dos credos e confissões está
relacionada com o problema do relativismo cultural. O pós-modernismo foi o
grande beneficiado com o relativismo cultural, mas nos seus resultados ele não
foi diferente do Iluminismo. Apenas mudou a metodologia. Ele retirou a verdade afirmada
objetivamente e colocou a verdade na subjetividade do indivíduo.
O pós-modernismo
democratizou a verdade, fazendo com que ela fosse propriedade de cada indivíduo,
e não uma verdade afirmada objetivamente, como está na Escritura, por exemplo.
A cosmovisão individual determina a verdade.
Alguns críticos dizem
que “as crenças e formulações
do passado são inevitavelmente condicionadas pela cultura da época que as
produziu.”
Os credos e confissões
são sempre a expressão cultural de um povo, numa determinada época. Portanto,
aquilo que foi válido para aquela época, não o é para a nossa presente geração.
Como consequência,
alguns pensamentos são vigentes na igreja moderna:
a) Frequentemente se diz que alguém pode ser um
cristão bom e sincero sem ter suas doutrinas formuladas sistematicamente. Isto
tem sido o produto de um pietismo que sempre
procurou o seu cristianismo na vida prática, sem a crença necessária em dogmas
para ser cristão. Alguns ainda pensam que doutrinas são meras palavras, que não
têm qualquer aplicação prática.
b) Tem-se dito que as doutrinas são o produto
de uma época particular com as suas características próprias, como o tempo da
Reforma. Naquela época as doutrinas eram necessárias por causa das controvérsias
religiosas. Mas a situação daquele período não mais se repetiu. Ele foi
singular.
c) Tem-se dito que as doutrinas mudam quando
comparadas com a Bíblia. “Nós temos que ficar com o que não muda.” Isso é verdade
quando as doutrinas não tem um fundamento correto. Por exemplo: os Reformadores
alteraram aquilo que era crido no período medieval. Por quê? Porque algumas
doutrinas medievais não expressavam o conteúdo geral das Escrituras. Foi exatamente
o princípio da Sola Scriptura que alterou
o que estava estabelecido. Mas as doutrinas não são algo que necessariamente se
altera. A mutabilidade das mesmas está relacionada com a sua fidelidade ou não
à Escritura.
XI. A Autoridade dos Credos e Confissões:
Modernamente tem havido duas atitudes para com os credos e confissões: uma de divinização e a outra de rejeição dos mesmos. Uma atitude sábia está em evitar esses dois extremos. Classicamente falando há duas posições com respeito aos credos e confissões, expressas em frases latinas: norma normata, que deve ser preferida a norma normans. A expressão norma normans significa: (“uma regra que regula”) reflete a posição católica romana. Ela expressa a ideia de que a autoridade dos antigos credos é absoluta e infalível. Os credos antigos eram considerados Palavra de Deus. A expressão norma normata significa: (“uma regra que é regulada”) reflete a posição reformada protestante. Observe-se que o credo é uma regra, uma norma. Os credos sempre refletiram a consciência doutrinária e religiosa das gerações da igreja cristã. Eles são de uma importância enorme para a igreja contemporânea, pois expressam aquilo que os nossos antigos creram. E tem que haver uma identidade de fé que nos une a todos, cristãos de todas as épocas.
Mas temos que observar
também que o credo é não somente uma norma, mas uma norma que é regulada. Como
o credo é uma formulação humana, ele tem que estar submisso (regulado) à
Escritura, a regra infalível e suprema de fé e prática. A Escritura, sim, é norma normans, isto é, ela é divina e absoluta, e tem a finalidade de regular os credos,
que são uma autoridade secundária e derivada. Em última análise, os credos e
confissões devem sempre ser testados e regulados pela Palavra de Deus.
Os Padrões de Fé de Westminster, por exemplo, não são norma normans, mas norma normata, não uma regra com norma intrínseca, mas uma
regra derivada da fé. Eles são um produto humano, totalmente subordinado à
Palavra de Deus. A Escritura possui uma autoridade intrínseca, e não a igreja ou os seus credos. Tanto a igreja como os seus padrões
de fé devem ser julgados pela norma normans, que é a Escritura.
Vivemos num tempo de indefinição
teológica e doutrinária por causa do abandono dos credos e confissões. O
retorno aos credos e confissões é absolutamente necessário para que essa indefinição
termine.
Contudo, a aceitação de
proposições confessionais deve levar a uma vida prática, sadia, cheia de amor
pela Palavra de Deus e santo temor e reverência pelo seu autor e inspirador.
XII. A Necessidade da
Volta aos Credos e Confissões:
Essa volta é absolutamente
necessária porque precisamos rejeitar a subjetividade daquilo que tem sido
ensinado nas universidades e em alguns seminários evangélicos.
O retorno aos credos
precisa incluir a rejeição do subjetivismo moderno que tem
negligenciado a verdade como é revelada objetivamente. Temos que afirmar as
verdades de Deus que estão objetivamente reveladas nas Escrituras Sagradas.
Essa volta aos credos
deve ser uma resposta à ênfase exclusiva na ortopraxia. Demarest diz que “a única garantia de uma ortopraxia bíblica
responsável é uma ortodoxia bíblica autêntica, tal como a fé que temos enraizada
nos credos. Não há nenhuma integridade de vida à parte de uma integridade de
crença.
Essa volta aos credos deve
ser uma resposta à ideia do relativismo cultural. O que é verdade espiritual uma vez, sempre o será. A verdade não está
condicionada a um tempo ou época. A verdade de Deus é para sempre. Aquilo que se
considerou verdade numa época e depois caiu, não é expressão da verdade. Por
essa razão os credos não são infalíveis. Eles podem ser aperfeiçoados e melhorados.
XIII. A Importância
da Subscrição dos Credos e Confissões:
Nos dias em que vivemos,
por causa do baixo nível ético de crentes e de ministros da Palavra que
prometem verbalmente fidelidade aos padrões doutrinários, mas logo se afastam
deles por uma questão de conveniência teológica, precisamos subscrever um conjunto de doutrinas que expressem a nossa
fé. Essa atitude significa nadar contra a correnteza. Por causa do pluralismo
vigente em nossos dias, as pessoas têm reservas até mesmo quanto à ideia de
subscrever uma formulação teológica.
Contudo, esta época é
extremamente apropriada para que mostremos a nossa definição teológica, assinando
documentos de fidelidade ao que professamos crer. Segue abaixo uma sugestão do
que os oficiais e ministros das igrejas reformadas confessionais deveriam assinar:
Nós, abaixo assinados, sinceramente e de boa consciência, declaramos que, por esta subscrição, estamos firmemente persuadidos de que todos os pontos contidos em nossos símbolos de fé reformados, elaborados pelos nossos antepassados espirituais, refletem com fidelidade, por sua interpretação, os ensinos da Palavra de Deus. Prometemos, assim, ensinar com toda a diligência as doutrinas afirmadas em nossos símbolos de fé, sem que as contradigamos direta ou indiretamente, quer por pregação pública ou pelos nossos escritos.
Declaramos, além disso,
que não somente rejeitamos os erros que militam contra essas doutrinas, mas
estamos dispostos a refutar e a contradizer os ataques à sã doutrina, para que
a conservemos pura, e a igreja seja livre de cair em heresia.
A subscrição de padrões doutrinários deveria ser exigida por seminários e concílios da igreja reformada, os subscritores ficando passíveis de serem submetidos ao juízo das autoridades eclesiásticas caso sigam um padrão diferente daquilo que subscreveram. Contudo, uma pessoa não deve ficar para sempre presa ao que assinou, no caso de não mais concordar com o que subscreveu anteriormente.
O subscritor tem o direito de ter as suas dificuldades doutrinárias, e pode querer o reexame das doutrinas afirmadas. Uma saída para essa situação está prevista na fórmula de subscrição sugerida: Se, porventura, tivermos quaisquer dificuldades ou sentimentos diferentes com respeito ao que subscrevemos, prometemos não ensinar sobre eles nem pública nem particularmente, seja por pregação ou por escritos, até que tenhamos primeiro revelado tais dificuldades aos concílios competentes, e sejam essas dificuldades e sentimentos devidamente examinados por eles, estando nós dispostos a aceitar o juízo desses concílios, ficando sob penalidade, em caso de recusa, de sermos suspensos de nosso ofício.
Creio firmemente que
muitos oficiais das igrejas de teologia arminiana teriam dificuldade em assinar um documento como o sugerido acima, porque
o tempo presente dificulta essa atitude. Infelizmente, a igreja sempre tem se
defrontado com a falta de seriedade de alguns grupos heréticos, numa atitude
não condizente com a ética cristã. Juram e não cumprem o juramento. Como agravante,
as dificuldades individuais de ministros e professores de seminários arminianos;
principalmente os de ordem Pentecostais e Neopentecostais não têm feito com que esses problemas e sentimentos
opostos aos padrões confessionais reformados cheguem as suas convenções superiores.
Eles preferem ignorar os problemas que veem e fecham os olhos aos padrões doutrinários violados por muitos colegas, em nome do “amor ao dinheiro.” Em nome desse mesmo “amor de cunho capitalista,” permitem que a verdade de Deus seja sacrificada. É uma pena que as coisas sejam assim.
Todavia, eu conclamo os meus colegas de arminianos a largarem as heresias de Arminio, sejam eles docentes ou regentes, e assumirem uma postura de lealdade àquilo que cremos ser uma exposição fiel das verdades da Escritura Sagrada. Somente assim, haveremos de livrar a igreja que amamos das ameaças teológicas que a rodeiam. Que Deus assim nos ajude amém!
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